Joe Perry oferece show único e faz jus ao nome do Samsung Best of Blues and Rock em SP

Guitarrista do Aerosmith trouxe repertório roqueiro tingido de blues em noite que também contou com ótimas apresentações de Yohan Kisser e Lan Lanh

A palavra “honrado” foi certamente a mais utilizada por Joe Perry durante a coletiva de imprensa que antecedeu a edição paulistana do festival Samsung Best of Blues and Rock, realizada no último domingo (17) na área externa do Auditório do Ibirapuera. O guitarrista do Aerosmith não escondeu sua felicidade por fazer duas apresentações – ele também tocou em Porto Alegre, na sexta-feira (15) – em formato bem diferente do habitual.

Basta conferir um pouco da carreira de Perry para perceber que embora se encaixe bem no modelo típico de um músico de arenas, que faz shows bem ensaiados e com pouco espaço para improvisações, é nos palcos mais intimistas onde ele se sente mais confortável. Joe é, primariamente, um guitarrista de blues rock – gênero mais presente em casas de shows modestas do que em estádios lotados. Algumas de suas principais influências são o Fleetwood Mac de Peter Green e John Mayall, ambos homenageados com covers no show do último domingo (17).

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Foto: Jeff Marques @mulekedoidomemo

Por isso, não surpreende que, além de honrado, o músico estava muito à vontade durante o show. Não só ele, como sua competente banda de apoio, formada por Gary Cherone (Extreme) no vocal, Jason Sutter (Cher, Chris Cornell) na bateria, Chris Wyse (Ozzy Osbourne, Ace Frehley, The Cult) no baixo, Buck Johnson (Doobie Brothers, John Waite) nos teclados. Os dois últimos, vale destacar, são parceiros de Perry no Hollywood Vampires – e Johnson é sideman do Aerosmith há tempos.

Antes da atração principal, apresentaram-se a percussionista Lan Lanh, dona de um currículo que vai de Cássia Eller a Cyndi Lauper e de Nando Reis a David Byrne, e Yohan Kisser, filho do guitarrista Andreas Kisser (Sepultura) e membro do Sioux 66 e Kisser Clan. Ambos fizeram shows instrumentais com performances incríveis e grande variedade de gêneros abordados.

A coletiva

Em breve coletiva de imprensa realizada antes dos shows, Joe Perry, Yohan Kisser e Lan Lanh expressaram de diferentes formas o quanto estavam felizes por tocar em um festival de proposta tão distinta. Apresentado pelo Ministério do Turismo e realizado pelo Instituto Dançar, o Samsung Best of Blues and Rock é gratuito e trouxe em outras edições artistas como Jeff Beck, Richie Sambora, Zakk Wylde, Tom Morello, Buddy Guy, Chris Cornell, Joss Stone, entre muitos outros.

Sincerão, Perry comentou que a única pessoa que o viu tocar nos últimos 2 anos e meio foi o seu cachorro. Aliás, o guitarrista só conseguiu marcar a rápida turnê pelo Brasil porque o Aerosmith cancelou uma temporada de shows em um cassino de Las Vegas para que o vocalista Steven Tyler se internasse em uma clínica de reabilitação.

“Você deve imaginar que depois de 50 anos eu já teria me acostumado a tocar na frente de todos, mas na verdade não. Às vezes ainda me pego no palco pensando: ‘o que estou fazendo aqui?’ Daí vejo pessoas na plateia segurando os discos, sinto tanta emoção, tanta felicidade. […] Foi bem em cima da hora esse arranjo todo de vir para cá, mas a banda é toda muito boa. Já havíamos tocado juntos antes e tivemos quatro dias para ensaiar. Estou muito animado. É uma aventura mesmo estar neste evento tão especial. Eu me sinto honrado de estar com vocês.”

Foto: Jeff Marques @mulekedoidomemo

Yohan Kisser, por sua vez, brincou que não fazia um show tão grande há 25 anos – sua idade. Garantiu ainda que não pretende sair do Brasil em definitivo, tendo em vista sua enorme identificação com a música brasileira.

“Faz uns 25 anos que eu não faço um show tão grande (risos). Fiz alguns shows como Rock in Rio, ações do Rock na Praça, entre outros públicos grandes, mas este é com o meu nome e trazendo músicas autorais, ainda mais com este desafio de ser totalmente instrumental e sendo depois da pandemia.”

Lan Lanh, na sequência, relembrou de suas raízes musicais, atreladas não só ao blues como também ao rock.

“Estava lembrando que fiz uma turnê a convite da Cyndi Lauper. Toquei com o Memphis Blues, uma banda toda de blues com caras do Mississippi. Ela me convidou e eu me perguntei o que estava fazendo ali. Mas fui entender no decorrer da turnê que eu colocava minha Bahia e fazia o que ela queria: um carnival blues. […] O rock and roll tem uma ponte com a primeira banda que formei na vida: eram mulheres tocando os instrumentos e um homem cantando, uma formação bem inusitada para a época. Foi assim que ganhei o mundo, porque saí de Salvador naquela época, em 1989, não havia nem internet. Fui para o Rio de Janeiro com essa banda, Rabo de Saia. Dali veio a ponte com a Cássia. Então, rock e blues está na nossa alma.”

Foto: Jeff Marques @mulekedoidomemo

Lan Lanh e Yohan Kisser

Ainda era dia e havia um discreto rastro de sol em meio a um céu nublado quando Lan Lanh subiu ao palco para iniciar o show que abriu o festival. Acompanhada de Bidu Cordeiro (trombone), Toni Costa (guitarra), Guto Menezes (baixo e violão) e Max Sette (trompete), a percussionista conquistou rapidamente o público que desde cedo se reunia no extenso gramado da área externa do anfiteatro.

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A demonstração de versatilidade em meio a um repertório relativamente curto foi um dos grandes acertos de Lan Lanh e seu quarteto. Teve choro, jazz, ritmos nordestinos, música de povos originários e muito mais. Além de obras de Baden Powell + Vinícius de Moraes, Moacir Santos, Hermeto Pascoal, Jacó do Bandolim e Dominguinhos, entre outros, a percussionista apresentou músicas autorais que também prezam pela fluidez de gêneros musicais.

Um dos momentos de maior destaque foi a performance de “Nós”, a única música cantada do set. A música original de Tião Carvalho foi regravada por Cássia Eller, com quem Lan Lanh tocava. Sentada ao cajon, a musicista relembrou que o instrumento peruano foi o elo de conexão com a saudosa cantora, pois ambas eram apaixonadas pela música flamenca quando se conheceram.

Outro número a ser ressaltado esteve entre as autorais: “Terra Batida”, uma das duas que contaram com participação da também percussionista Silvanny Sivuca (da banda do programa “Caldeirão com Mion”). O solo de berimbau introdutório feito pela protagonista, que rodou por tantos instrumentos sem perder qualidade ou fôlego, serviu como mais uma demonstração de sua incrível musicalidade.

Setlist – Lan Lanh:

Canto de Xangô (Baden Powell / Vinícius de Moraes)
Coisa Nº 4 (Moacir Santos)

Medley Baiões:
Um Bilhete pra Didi (Jorginho Gomes)
O fole roncou (Luiz Gonzaga / Nelson Valença)
Eu só quero um xodó (Dominguinhos / Anastácia)
Asa branca (Luiz Gonzaga / Humberto Teixeira)
Peter Gunn (Henri Mancini)
O ovo (Hermeto Pascoal)

Semba do Moinho (Lan Lanh/ Toni Costa)
Nós (Tião Carvalho)
Santa Morena (Jacob do Bandolim)

Terra Batida (Lan Lanh/ Deeplick/ Lucas Brito)

Bananeira Song (Lan Lanh/ Deeplick/ Alexandre Lima)

Jú Aganju (Lan Lanh)

A apresentação a seguir também teve a versatilidade enquanto premissa. Yohan Kisser (piano, guitarra, violão), Thiago Brisolla (violino, banjo) Salomão Sidharta (clarone, clarinete), William Paiva (bateria, percussão) e Guto Passos (baixo, sintetizadores) capricharam no uso de vários instrumentos – basicamente todo mundo tocou mais de um – e na busca por representar diferentes estilos musicais, indo do erudito ao popular, do rock progressivo à guitarra baiana e por aí vai.

Ainda que tenha sido avisado do que encontraria por intermédio da resenha de João Renato Alves sobre a edição gaúcha do festival, confesso que me surpreendi com o show de Yohan. Conhecia seu trabalho a partir do Kisser Clan e Sioux 66, duas bandas de rock, mas seu projeto solo vai muito além ao transbordar musicalidade sem amarras. Não à toa, ele empunha a guitarra durante apenas uma parte – talvez um terço – do show. Antes de chegar ao instrumento que fez seu pai famoso, Yohan passou pelo piano elétrico e pelo violão de náilon, com maestria em ambos.

Mas não dá para negar que a reação do público foi bem mais enérgica às músicas que tinham guitarra. Afinal de contas, muitos que estavam ali eram fãs de Joe Perry. Portanto, natural que músicas como “YYZ” (Rush) e “Third Stone from the Sun” (Jimi Hendrix), a segunda com excelentes solos do protagonista, tenham arrancado mais gritos e palmas dos presentes.

Ainda assim, há de se exaltar a presença de obras brasileiras como “Armina”, do Som Imaginário; “Bebe”, de Hermeto Pascoal; e “Guitarra Baiana”, de Moraes Moreira – esta última com uma dinâmica impressionante entre guitarra e violino. Tocadas ao lado de composições de nomes internacionais, evidenciam o quanto a música brasileira é rica. As autorais “Extra Hit of Hash” e “Einsamkeit”, a segunda com videoclipe a ser lançado dia 29, também merecem destaque por acompanharem o bom gosto do restante do repertório.

Setlist – Yohan Kisser:

  1. Also Sprach Zarathustra (Prologo) – R. Strauss
  2. Armina – Som Imaginário (Wagner Tiso)
  3. Peaches en Regalia – Frank Zappa
  4. Extra Hit of Hash (autoral)
  5. Is There Anybody Out There? – Pink Floyd
  6. Bebe – Hermeto Pascoal
  7. Guitarra Baiana – Moraes Moreira
  8. YYZ – Rush
  9. Einsamkeit (autoral)
  10. Third Stone from the Sun – Jimi Hendrix
  11. Firebird (Finale) – Igor Stravinsky
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Joe Perry, Gary Cherone e companhia

Pontualmente às 20h45, o mestre de cerimônias Zeca Camargo anunciou a chegada de Joe Perry, Gary Cherone, Chris Wyse, Buck Johnson e Jason Sutter – este último, substituto de Joe Pet, que não pôde vir para os shows no Brasil. Mas o quinteto não subiu imediatamente ao palco. Antes, rolou a introdução climática ao som de “Rumble in the Jungle” tocando nas P.A.’s para dar algum suspense.

Mas só houve suspense no começo. De resto, muito rock and roll tingido de blues para esquentar a gelada noite paulistana. Poder assistir a um show do The Joe Perry Project, que se difere muito da banda principal do protagonista devido à sua orientação mais intimista e abertura a improvisações, foi uma experiência para nenhum fã de Aerosmith botar defeito.

Em cerca de duas horas de show, o quinteto desfilou um repertório certeiro. Além de algumas peças instrumentais ­– introduzidas a pedido da organização do evento segundo Perry –, foi apresentada uma mescla entre as músicas mais roqueiras do Aerosmith (em maioria dos álbuns da década de 1970) e petardos dos trabalhos solo do guitarrista. Covers de Fleetwood Mac, John Mayall and the Bluesbrakers, Led Zeppelin e Tiny Bradshaw completaram a listagem.

Fora as músicas do Aerosmith, com direito a uma impactante trinca de abertura (observando que a faixa de abertura é original do The Joe Perry Project e foi regravada por Steven Tyler e os demais), há de se destacar boas faixas oriundas da carreira solo do guitarrista. A recente “Quake”, com grande interação da plateia; a southern “Fortunate One”, que tem a voz de Chris Robinson (Black Crowes) na gravação em estúdio; e a funky “Rockin’ Train”, lá do primeiro álbum do Project, deixaram a noite ainda mais especial.

Mas um bom repertório não é nada sem uma banda afiada. Mesmo tendo pouco tempo para ensaio, o quinteto se saiu muito bem. Perry, dono de talento amplamente conhecido, dispensa comentários. O guitarrista estava tão à vontade que também fez algo raro: conversou bastante com o público. Ciente de que era uma oportunidade única, caprichou nas timbragens e na troca de guitarras ao aparecer com vários modelos diferentes.

Gary Cherone, para muitos, poderia ser uma dúvida. O vocalista que se destacou no Extreme não teve uma experiência tão boa trabalhando com outros ícones do hard rock, o Van Halen, na década de 1990. Logo nos primeiros segundos, qualquer receio foi embora: o também nascido no estado de Massachussets, como Joe, cantou muito bem sem tentar emular o gigante Steven Tyler. Pura personalidade, tanto na performance musical quanto em presença, rodando todo o palco diversas vezes sem dar qualquer demonstração de cansaço.

Os outros três ofereceram a solidez necessária para que a dupla principal brilhasse. Mereciam até mesmo mais tempo de holofotes, visto que em boa parte do show as luzes deles ficaram apagadas. Chris Wyse, além de gigante no baixo, assumiu um contrabaixo acústico em parte do set instrumental. Jason Sutter, reforço de última hora, estava afiado: não errou uma batida e parecia fazer parte da banda de Joe Perry há anos. Buck Johnson é a “cola” que une geral, não só pelos teclados, como também pelos backing vocals precisos.

Que noites únicas como esta continuem a ser oferecidas pelo Samsung Best of Blues and Rock, evento de premissa diferenciada e sempre caprichoso com seus line-ups nada óbvios.

Setlist – The Joe Perry Project:

  1. Let the Music Do the Talking
  2. Toys in the Attic (Aerosmith)
  3. Walkin’ the Dog (cover de Rufus Thomas)
  4. Steppin’ Out (cover de John Mayall and the Bluesbreakers, instrumental)
  5. Stop Messin’ Around (cover de Fleetwood Mac, Joe Perry no vocal)
  6. My Fist Your Face (Aerosmith)
  7. Quake
  8. Chip Away the Stone (cover de Richard Supa)
  9. Heartbreaker (cover de Led Zeppelin, apenas a parte instrumental)
  10. Boogie Man (Aerosmith, instrumental)
  11. Joe’s Boogie (instrumental)
  12. Spanish Sushi (instrumental)
  13. Walk this Way (Aerosmith, instrumental)
  14. Whole Lotta Love (cover de Led Zeppelin, apenas a parte final)
  15. Fortunate One
  16. Same Old Song and Dance (Aerosmith)
  17. Rockin’ Train
  18. Sweet Emotion (Aerosmith)
    Bis:
  19. The Train Kept A-Rollin’ (cover de Tiny Bradshaw)

*Fotos de Jeff Marques / @mulekedoidomemo

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Igor Miranda
Igor Miranda
Igor Miranda é jornalista formado pela Universidade Federal de Uberlândia (UFU), com pós-graduação em Jornalismo Digital. Escreve sobre música desde 2007. Além de editar este site, é colaborador da Rolling Stone Brasil. Trabalhou para veículos como Whiplash.Net, portal Cifras, revista Guitarload, jornal Correio de Uberlândia, entre outros. Instagram, Twitter e Facebook: @igormirandasite.

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