Como o disco de estreia do Van Halen “inventou” a década de 1980

Lançado em 10 de fevereiro de 1978, álbum de estreia da banda californiana antecipou a sonoridade e a estética do rock oitentista

O disco certo, no lugar certo, momentos antes – pelo menos dois anos – da hora certa. Ou melhor, do rito de passagem convencional. Muito à frente de seu tempo, o álbum de estreia homônimo do Van Halen inventou a década de 1980 no dia 10 de fevereiro de 1978, num parto tão prematuro quanto revolucionário.

Ao dar à luz seu primeiro trabalho, a banda de Pasadena, estado americano da Califórnia, antecipou a sonoridade e a estética do rock oitentista. Mostrou que era possível modernizar e revitalizar o som pesado, que caíra em ostracismo num mundo dividido entre o punk e a disco. Como precisamente definiu o crítico musical inglês Bruno MacDonald, da Record Collector e Q Magazine:

“Antes, o hard rock fazia barulho; agora, fazia pular.”

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Decantado como uma das maiores estreias da história da música, o registro inaugural do Van Halen emplacou hits, atingiu a 19ª posição da Billboard e vendeu mais de 10 milhões de cópias só nos Estados Unidos, o que rendeu a certificação de disco de diamante em 1996. Seu impacto gigantesco, porém, não pode ser medido apenas em números. E, como veremos, começou antes mesmo de sair das prensas da Warner Bros Records.

O padrinho Gene Simmons

Antes de estourar mundialmente ou mesmo na Sunset Strip, o quarteto formado pelos irmãos Eddie (guitarra) e Alex Van Halen (bateria), pelo vocalista David Lee Roth e pelo baixista Michael Anthony despertou a atenção de Gene Simmons, a mente maligna por trás do Kiss.

Em 1976, o cantor e baixista se impressionou com um show do Van Halen no Starwood Club, em Los Angeles, e decidiu financiar uma demo dos caras. Prometeu também descolar um contrato com alguma gravadora.

A demo, de fato, saiu do papel e foi concluída no Electric Lady Studios, em Nova York, tendo o próprio Simmons como produtor. “Zero”, como ficou conhecida, já continha em seu repertório duas músicas que entrariam no primeiro álbum do Van Halen: “Runnin’ With the Devil” e “On Fire”.

Entretanto, o resultado desagradou a banda, principalmente Eddie Van Halen. Mesmo tendo gravado no renomado estúdio projetado por Jimi Hendrix, ele sentia falta de utilizar seu próprio equipamento e explorar inovações técnicas que já vinha desenvolvendo. A sonoridade foi reprovada e a demo “Zero”, engavetada.

O contrato com a gravadora ficou só na promessa e logo Gene Simmons estava envolvido de volta com os afazeres do Kiss, à época no auge, mas ofuscado justamente pelo Van Halen poucos anos depois. Fanfarrão, Simmons não perde a oportunidade de reclamar pra si os créditos pela descoberta da banda, como brincou em entrevista para Mike Gitter, da Kerrang!:

“Muita gente me coloca em sua lista de agradecimentos, mesmo que eu não mereça. Uma em que eu merecia estar era na do primeiro disco do Van Halen. Os caras ainda me devem alguns milhares de dólares, mas eu amo eles!”

A revolução se anuncia

Apesar da desilusão com a primeira experiência em estúdio, o Van Halen continuava a construir sua reputação com shows cada vez mais incendiários. Entre 1976 e 1978, a banda se tornou a atração mais quente do circuito de clubes da Sunset Strip.

Remonta a esse período um dos principais “causos” do folclore da banda: o de que Eddie Van Halen, por sugestão do irmão Alex, tocava “Eruption” de costas para a plateia para preservar sua técnica. Uma forma de evitar que a concorrência “roubasse” sua maneira inovadora de tocar guitarra, a qual já incluía tappings, harmônicos e outros truques nada ortodoxos para a época.

Só que a magia da guitarra de Eddie não era o único segredo do grupo. Somava-se a ele o ataque selvagem do vocalista David Lee Roth, capaz de acrobacias (vocais e performáticas) que também deixavam o público de queixo caído. Tal como Robert Plant no Led Zeppelin, “Diamond Dave” surgia como um “Deus dourado” da década que se anunciava.

Em artigo para a revista Classic Rock, o jornalista Steven Rosen observou:

“O que eles tinham era um par de armas secretas, na forma de Dave Lee Roth e Edward Van Halen. A maioria das bandas tirava a sorte grande se tivesse um frontman matador. O Van Halen tinha dois.”

O burburinho só aumentava conforme o Van Halen se apresentava com frequência em clubes como Whisky a Go Go, Troubadour e Gazzarri’s. Mas foi no velho e conhecido Starwood, o mesmo onde já haviam impressionado Gene Simmons, que a história da banda mudou de vez.

Foi numa segunda-feira chuvosa de junho de 1977. O produtor Ted Templeman e Mo Ostin, presidente da Warner Bros, saíram do Starwood Club estupefatos com a banda que haviam acabado de assistir. No dia seguinte, o Van Halen assinou com a gravadora.

Prazer e perigo sofisticados

Som, letras, estética: tudo é lascivo no disco de estreia do Van Halen. Da buzina que introduz o baixo de Michael Antony em “Runnin’ with the Devil” aos vocais orgasmáticos de David Lee Roth em… qualquer uma das 11 faixas. Paira no álbum um clima libidinoso, como um convite ao prazer. Ou ao perigo.

Dono de uma rara eloquência discursiva, David Lee Roth explicou à Waxpaper:

“Celebramos todo o sexo e a violência da televisão, todo o rock ‘n’ roll do rádio, do cinema, dos carros. É tudo sobre ser jovem ou jovem de coração. Isso é Van Halen.”

A grande sacada de Eddie Van Halen e seus camaradas, no entanto, foi fazê-lo com refinamento e sofisticação técnica. Veja bem, sofisticação. Não gratuidade técnica. Nenhuma música ultrapassa quatro minutos de duração ou tem a pretensão de dizer mais do que precisa. Um álbum refinado, sem ser sisudo, como explicou o guitarrista na lendária entrevista a Steven Rosen em 1978, logo após o lançamento:

“Tudo o que tentamos fazer é trazer de volta um pouco de emoção ao rock ‘n’ roll. Parece que muitas pessoas (na cena) têm idade suficiente para ser nossos pais. E elas soam ou agem assim. Parecem sem energia. Parece que se esqueceram sobre o que é o rock. Somos muito enérgicos e subimos no palco para incendiar as pessoas.”

Em estúdio, não era diferente. O Van Halen gravou seu primeiro trabalho em apenas 21 dias gastando não mais do que 40 mil dólares. O local escolhido foi o Sunset Sound Recorders, em Los Angeles, e o produtor Ted Templeman, conhecido por ter conseguido transportar para as fitas a força da banda ao vivo, contou à Rolling Stone sobre o processo:

“Eddie tocou perfeitamente. Ele quase sempre gravava seus solos ao vivo, em quase todas as músicas. Ele tocava os acordes, fazia o solo e ia direto ao ponto. Nós nunca fazíamos overdub. Era incrível.”

No papo de 1978 com Rosen, Eddie complementa:

“Eu odeio overdub, porque não é o mesmo que tocar com os caras. Não há nenhum sentimento ali para eu trabalhar. Eu tenho que me alimentar deles (colegas de banda) para tocar bem, entende?”

Icônicas, as fotos da capa foram tiradas com a banda em ação no Whisky a Go Go, pelo fotógrafo Elliot Gilbert. “You Really Got Me”, cover dos Kinks, e “Runnin’ with the Devil” foram os primeiros singles. Depois vieram “Jamie’s Cryin'” e a arrasa-quarteirão “Ain’t Talkin’ ‘Bout Love”, repleta de harmônicos incríveis na guitarra.

Chamado por alguns de “o novo Led Zeppelin”, o Van Halen também trazia elementos de Aerosmith, mas com uma fúria sem precedentes. Não à toa, a banda influenciou do heavy tradicional ao thrash metal, com guitarristas como Dave Mustaine (Megadeth), Gary Holt (Exodus) e Alex Skolnick (Testament) admitindo isso abertamente. Basta ouvir “On Fire”, que fecha o álbum, para entender.

Efeito colateral

O sucesso do disco, obviamente, fez proliferar uma infinidade de clones. O Van Halen havia criado o protótipo da banda de rock ideal para a década de 1980, bem como o que viria a ser conhecido como glam metal ou hair metal.

Agora, qualquer guitarrista um pouco mais habilidoso ou vocalista boa-praça acabava recrutado para bandas fabricadas em escritório numa escala industrial. A tentativa de emular a fórmula mágica do quarteto californiano virou regra e inundou os Estados Unidos, de costa a costa.

A música, por vezes, ficou comprometida. A culpa era do Van Halen? Claro que não. Novamente recorrendo à eloquência de David Lee Roth, agora em entrevista a Bruno MacDonald, da Record Collector e Q Magazine:

“Nós vendemos esperança, fé e júbilo, exatamente como um monte de religiões.”

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Guilherme Gonçalves
Guilherme Gonçalves
Guilherme Gonçalves é jornalista formado pela Universidade Federal de Goiás (UFG). É repórter do Globo Esporte e atua no jornalismo esportivo desde 2008. Colecionador de discos e melômano, também escreve sobre música e já colaborou para veículos como Collectors Room e Rock Brigade. Revisa livros das editoras Belas Letras e Estética Torta e edita o Morbus Zine, dedicado ao death metal e grindcore.

3 COMENTÁRIOS

  1. Muito bom o texto. A sugestão do EVH ficar de costas para o público na hora dos solos de guitarra não é do Alex e sim do Dave, vocalista da banda. O EVH nasceu em 26.01.1955. O disco Van Halen é gravado entre Agosto e Setembro de 1977 e lançado só em Fevereiro de 1978. Então ele já tem 22 anos de idade quando gravou e acabara de completar 23 anos quando do lançamento. Ocorre que, em 1976, o EVH e o Dave combinaram de mentir a idade e diminui-la em 02 anos.

  2. Bacana! Discão!
    Uma reclamação: impossível ficar só nos 6 minutos indicados como tempo de leitura com o tanto de curiosidades afins nos links em vermelho rsrs

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