Único álbum do Black Sabbath com Ian Gillan nos vocais, “Born Again” (1983) é um dos trabalhos que mais divide os fãs da banda.
Parte ama, especialmente no Brasil, onde o disco teve uma onda de popularidade aliada à gradual abertura do país nos últimos anos da ditadura militar e as primeiras experiências com shows internacionais de rock pesado, que impulsionaram o mercado de discos. Mas também há aqueles que detestam, tanto por conta da produção – que os próprios músicos reconhecem como abaixo da crítica – quanto pelo fato de que ver Gillan, o vocalista mais marcante da história do Deep Purple, ao lado de Tony Iommi e Geezer Butler não parecia algo além de uma grande piada.
E estes não estão de todo errado, já que até mesmo o trio citado se refere àquela época como um período de muita diversão. Não à toa, tudo começou em um porre de bar e se estendeu por uma festa de um ano que, por acaso, teve um disco e uma turnê pelo caminho.
As consequências da bebedeira
O grande problema é que, por conta do compromisso assumido enquanto alcoolizado, Ian Gillan acabou criando confusões. Primeiro, com os músicos da banda que levava seu sobrenome, já que havia anunciado a dissolução do conjunto alegando ter que se submeter a uma cirurgia nas cordas vocais. Eis que, do nada, lá estava ele soltando os berros no Black Sabbath, o que não deixou os antigos colegas nada felizes.
Em segundo lugar, os empresários do Deep Purple não gostaram nada da história. Afinal de contas, a reunião do Mark II, que se concretizaria em 1984 gerando o álbum “Perfect Strangers”, já vinha sendo discutida. Por muito pouco, o balde não foi chutado em definitivo, enterrando a reunião que se consagraria como a mais rentável dos anos seguintes.
Mas o vocalista tinha a desculpa pronta para suas ações intempestivas: ele simplesmente estava bêbado, como explicou à SiriusXM em 2018 (com transcrição do Blabbermouth).
“Saí com Tony e Geezer para beber. Acabamos embaixo de uma mesa. Nem lembro do que aconteceu. Só sei que no dia seguinte recebo uma ligação do meu manager. Ele perguntou: ‘você não acha que deveria me avisar quando tomar uma decisão dessas?’. Respondi questionando do que ele estava falando. Ele disse: ‘bem, acabo de receber um telefonema avisando que você se juntou ao Black Sabbath’.”
A versão é confirmada por Tony Iommi, em recente entrevista ao Eddie Trunk Podcast (em transcrição do Ultimate Guitar).
“Acredite ou não, ele tinha acabado de chegar de Kuala Lumpur. E nós o encontramos em Woodstock, Oxfordshire, em um pub – o que provavelmente não foi uma boa ideia. Ele chegou por volta das 11h. Geezer e eu estávamos lá. Provavelmente bebemos uma, depois outra, depois outra. O pub estava fechando e eles nos trancaram e nos deixaram lá. Ele nem se lembrava. No dia seguinte, o empresário falou: ‘Ian, se você for tomar alguma decisão importante, pode me avisar?’. Ian perguntou o motivo e ele: ‘como concordar em entrar no Black Sabbath’. Foi muito engraçado. Temos várias histórias com ele, nos divertimos muito naquela turnê.”
Black Sabbath + Ian Gillan = Jesus Christ Superstar?
Apesar de reconhecer que não se encaixou em uma banda com temática mais sombria, Gillan exaltou a qualidade de Iommi, além do desafio de fazer um álbum que o tirou da zona de conforto.
“Foi algo parecido com Jesus Christ Superstar ou quando cantei com Pavarotti no sentido de fugir do habitual. Mas Tony é um grande músico, foi fácil trabalhar com ele. Fizemos boas músicas, minha favorita é ‘Trashed’, que foi baseada em um acontecimento real.”
A futura remixagem de Born Again
Recentemente, Tony Iommi confirmou ter encontrado as masters originais de “Born Again”. O guitarrista revelou, também ao Eddie Trunk Podcast, que pretende remixar o disco e dar o tratamento sonoro apropriado, algo que Ian Gillan também já disse ter vontade de fazer.
“Ralph Baker, meu empresário, conseguiu achar o material através de alguns contatos. Estava num arquivo em algum lugar. A versão original soava muito bem, mas quando prensaram o disco, ficou muito abafada. Espero poder fazer algo para consertar.”
Ozzy aprova
“Born Again” chegou ao quarto lugar na parada inglesa à época do lançamento. Até Ozzy aprovou, como disse à revista norte-americana Circus, em 1984.
“’Born Again’ é o que de melhor ouvi do Sabbath desde o fim da formação original.”
Apesar de aprovar a música, o Madman teve problemas com a capa após seu sogro, desafeto da esposa e empresário do Black Sabbath, Don Arden, dizer que ela lembrava seus netos. Curiosamente, nenhum dos músicos realmente aprovou a arte, com Ian Gillan chegando a dizer que vomitou quando a viu pela primeira vez.
Problemas em turnê
A turnê de “Born Again” contou com uma substituição em cima da hora. Assim como na formação anterior, o baterista Bill Ward não suportou a pressão e bateu em retirada.
Em seu lugar entrou Bev Bevan, amigo pessoal de Tony Iommi e reconhecido por seu trabalho com a Electric Light Orchestra. Então em ascensão com o álbum “Metal Health”, o Quiet Riot abriu a parte americana da excursão.
Apenas um show foi feito no Reino Unido, com a banda sendo headliner do Reading Festival. Após anos pirateado, o registro do concerto ganhou versão oficial em reedições de Born Again. Como curiosidade, para compensar o fato de Ian Gillan estar cantando tantas músicas de seu passado, o Black Sabbath passou a tocar “Smoke On The Water” na parte final das apresentações, antes de fechar com “Paranoid”.