Crítica: “A Casa do Dragão” é o grande espetáculo político de 2022

Spin-off de “Game of Thrones” termina sua primeira temporada de forma visceral, com trama política impecável e ritmo frenético que beira a perfeição

Ano após ano, a HBO tem elevado absurdamente o patamar de qualidade de suas produções em comparação aos concorrentes no streaming e TV por assinatura. Não é só pela qualidade gráfica em tela: o ponto chave do crescimento é justamente no roteiro, a alma de qualquer produção. “A Casa do Dragão” é um grande exemplo disso.

Em 10 episódios com cerca de 60 minutos cada, a série derivada de “Game of Thrones” nos apresenta uma trama política extremamente bem amarada e desenvolvida. Sabe-se para onde quer ir.

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O maior inimigo

“A Casa do Dragão” se passa milhares de anos antes de “Game of Thrones”. No período, quem comandava os sete reinos era a dinastia Targaryen e seus monumentais dragões.

Tudo começa quando o rei Jaehaerys I (Michael Carter), nomeia Viserys I (Paddy Considine) à sucessão do trono de ferro em vez da real detentora dos direitos ao trono, Rhaenys Targaryen (Eve Best). Com isso, foi criada uma frágil corda de poder. A qualquer momento, um se colocaria contra o outro para conseguir um novo poder.

Surge-se, desta forma, uma grande frase que já deixa claro o caminho que a história irá seguir:

“A única coisa que pode destruir a Casa do Dragão é ela mesma.”

Decisões acertadas e inusitadas

Com o início da produção de “A Casa do Dragão”, veio também um certo receio conforme as informações iam chegando. Pareceu que a série seguiria pelo mesmo caminho que as duas últimas temporadas de “Game of Thrones”: trocar a construção da trama, dos personagens e do enredo político por um grande espetáculo envolvendo dragões. Felizmente, não foi o caso.

A primeira e acertada decisão para criar esse spin-off foi envolver diretamente o criador de tudo, o escritor George R. R. Martin. Cada vírgula do seriado passa por ele, além dos showrunners Ryan J. Condal e Miguel Sapochnik.

O segundo citado é vencedor do Emmy como melhor diretor por “Game of Thrones”, ao dirigir a espetacular batalha dos bastardos. Condal, porém, é uma inusitada aposta: trata-se de um roteirista de filmes de ação com qualidade duvidosa, a exemplo de “Hércules” (2014) e “Rampage” (2018). Acabou dando certo.

Ritmo forte

Toda a trama política de “A Casa do Dragão” é bem desenvolvida. A linguagem é bem mais simples e direta do que a adotada pela antecessora. Acerta-se em ritmo, diálogos, construção de personagens, cores, fotografia, efeitos especiais e progressão da história.

Cada episódio serve como construção, portanto, todos eles precisam ter um sentido de avante para a história. Não há tempo desperdiçado. Até mesmo um olhar entre dois personagens é capaz de dizer algo que faça a trama caminhar.

Ao menos nesta primeira temporada, há bem menos violência e sexo do que “Game of Thrones”. Parece haver o entendimento de que o momento da história é para diálogos, reuniões e pequenas conversas à luz de velas.

Violência na hora certa

Abre-se mão do gráfico por entender que a alma de uma história política, antes das atitudes, está no que se é dito e construído – até chegar o momento certo de desaguar em um grande espetáculo. É um estudo de roteiro.

O oitavo episódio, “O Senhor das Marés”, deixa isso claro. Em meio ao banquete em família, ficamos a todo momento aguardando por um banho de sangue. Não foi isso que tivemos: o caminho seguido é bem mais gostoso e surpreendente.

Há violência, mas pontual, que ajuda a contar a história em vez de apenas nos servir. Aliás, sempre que se levanta a possibilidade da violência, ela é rechaçada imediatamente, pois a diplomacia deve existir até mesmo antes da guerra.

Melhor elenco em anos

Há anos não via um elenco tão afinado quanto este. Todos compõem perfeitamente seus papéis, acertam no timing, na profundidade e no carisma.

Isso chama atenção, pois à primeira vista são rostos desconhecidos ou com trabalhos muito pontuais que não fizeram barulho. Matt Smith, por exemplo, fez o vilão do péssimo, “Morbius”. Já o veterano Rhys Ifans foi o Lagarto em “O Espetacular Homem-Aranha” e esteve em “Harry Potter e as Relíquias da Morte: Parte 1”, como Xenophilius Lovegood. Ambos estão extraordinários em “A Casa do Dragão”.

Paddy Considine é provavelmente quem mais se encaixa na definição feita no parágrafo anterior – e certamente entrará para a história com seu trabalho aqui. Com filmes péssimos na carreira, o ator teve no seriado “Peaky Blinders” aquela que foi, talvez, sua melhor aparição até então – digo “talvez” pois até demorei para lembrar que ele foi o padre John Hughes na série.

Em “A Casa do Dragão”, ele oferece um rei Viserys I com uma verdade profunda, um olhar tão conciliador e ao mesmo tempo cheio de dúvidas, controlando o próprio ego. Ciente de que é fraco, ele não pode permitir que os outros vejam seu problema. Uma performance forte, que deve ser premiada em cerimônias especializadas como o Globo de Ouro muito em breve.

Protagonismo feminino

Outro acerto em “A Casa do Dragão” é trazer o feminismo à tona sem colocá-lo acima de uma grande história. Aqui, as mulheres são retratadas em uma posição não podem ocupar cargos poderosos quando, na verdade, são justamente elas que ditam o poder em Westeros; seja com a fabricação de herdeiros, a negociação de casamentos políticos ou apenas pelo sexo, a mensagem é passada de forma inteligente.

A obra está em um caminho onde tanto o bem (Rhaenyra Targaryen, por Emma D’Arcy) quanto o mal (a Alicent Hightower de Olivia Cooke), terão o protagonismo de uma mulher. Mesmo quem já conhece o destino da história torcerá por Rhaenyra, diga-se de passagem.

Até mesmo a questão envolve a gravidez oferece uma mensagem sutil: homens são colocados na mais alta prateleira de poder e glórias enquanto as verdadeiras e reais dores mortais são sofridas por mulheres.

Único tropeço?

Talvez a única crítica a ser feita esteja na caracterização final de certos personagens. Como há um salto temporal de 20 anos, frustra perceber que o tempo passou para todos, menos para Otto Hightower (Rhys Ifans) e Sor Criston Cole (Fabien Frankel). E não é sobre mudança de atores, mas estilos preservados, cores de cabelo e formatos de barba mantidos, entre outros detalhes.

Que não dure muito

“A Casa do Dragão” adapta eventos narrados no romance “Fire & Blood”, de George R. R. Martin. Tem um bom e extenso material, porém, não para tantas temporadas.

Particularmente, após uma primeira temporada avassaladora, fico na torcida para que a produção seja finalizada em seu terceiro ano. Duvido, porém, que isso aconteça.

Todos os episódios da primeira temporada de “A Casa do Dragão” já estão disponíveis na HBO Max. A julgar pelos 10 episódios já liberados, podemos estar diante de uma nova página na história da televisão mundial.

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Raphael Christensen
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Ator, Diretor, Editor e Roteirista Formado após passagem pelo Teatro Escola Macunaíma e Escola de Atores Wolf Maya em SP. Formado em especialização de Teatro Russo com foco no autor Anton Tchekhov pelo Núcleo Experimental em SP. Há 10 anos na profissão, principalmente no teatro e internet com projetos próprios.

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