Filmes inspirados em histórias reais, principalmente as mais polêmicas, são grandes candidatos a sucessos de bilheteria. Atraem tanto fãs que conhecem bem a história que ganha novas nuances nas telonas quanto outros que só “ouviram falar” e acham mais prático assistir ao longa do que pesquisar para se inteirar do assunto. “Eu, Tonya” (“I, Tonya”) é uma dessas obras.
Lançado em 2017, rendeu o Oscar de Melhor Atriz Coadjuvante para Allisson Janey em 2018, além de mais de 40 outros prêmios. Também foi um sucesso de bilheteria: arrecadou US$ 53,9 milhões, um bom valor a considerar seu orçamento relativamente modesto de US$ 11 milhões.
Mas o que é real na cinebiografia da ex-patinadora no gelo Tonya Harding? E o que foi inserido na trama dentro da liberdade artística? A obra traz diferentes versões para alguns eventos específicos, mas busca se ater ao que realmente ocorreu.
Sobre “Eu, Tonya”
Com direção de Craig Gillespie e roteiro de Steven Rogers, “Eu, Tonya” conta a história de Tonya Harding (Margot Robbie), uma estrela americana da patinação no gelo que emergiu na década de 1990. Ela superou várias adversidades na carreira, mas o que se destaca na biografia dela não é bem o talento e, sim, um caso de agressão.
Em 1994, durante os Jogos Olímpicos de Inverno, mais precisamente em 6 de janeiro, as TVs mostraram o desespero de outra patinadora americana Nancy Kerrigan (Caitlin Carver) chorando de dor e gritando “por quê?” diversas vezes. Ela havia sido cruelmente atacada com um bastão de metal. Com as pernas lesionadas, estava fora da disputa do ouro.
Tonya tinha Nancy como sua grande rival. O marido dela, Jeff Gilloly (Sebastian Stan), foi acusado de quebrar as pernas da competidora junto de dois outros homens.
Em alguns pontos do filme, cabe ao espectador escolher o seu lado da história. Na época do lançamento, o diretor disse ao LA Times:
“As histórias deles eram tão diferentes que eles não se lembravam de nada igual”.
Por isso, logo na introdução, há um quadro informando que a obra é baseada em “entrevistas livres de ironia, totalmente contraditórias e totalmente verdadeiras feitas com Tonya Harding e Jeff Gillooly”, atualmente separados.
Abuso da mãe
Tonya Harding foi mesmo abusada mental e fisicamente pela mãe, LaVona Golden (Allison Janney). A situação se iniciou quanto a ex-patinadora tinha entre 6 e 7 anos.
Ao Oprah.com, LaVona assumiu ter batido na filha apenas uma vez. Na ocasião, ela estava tentando fazer o cabelo de Tonya e a menina não ficava parada.
A mãe enfatizou ainda o fato de precisar de três empregos para pagar os treinamentos da filha. Elas não se falam desde 2002.
Eixo triplo de Tonya Harding
Tonya Harding fez história ao se tornou a primeira mulher americana a completar um eixo triplo – movimento em que o patinador dá três voltas e meia antes de aterrissar – em um evento internacional, no Mundial de Munique, na Alemanha, um mês depois de executar o movimento perfeitamente pela primeira vez, em 16 de fevereiro de 1991.
E não parou por aí. No Skate America, realizado no mesmo ano, Tonya teve mais três estreias de eixo triplo, tornando-se a primeira mulher a completar um no programa curto, a primeira a executar dois em uma única competição e a primeira a executar um eixo triplo combinado com um laço de dedo duplo.
Durona e cafona
No filme há cenas em que os juízes dão notas baixas a Tonya por causa da postura mais dura e rude, que contrastava com a graciosidade da patinação artística no gelo, até então mais parecida com balé.
Tonya, de fato, imprimiu um estilo mais atlético e poderoso. Além disso, sem dinheiro para investir em um figurino, ela mesmo costurava suas roupas.
E a boca suja?
Em entrevista ao programa de TV de Jimmy Kimmel, Margot Robbie comentou que a cena onde Tonya Harding diz “chupe meu p#u” a um juiz não ocorreu na realidade.
“Na verdade, essa foi uma das poucas coisas que Tonya realmente não disse, mas quando ela viu o filme, ela ficou tipo: ‘Amei essa fala! Gostaria de ter realmente dito isso’.”
O resto da cena é verdade. Um juiz criticou a roupa rosa brilhante que ela mesma fez para competir.
Rivais antes do ataque
A rivalidade entre Tonya Harding e Nancy Kerrigan, de fato, existia antes do ataque. As duas queriam o primeiro lugar entre as patinadoras artísticas nos Estados Unidos.
O inovador eixo triplo de Tonya no Campeonato de Patinação Artística dos EUA em 1991 a ajudou a conquistar o primeiro lugar. Nancy recebeu o bronze.
Eles se enfrentaram novamente nas Olimpíadas de 1992 em Albertville, França, com Tonya ficando em quarto lugar e Nancy em terceiro.
Apesar de ser considerada um pouco melhor, Tonya tinha menos patrocinadores que Nancy.
O ataque a Nancy Kerrigan
O ataque a Nancy Kerrigan é real e aconteceu em 6 de janeiro de 1994 na Cobo Arena em Detroit, Michigan. Na ocasião, ela havia acabado de terminar uma sessão de treinos para o Campeonato de Patinação Artística dos Estados Unidos.
O ex-marido de Tonya e seu guarda-costas, Shawn Eckhardt (Paul Walter Hauser), pagaram ao agressor Shane Stant (Ricky Russert) para bater em Nancy. Os momentos antes e depois do ataque foram gravados.
Shane Stant realmente trombou com e quebrou uma porta de vidro ao fugir do local do crime. Ele, Jeff Gillooly, Shawn Eckhardt e o motorista de fuga Derrick Smith (Anthony Reynolds) todos foram presos pelo ataque. Gillooly, inclusive, tentou incriminar Tonya Harding.
De acordo com a United States Figure Skating Association (USFSA), a ex-atleta sabia que o crime estava sendo planejado. Ela, por sua vez, nega, mas foi banida da associação e de seus eventos. Judicialmente, foi condenada a pagar US$ 160 mil de indenização, além de prestar 500 horas de serviço comunitário e ficar três anos em condicional. Tonya acabou se aventurando no boxe tempos depois.
A lesão de Nancy não ajudou Tonya nos Jogos Olímpicos de Inverno de 1994 em Lillehammer, mas a ajudou a ganhar nacionais e garantir um lugar na equipe olímpica. Tonya Harding e Nancy Kerrigan foram selecionadas para a equipe olímpica de 1994, mas até então a perna de Kerrigan havia se recuperado totalmente do ataque, como retratado no filme.
As duas mães
Como os roteiristas não conseguiram conversar com LaVona Golden, boa parte da personagem de Allison Janney é ficcional. A atriz tinha apenas uma gravação em fita para se inspirar – e essa filmagem foi retratada em “Eu, Tonya”, quando a mãe da ex-atleta aparece com um pássaro no ombro.
Em entrevista ao Deadline, após a exibição do filme em Toronto, Janney declarou:
“Nós não sabíamos na época se ela estava viva ou morta, então foi basicamente a experiência de Tonya com sua mãe e licença artística”.
Pode ser que os realizadores de “Eu, Tonya” não tenham se esforçado muito para encontrar LaVona Golden, porque a Inside Edition conseguiu localizá-la para uma entrevista sobre Tonya e o filme, que foi gravada pouco antes do lançamento.
Enquanto olhava para uma captura de tela de Allison Janney retratando-a no filme, a mãe de Harding disse.
“Sou eu?! Ela nem se parece comigo.”
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