O Running Wild é uma potência do heavy metal alemão que nem sempre recebe o devido reconhecimento. Comandada com mãos de ferro pelo vocalista e guitarrista Rolf Kasparek, a banda demonstrou um certo cansaço artístico com a entrada do século, encerrando as atividades em 2009. O retorno foi sacramentado em 2011 e chega a seu auge em “Blood on Blood”, seu melhor álbum desde então.
Em seus discos mais recentes, Kasparek tentou direcionar o power metal potente de sempre a um hard rock com pegada bem oitentista. Isso foi ficando evidente a cada álbum a partir do equivocado “Rogues en Vogue” (2005). Por outro lado, desde “Shadowmaker” (2012), o Running Wild tenta buscar um equilíbrio sonoro – que, agora, está mais próximo do que nunca.
A estabilidade ajuda muito, é claro: é a primeira vez desde os álbuns “Black Hand Inn” (1994), “Masquerade” (1995) e “The Rivalry” (1998) que o grupo repete uma formação. Em “Blood on Blood”, Rolf conta com o guitarrista Peter Jordan, seu fiel escudeiro desde 2009, além de Ole Hempelmann no baixo e Michael Wolpers na bateria.
Repetir formação é algo é raro na história do Running Wild. Basta lembrarmos que o já citado “Shadowmaker” e seu sucessor, “Resilient” (2013) – talvez o mais “hard rocker” desde a volta – foram gravados apenas por Kasparek e Jordan junto de músicos de estúdio que mantiveram anonimato.
Ouça “Blood on Blood” abaixo, via Spotify, ou clique para conferir em outras plataformas de streaming. Leia resenha na sequência.
Blood on Blood, faixa a faixa
Muitos fãs do Running Wild sentem falta de como a banda soava em alguns álbuns da década de 1990. São justamente esses que vão gostar mais de “Blood on Blood”.
A faixa-título abre o disco demonstrando isso muito bem, com um refrão forte, bem explorado ao final, e riffs tipicamente Running Wild, guiados por palhetadas rápidas.
“Wings of Fire” mantém o nível alto e exibe grande melhora em relação ao antecessor, “Rapid Foray”, de 2016: a banda soa mais orgânica, com um peso agradável nas guitarras e um som mais “redondo” no geral. O mérito também é da produção, mas a banda também teve alguns anos para ganhar entrosamento.
O lado hard rock surge pela primeira vez em “Say Your Prayers”, mas agrada. Mais cadenciada, a faixa é guiada por uma cozinha pulsante de Wolpers e Hempelmann, os “novatos” do grupo. Os solos também valem a menção. A faixa só é um pouco mais longa do que precisaria ser, mas é boa.
Chegamos então ao cartão de visitas “Diamonds & Pearls”, lançada como primeiro single. Não é sempre que esse tipo de faixa é a melhor do disco, mas é o que temos aqui: essa música traz muito da aura agressiva que a banda trazia nos anos 1990 e até os vocais de Rolf parecem rejuvenescidos. Promete render bons momentos ao vivo, com um refrão poderoso.
Após um começo praticamente sem erros, um primeiro tropeço surge em “Wild & Free”, um hard/heavy genérico de refrão repetitivo similar ao que saiu nos últimos três discos. Dispensável e com duração exagerada.
O nível sobe um pouco com a já conhecida “Crossing the Blades”, que já havia sido lançada no EP homônimo de 2019. Aqui, ela ganha uma introdução lenta e uma produção mais caprichada, adequada ao álbum, que tem no som um de seus elementos fortes até o momento – justamente um dos pontos mais fracos de “Rapid Foray”.
“One Night, One Day” é o mais próximo que o Running Wild já chegou de apresentar uma balada, algo que foi classificado pelo próprio Rolf Kasparek como um “experimento” no material de divulgação do álbum. A música cresce conforme o andamento e acaba em um refrão apoteótico, quase “gospel”. Não empolga tanto, mas a tentativa é bem-vinda.
“The Shellback” foi o segundo single e, mais uma vez, traz um dos melhores momentos do disco. Se havia uma suspeita de referência à década de 1990 até aqui, a introdução acústica, que cita explicitamente a melodia de “Black Hand Inn”, confirma. O disco de 1994, conceitual, ganha uma sequência na letra, que também fala do velho lobo do mar com poderes de vidência.
O hard rock volta ao jogo com “Wild, Wild Nights”, que parece corrigir as falhas de sua “irmã”, “Wild & Free”. O refrão é melhor e a duração é um pouco menor, o que ajuda bastante. De qualquer forma, o Running Wild segue a soar melhor quando não tenta ser tão “festivo”.
Fechando o disco, vem uma faixa do tipo que Rolf Kasparek se acostumou a fazer na maioria dos álbuns do Running Wild e que costuma funcionar muito bem: épicos mais longos. Para o orgulho de Steve Harris, do Iron Maiden, “The Iron Times (1618-1648)” é uma dessas músicas, com introdução densa, longas passagens instrumentais e mudanças de tempo. Funciona bem mais uma vez e ainda traz um dos melhores refrãos do trabalho.
Cruzando as lâminas
“Blood on Blood” é um bom álbum do Running Wild e vai aguardar a quem sentia falta de um disco com riffs e refrãos – músicas, no geral – mais fortes. Depois de experimentar demais com hard rock em alguns álbuns anteriores, Rolf Kasparek parece ter encontrado um equilíbrio, embora ainda falte um pouco de “polimento” nas composições com essa pegada.
Há muito tempo a banda deixou de ser de fato um grupo, para se tornar um projeto solo do frontman. Também fazia anos que ele não conseguia reunir um time de músicos que soasse como um conjunto.
Em “Rapid Foray” isso já era notado, mas a produção soa tão artificial que tira o brilho de muitos bons momentos. Já em “Blood on Blood”, o som joga a favor da banda.
Buscar a sonoridade da década de 1990 sem tentar emular a mesma “vibe” – o que é importante – foi um acerto. Rolf Kasparek continua sendo um vocalista que “cumpre tabela”, mas não para de evoluir como compositor, além de ser sólido nos riffs, algo cada vez mais raro e sempre admirado pelos fãs da “velha escola alemã” de heavy metal.
Se seguir acompanhado de bons músicos, Rock ‘n’ Rolf tem tudo para fazer de “Blood on Blood” o primeiro de uma sequência de bons trabalhos, dando ao Running Wild um reconhecimento merecido – mesmo que tardio.
Running Wild – “Blood on Blood”
- Blood On Blood (4:07)
- Wings Of Fire (3:57)
- Say Your Prayers (5:14)
- Diamonds & Pearls (4:44)
- Wild & Free (5:28)
- Crossing The Blades 6:00)
- One Night, One Day (4:59)
- The Shellback (6:11)
- Wild, Wild Nights (4:30)
- The Iron Times (1618 – 1648) (10:29)