Qual a receita para se criar um grande álbum de rock? No caso de “Dopamine”, 14º trabalho de estúdio do Thunder, “tédio” está entre os ingredientes. Em entrevista exclusiva a IgorMiranda.com.br, o guitarrista e principal compositor da banda, Luke Morley – que também assina a produção do disco –, admitiu que o material presente no novo trabalho poderia não ter nascido sem o lockdown causado pela pandemia.
“‘All the Right Noises’ (álbum anterior a ‘Dopamine’, lançado em março de 2021) foi adiado por 6 meses por causa da pandemia. Depois que foi lançado, não pudemos fazer uma turnê para promovê-lo. Então, decidi que continuaria compondo durante o lockdown. Eu realmente não tinha muito mais o que fazer, então se tornaram alguns meses muito produtivos.”
Sem shows na agenda, Morley, Danny Bowes (voz), Bem Matthews (guitarra e teclados), Chris Childs (baixo) e Gary “Harry” James (bateria) puderam caprichar ainda mais. O resultado não poderia ser mais satisfatório: “Dopamine” é um dos melhores álbuns da longa discografia do grupo, fundado em Londres, Inglaterra, em 1989 e ainda na ativa mesmo após dois hiatos entre 2000 e 2002 e 2009 e 2011.
Além de “tédio”, dá para incluir “tempo” como outro ingrediente. E em mais de um sentido. Fora o já mencionado fato de os músicos terem mais tempo para compor e gravar, o novo álbum tem 70 minutos de duração, distribuídos em 16 faixas, e é o primeiro trabalho de estúdio em formato duplo da carreira dos caras.
A possibilidade de oferecer mais músicas em um mesmo pacote certamente interferiu positivamente no material, que é mais versátil que o habitual do grupo. Luke Morley concorda:
“‘Dopamine’ é definitivamente um álbum mais eclético do que ‘All the Right Noises’. Acho que o fato de ser um álbum duplo nos deu mais tempo para explorar algumas áreas musicais diferentes. Também usamos alguns instrumentos diferentes que talvez as pessoas não associassem a nós, como sax, violino e acordeão. Tudo isso contribuiu para um álbum com uma sonoridade diferente.”
Curiosamente, não era a intenção inicial gravar um disco duplo.
“Fizemos duas visitas ao estúdio para gravar ‘Dopamine’ e acho que foi na segunda sessão que percebemos que tínhamos muito material forte. Nesse ponto, discutimos a possibilidade de o álbum ser duplo, mas não tomamos a decisão final até que a gravação estivesse terminada. A ideia nos atraiu porque todos nós crescemos em uma época em que alguns dos melhores álbuns lançados eram duplos (‘Physical Graffitti’, do Led Zeppelin; ‘Quadrophenia’, do The Who; ‘White Album’, dos Beatles etc) e sentíamos que tínhamos músicas boas o suficiente para justificar a decisão.”
Viciados em dopamina
Como “Dopamine” certamente não seria feito – ao menos não desta forma – sem o lockdown causado pela pandemia, a temática geral do álbum foi impactada por algo que se tornou ainda mais usado pela sociedade durante o período trancado em casa: os telefones celulares.
Ainda em material de divulgação, enviado antes da entrevista, Luke Morley contou como a busca por aprovação através das mídias sociais, intensificada durante os bloqueios pandêmicos, o inspiraram a criar as novas músicas.
“Li um artigo fascinante de um psicólogo americano que disse que as redes sociais nos forçam a nos tornarmos viciados em dopamina. Somos validados e apreciados. Assim, ficamos obcecados por elas. Tiramos cada vez mais selfies na esperança de mais e mais validação. A capa do álbum reflete isso. As pessoas estão cercadas por coisas incríveis que estão perdendo por estarem focadas demais em si.”
Após destacar que as artes dos discos do Thunder são sempre ótimas, pude perguntar ao guitarrista como surgiu a ideia especificamente para a capa do novo trabalho. Ele responde:
“Assim que concordamos com o título do álbum, comecei a pensar em como poderíamos visualizar ‘Dopamine’ e a ideia das duas garotas no banheiro veio de uma conta no Instagram que pertencia a uma mulher chamada Sophie, que é uma grande amiga da minha esposa. Ela tinha um milhão de selfies dela e de seus amigos tiradas em todos os tipos de lugares e a pose era sempre a mesma. Contei à minha esposa sobre a ideia e ela sugeriu pedir a Sophie para estar na foto. Ela concordou em participar e é a garota com o cabelo longo à direita!”
Os celulares mudaram nossas vidas em muitos sentidos. Até os shows deixaram de ser os mesmos – hoje em dia é impossível um músico tocar ao vivo sem ter smartphones o filmando. Morley não se incomoda com isso quando está no palco, mas afirma:
“Acho estranho que as pessoas paguem para ir a um show e depois o assistam pelo celular! Acho que deve ser muito irritante para as pessoas que estão atrás deles. Certa vez, em um show, pedimos aos nossos fãs que não filmassem nenhuma parte disso, pois iríamos tocar material novo que não havia sido lançado. Todos respeitaram nosso pedido. Para ser honesto, quando estamos no palco, não percebemos quantas pessoas estão filmando, pois estamos todos concentrados no que estamos fazendo. Só acho que é mais irritante para as outras pessoas da plateia do que para nós.”
Desafios para o Thunder
“Dopamine” foi concebido em um período desafiador para o mundo todo, em virtude da pandemia. Isso fez com que o Thunder adotasse protocolos para gravar o material – visto que eles não dispensam a presença de todos em estúdio quando trabalham em um álbum. Luke Morley comenta:
“Algumas das gravações foram feitas no meu estúdio caseiro, mas conseguimos nos reunir no Rockfield Studios e no Vada Studios para fazer a maior parte. Tentamos seguir os protocolos habituais do Covid e nos testamos, mas como ambos os estúdios estão no interior da Grã-Bretanha, a quilômetros de qualquer lugar, formamos nossa própria bolha e não entramos em contato com mais ninguém.”
Ainda na ideia de “desafios”, mas na parte musical, perguntei ao guitarrista se alguma música foi mais complicada de se gravar devido à proposta mais eclética do disco. Ele responde:
“Todas elas são desafiadores até certo ponto! Acho que provavelmente ‘Unraveling’ foi provavelmente a mais difícil de acertar porque todos nós tivemos que tocar delicadamente e Danny teve que cantar bem gentilmente – não são coisas que normalmente fazemos!”
Please come to Brazil (again)
A única passagem do Thunder pelo Brasil ocorreu em 1992, durante a turnê de seu segundo disco, “Laughing on Judgement Day”. A banda veio como atração de abertura do também britânico Iron Maiden, que promovia o álbum “Fear of the Dark”. Rolaram três shows, no Rio de Janeiro (Maracanãzinho, em 31 de julho), São Paulo (Palestra Itália, 1º de agosto) e Porto Alegre (Gigantinho, 4 de agosto).
Uma pena que Luke Morley e seus parceiros nunca mais tenham retornado, mas as lembranças do guitarrista são ótimas.
“Nós nos divertimos muito com o Iron Maiden em 1992 e foi incrível ver o Brasil! O público do Maiden pode ter sido um pouco metal demais para nós, mas acho que a maioria deles gostaram mais do Thunder. E nós certamente gostamos do público!”
E quando alguém faz a clássica pergunta “please come to Brazil” ao músico, qual a resposta?
“Para ser honesto, não tenho 100% de certeza por que nunca voltamos. É muito frustrante, embora eu ache que com ‘Dopamine’ fizemos muito mais divulgação no Brasil do que o normal, então espero que possamos voltar em algum momento. A banda adoraria estar aí, então espero que entrevistas como essa aumentem a conscientização e um promotor brasileiro nos faça uma oferta!”
Lá fora, o quinteto já retornou à estrada. Uma turnê pelo Reino Unido foi concluída recentemente e agora os caras estão rodando o circuito de festivais da Europa. Do novo trabalho, músicas como “The Western Sky”, “Dancing in the Sunshine”, “Across the Nation” e “Black” têm aparecido com frequência nos repertórios, dividindo espaço com as clássicas “Dirty Love”, “Backstreet Symphony”, “Love Walked In” e “Low Life in High Places”.
Dando risada no dia do julgamento
Como 1992 esteve presente na pauta, não deu para deixar de perguntar a Luke Morley sobre “Laughing on Judgement Day”. O anteriormente mencionado segundo álbum do Thunder, um dos favoritos do jornalista que assina este texto, completa 30 anos de lançamento no próximo dia 24 de agosto.
Ao lado da estreia “Backstreet Symphony” (1990), representa o momento de maior sucesso do grupo, que ainda tinha seu baixista original Mark “Snake” Luckhurst. Chegou ao segundo lugar das paradas britânicas – o topo havia sido ocupado pela primeira coletânea de Kylie Minogue, “Greatest Hits” –, conquistou disco de ouro por lá devido às 100 mil cópias vendidas e teve “Low Life in High Places” e “A Better Man” como singles principais. Sua turnê rendeu, além dos shows com o Iron Maiden no Brasil, várias datas abrindo para o Extreme e giros como atração principal no Reino Unido, Japão, Canadá e Europa.
As lembranças de Morley com relação ao disco estão mais ligadas ao processo de gravação – que costumava demorar mais do que hoje em dia.
“Faz tanto tempo. Eu me lembro que levamos muito mais tempo para fazer esse álbum do que levamos hoje em dia! Acho que ainda estávamos tentando definir qual era o som do Thunder naquela época, embora eu me lembre de pensar que ‘Low Life in High Places’ e ‘A Better Man’ eram músicas importantes e ainda as tocamos agora, então acho que estava certo!”
Thunder e “Dopamine”
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