Liam Gallagher abraçou de vez o classic rock que temperava os primórdios do Oasis. Deixou de tentar soar alternativo, como fazia no Beady Eye, e fugiu de qualquer abordagem experimental, diferentemente do que faz seu irmão, o guitarrista e desafeto Noel, no High Flying Birds.
O público que esteve presente no primeiro dos dois shows da turnê “C’mon You Know” no Brasil, realizado na última terça-feira (15) no Espaço Unimed em São Paulo, pôde testemunhar isso de perto. E se divertiu como nunca.
Ainda que esteja promovendo o álbum de mesmo nome da tour, lançado em maio último, o vocalista apostou em um repertório focado em Oasis. Das 17 músicas que compuseram o setlist – ligeiramente menor que o apresentado recentemente no Reino Unido –, dez são do grupo que revolucionou o rock britânico nas décadas de 1990 e 2000. Um aceno isolado ao Beady Eye (com “Soul Love”) e seis faixas bem recebidas de seus trabalhos solo (três delas oriundas do disco mais recente) completaram o setlist.
O mergulho definitivo no classic rock também se deu no formato de banda. Oito músicos subiram ao palco junto de Liam, com direito a três guitarristas (Michael Moore, Jay Mehler e Barrie Cadogan, este último na vaga de Paul “Bonehead” Arthurs, afastado para tratar de um câncer) e duas backing vocals (Frida Touray e Holly Quin-Ankrah), além de Drew McConnell no baixo, Dan MacDougall na bateria e Christian Madden nos teclados e piano. Se tivesse percussionista especialmente designado para a função (já que Liam geralmente assume meia-lua e chocalho) e saxofonista, daria para chamar de Rolling Stones do britpop.
*Fotos de Jeff Marques / @mulekedoidomemo
Camadas bem reproduzidas
A robusta banda de apoio não é por acaso. É necessário ter muitos músicos no palco para reproduzir fielmente a sonoridade do Oasis nos álbuns. Noel Gallagher era grande fã do estilo de produção que deu início à chamada loudness war, com forte uso de compressão e camadas quase infinitas de faixas instrumentais para dar uma sensação de “gigantismo” ao ouvinte.
Como boa atração de classic rock, Liam Gallagher – que está cantando como nunca – se recusa a dar o braço a torcer quanto à performance e faz com que sua banda reproduza todo o material exatamente como se ouve nos discos. Soa mais perfeito do que o próprio Oasis no palco. Percebe-se isso logo na primeira música do set, a clássica “Morning Glory”, antecedida por gravações de “I Am the Resurrection” (The Stone Roses) e “Fuckin’ in the Bushes” (do próprio Oasis) que já deixaram o público ensandecido. Aliás, bastou o noneto entrar no palco para que os milhares de presentes gritassem de forma ensurdecedora. Sorte que o som da casa estava ainda mais alto.
“Rock ‘n’ Roll Star”, outro hit da década de 1990, veio na sequência e colocou todo mundo para pular. Logo foram tocadas duas músicas da carreira solo de Liam, mas engana-se quem pensou que as canções esfriaram o público. “Wall of Glass”, primeira ocasião em que se ouve de fato as backing vocals, e “Everything’s Electric”, cuja versão original foi gravada com Dave Grohl na bateria, foram cantadas e apreciadas pelos presentes quase como se fossem números da banda original do cantor.
Como o set trazido ao Brasil é um pouco mais enxuto, músicas solo como “C’mon You Know”, “World in Need”, “Better Days”, além de “Hello”, do Oasis, acabaram cortadas. Deu para ir direto no filé, já que estas seriam tocadas antes de “Stand by Me”. Agora presente na quinta posição do repertório, o single principal do álbum “Be Here Now” (1997) ajudou novamente a deixar a adrenalina lá no alto. Ao fim da performance, as imagens no telão mostraram uma fã com um cartaz dizendo: “Deem os nossos cumprimentos a Bonehead”. Que o guitarrista se recupere logo.
Pé no freio + altos e baixos
Somente em “Roll it Over”, retomando o Oasis no repertório, Liam Gallagher e seus asseclas puderam desacelerar o ritmo. Aqui, o cantor ofereceu a primeira balada mais “lentinha” da noite e talvez um dos poucos momentos mais experimentais, especialmente pelo uso de bastante efeito na voz. Notório pelos diálogos curtos e enrolados com o público – a falta de carisma acaba virando carisma por aqui –, Liam pergunta: “Como está a vida? Não tem mais Covid?” Ainda tem, mas seguimos tentando aproveitar.
“Slide Away”, mais um clássico da antiga banda do cantor, surge na sequência e impressiona, mais uma vez, pela exata reprodução do que se ouve no álbum. Hora de mais balada: a recente “More Power” carrega letra supostamente em homenagem a Noel, jogo de iluminação que acompanha a batida e bases pré-gravadas de vozes infantis na introdução e outros momentos. Não é lá dos melhores momentos. Liam brinca que vai tocar Slipknot, mas emenda outro número dispensável: “Soul Love”, original do Beady Eye.
O cantor só retoma de vez a atenção do público com as faixas solo “Diamond in the Dark” e “The River”, ambas com pegada bem contemporânea e explorando bem os vocais do protagonista. Logo vem violão de novo em “Once”, mas esta recebida de forma mais calorosa pelos fãs, que cantaram a letra aparentemente autobiográfica do início ao fim.
Jogo ganho
Num show onde até as músicas mais recentes animaram a plateia, os clássicos elevaram ainda mais a conexão com o público. “Some Might Say”, pedida incansavelmente por uma fã através de um cartaz, gerou nova catarse coletiva, assim como “Supersonic”. São músicas que Liam Gallagher nem precisaria cantar, tamanha a interação. Ciente disso, por vezes ele mesmo se distanciava no refrão para deixar o público brilhar. Ambas as faixas foram, de certo modo, um presente para os paulistanos: geralmente, entra uma ou outra no repertório, não as duas. Para isso, no entanto, foi necessário cortar “Cigarettes & Alcohol”. Troca aprovada.
Dedicada por Gallagher a atletas brasileiros com passagem pelo time do coração Manchester City – citando o goleiro Ederson e o atacante Gabriel Jesus, hoje no rival Arsenal –, “Wonderwall” bateu recorde de celulares levantados para gravar stories. Prejudicou um pouco a interação, que vinha tão bem até então, mas ainda assim rendeu um belo momento. A faixa encerrou o set regular, mas como o cantor disse que aquela “seria a última”, alguns desavisados começaram a ir embora. Espero que tenham voltado para presenciar o bis.
O rápido intervalo antecedeu mais dois hits do Oasis. “Live Forever”, dedicada ao que pareceu ser um “fã de jaqueta” – nas enroladas palavras do cantor –, talvez tenha sido a única canção do antigo grupo a realmente fazer uso das backing vocals. Visivelmente mais empolgado que de costume, Liam agradeceu aos presentes, desejou um feliz Natal e pediu para que todos “continuassem belos” ao introduzir “Champagne Supernova”, provavelmente a mais bela composição de seu irmão, Noel. Final apoteótico.
Curto e grosso, mas no capricho
As 17 músicas tocadas por Liam Gallagher e banda representaram pouco mais de 90 minutos de show. Como o vocalista dialoga bem pouco com o público, o grupo enfileira as músicas de modo que dá pouco tempo para “respirar” – o que contribui para a adrenalina elevada na plateia.
Mas é apenas parte do estilo característico do protagonista. Nada é feito no desleixo. Como destacado anteriormente, o trabalho instrumental soa impecável, bem igual ao que nos acostumamos a ouvir das gravações de estúdio. As três guitarras funcionam, as backing vocals entram nos momentos certos, a cozinha não se perde e os teclados dão o toque final necessário para a voz de Liam, que, assim como as músicas do Oasis, resistiu bem ao teste do tempo.
De toda a experiência no Espaço Unimed na noite de terça (15), o único ponto negativo talvez seja a “tradição” de alguns fãs em atirar cerveja – por vezes com copos – no público. Aliás, me foi dito que é uma “tradição”, já que nunca ouvi falar disso e fui a um show de Gallagher pela primeira vez. Para usar a expressão que estampava o palco antes da apresentação, não há nada de “rock ‘n’ roll” nisso. Os presentes mais dispostos a fazer arruaça dessa e de outras formas acabaram dando trabalho para os poucos seguranças no local, já que desrespeitavam outros que também pagaram caro para assistir à performance.
Que bom que o show foi irretocável. Nem mesmo uma dúzia de fãs bobos estragaram um espetáculo de, acredite, classic rock – e de impressionante sinergia com o público no geral.
*Fotos de Jeff Marques / @mulekedoidomemo
Liam Gallagher – ao vivo em São Paulo
- Local: Espaço Unimed
- Data: 15 de novembro de 2022
- Turnê: C’mon You Know
Repertório:
- Morning Glory (Oasis)
- Rock ‘n’ Roll Star (Oasis)
- Wall of Glass
- Everything’s Electric
- Stand by Me (Oasis)
- Roll It Over (Oasis)
- Slide Away (Oasis)
- More Power
- Soul Love (Beady Eye)
- Diamond in the Dark
- The River
- Once
- Some Might Say (Oasis)
- Supersonic (Oasis)
- Wonderwall (Oasis)
Bis:
- Live Forever (Oasis)
- Champagne Supernova (Oasis)
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