Épico de Robert Eggers, “O Homem do Norte” merece ser visto direto no cinema

Com estreia marcada para esta quinta-feira (12), novo filme de diretor em ascensão traz releitura brutal da lenda de Amleth

Quase todo mundo já deve ter ouvido falar na clássica peça de William Shakespeare, “Hamlet”. Até mesmo as crianças falam sobre essa obra, mas através de “O Rei Leão”, longa claramente influenciado pela tragédia de séculos atrás.

O que poucos sabem é que se acredita que Shakespeare tenha se inspirado na lenda escandinava do príncipe Amleth para fazer “Hamlet”. E é justamente de Amleth que o diretor Robert Eggers decide iniciar sua jornada épica viking em “O Homem do Norte”.

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Os méritos da direção

O novo filme, que chega aos cinemas brasileiros nesta quinta-feira (12) sob distribuição da Universal Pictures, beira o impecável. O grande destaque é o próprio trabalho de Eggers enquanto diretor. Além de seu compromisso histórico (com auxílio e consultoria do famoso arqueólogo Neil Price), as interpretações extraídas de seus atores é, embora haja ressalvas, de se encher os olhos; por sua vez, o ritmo da trama é tão brutal quanto suas cenas – e, sim, não se poupa sangue e carnificina neste épico.

Outro ponto de destaque é o aspecto visual. A fotografia, por exemplo, é bastante representativa do estilo do cineasta. Mantendo os estilos de “A Bruxa” e “O Farol”, o longa explora bem paletas de cores escuras para ajudar a construir o terror.

Os ângulos perturbadores de câmera também são característicos. Às vezes os atores ficam parados olhando para a lente, deixando transparecer tantas sensações, enquanto o diretor calcula o tempo perfeito para duração de tais passagens, construindo um implacável sentimento de perturbação ­– a exemplo da cena inicial de “O Farol”. Edição e mixagem de som, claro, também colaboram para esse resultado final, também obtido em “O Homem do Norte”.

Um real live-action de “O Rei Leão”?

É visível que a tragédia de Hamlet e o próprio “O Rei Leão” representaram bases bem sólidas para que o filme fosse trabalhado. Porém, ao trazer essas lendas para o seu universo de origem – no caso, uma lenda de um príncipe viking –, o resultado se torna ainda mais impactante.

E tudo isso em cima de uma história simples, contada em capítulos. Um jovem príncipe vê seu pai sendo assassinado pelo tio, foge para salvar sua vida e decide voltar anos depois para se vingar e retomar o trono. Um argumento básico e nada inédito, mas contado do ponto de vista histórico dos vikings, onde todas as mitologias que os cercavam são devidamente trabalhadas – inclusive com forte presença das questões de misticismo que também eram muito vivas neste período.

Brinco que finalmente temos um real live-action de “O Rei Leão”. É inegável, inclusive, as referências feitas à produção da Disney em algumas cenas e certos personagens. Porém, trata-se de um “O Rei Leão” brutal e violento. Fora o apelo sexual característico daqueles tempos, há uma perturbação latente incomodando durante os 137 minutos de obra – a classificação indicativa para maiores de 18 anos não é à toa.

O elenco de “O Homem do Norte”

O elenco comprou a ideia de Robert Eggers para “O Homem do Norte”, o que ajudou bastante no resultado final. Embora pequenas ressalvas devam ser feitas, o trabalho geral dos atores é interessante.

Ainda que coadjuvantes, Ethan Hawke (rei Horvendill) e Claes Bang (Fjölnir) são os grandes destaques. Willem Dafoe (Heimir, o Tolo) aparece em apenas uma cena, mas é o suficiente para dar seu show de sempre. Nicole Kidman (rainha Gudrun) e Björk (Bruxa Eslava) ajudam muito a contar a história e não comprometem – Kidman, inclusive, entrega uma grande e perturbadora performance em uma cena de reencontro.

As ressalvas são feitas a dois dos principais nomes do elenco. Anya Taylor-Joy (Olga) enche a tela como habitual, mas ainda sinto que ela entra em piloto automático em determinadas situações. Também não houve química entre ela e Alexander Skarsgard (Amleth).

Aliás, a performance do protagonista deve ser debatida. Fui ao cinema sem saber se veria um trabalho questionável como o feito em “A Lenda de Tarzan” ou um resultado acima da média como Perry Wright, o agressor de esposas de “Big Little Lies”. O resultado foi um misto de ambos: Skarsgard oferece uma performance corporal magnífica, transmitindo toda a brutalidade necessária. Mas só no físico. Ao falar, o personagem compromete até mesmo os méritos de sua interpretação corporal.

Foto: Aidan Monaghan

Apesar das concessões

“O Homem do Norte” é o primeiro filme de Robert Eggers com orçamento grande: US$ 90 milhões. E quando se tem um investimento desse tamanho, é normal que o diretor precise inserir “sugestões” de quem assina o cheque. Isso fica claro aqui.

Os ajustes realizados não comprometem a identidade de Eggers enquanto cineasta, especialmente seu talento para transmitir perturbação. Seus filmes têm essa proposta. Ao “vender” um épico viking como longa de ação, é como um autoboicote: a verdade daquela história é retirada.

Foto: Aidan Monaghan

Talvez seja essa a grande fragilidade de “O Homem do Norte” em um contexto geral. Sabe-se que filmes com temática épica são complicados de serem promovidas, portanto, a jogada de marketing em classifica-lo como uma obra de ação pode parecer esperta para pagar as contas, mas certamente tira a força de uma produção que pode bater no Oscar 2023.

É importante deixar claro: “O Homem do Norte” não é um filme de ação. Não há grandes batalhas com exércitos, explosões ou efeitos gigantescos ou cenários monumentais. A premissa é simples, apenas envolvendo homens violentos, sem lutas sobre-humanas – ainda que haja muita brutalidade e nenhuma gota de sangue tenha sido economizada.

Sendo absorvido como um épico perturbador – dá até para chamar de terror psicológico –, estaremos diante de um filme-arte. Merece ser visto na melhor sala de cinema possível, com tela enorme, som cristalino e poltrona no meio da sala para obter a experiência completa. Por mais que executivos possam estragar alguns pontos específicos, esta obra é legitimamente cinematográfica.

“O Homem do Norte” estará em cartaz nos cinemas brasileiros a partir de quinta-feira, 12 de maio de 2022.

* Texto de Raphael Christensen editado por Igor Miranda.

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Ator, Diretor, Editor e Roteirista Formado após passagem pelo Teatro Escola Macunaíma e Escola de Atores Wolf Maya em SP. Formado em especialização de Teatro Russo com foco no autor Anton Tchekhov pelo Núcleo Experimental em SP. Há 10 anos na profissão, principalmente no teatro e internet com projetos próprios.

1 COMENTÁRIO

  1. Eu recomendo demais o livro Amleth, que tem a história original do século 12 em que o filme foi inspirado. Saiu uma versão brasileira há pouco tempo. Vale muito a pena.

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