Um álbum de capa nada agradável, gravado em apenas um dia por uma banda chamada Black Sabbath cujos integrantes eram sujeitos peculiares, como um guitarrista sem as pontas dos dedos da mão esquerda, um baterista de pouca instrução no instrumento, um baixista católico cujas letras retratavam o oculto e um vocalista que, de tão confuso, soa único. Daria para apostar que esse disco seria considerado, por tanta gente, como o responsável por dar rosto a um estilo musical como o heavy metal?
A história do Black Sabbath começa em Birmingham, na Inglaterra, no ano de 1968, quando integrantes de duas bandas se juntaram para um novo projeto. O guitarrista Tony Iommi e o baterista Bill Ward faziam parte do Mythology quando decidiram montar um grupo de “heavy blues rock”. Chamaram, então, o vocalista Ozzy Osbourne e o baixista Geezer Butler, que já haviam tocado juntos no Rare Breed, mas foram encontrados de formas diferentes – o cantor, por exemplo, chegou após um anúncio nos classificados locais.
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Porém, demorou um tempo até que o Black Sabbath nascesse de verdade. Primeiro, o quarteto formou a Polka Tulk Blues Band, mais focada no blues e com outros dois integrantes: Jimmy Phillips, amigo de infância de Ozzy, na slide guitar, e Alan Clarke no saxofone. Com o tempo, Tony Iommi desconfiou que os dois músicos em questão não estavam querendo se comprometer, então, decidiu acabar com a banda e formar outra, chamada Earth, só para não ter que dispensá-los.
Como Earth, o quarteto chegou a gravar algumas demos até que Tony Iommi decidiu sair da banda para entrar no Jethro Tull. Não durou muito, pois o guitarrista não queria trabalhar com um “chefe”: no caso, o vocalista Ian Anderson. Ele voltou para seu projeto de origem, que precisou mudar de nome após ser descoberto que já existia outro grupo britânico com aquele nome.
O nome Black Sabbath surgiu com inspiração no filme de mesmo título, lançado em 1963 e com direção de Mario Bava. O nome também foi usado para batizar a música “Black Sabbath”, que batizou, ainda, o primeiro álbum da banda, também chamado “Black Sabbath”. O quarteto parecia, mesmo, ter certeza dessa nomeação – embora a faixa em questão tenha sido inspirada, de fato, no trabalho do escritor Dennis Wheatley.
Antes do disco em si, o Black Sabbath lançou, como single, uma versão para a música “Evil Woman”, original do Crow. A faixa até está presente na tracklist do álbum, mas passa longe de ser um dos grandes destaques – a gravadora, Vertigo, fez o grupo gravar a canção porque já era hit nos Estados Unidos.
Diferenciais
O maior destaque do álbum de estreia do Black Sabbath é sua abertura: a já mencionada faixa que dá nome ao disco e à banda. Assustadora do início ao fim, a música é construída com base em um riff em trítono – intervalo entre alturas de duas notas que tenha três tons inteiros. O efeito causado é incrivelmente dissonante e, não à toa, fez com que a sequência fosse chamada de “intervalo do diabo”.
A guitarra pesada de Tony Iommi acompanhada pelo baixo de Geezer Butler, a interpretação de Ozzy Osbourne com a bateria de Bill Ward que parece seguir, de forma atormentada, cada palavra… a faixa “Black Sabbath” é a principal responsável por fazer este álbum ser creditado como o pioneiro do heavy metal – pelo menos, da forma que conhecemos o estilo, já que seu desenvolvimento vem da década de 1960, com bandas do porte de Cream, Jimi Hendrix Experience, The Who, Blue Cheer, Coven, Led Zeppelin e por aí vai.
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O que diferenciou o Black Sabbath, como um todo, foi a elaboração involuntária de toda uma cultura em torno do heavy metal. Um gênero musical à parte, que funciona de forma independente mesmo com suas raízes no rock, blues e até jazz, era concebido, aqui, de modo mais formatado. E a primeira música desse álbum foi seminal para o restante da história.
A partir da segunda faixa, o álbum de estreia do Black Sabbath deixa as conexões com o blues mais evidentes, mas não abdica de sua impressão digital. “The Wizard”, por exemplo, alia uma melodia conduzida pela malemolência de uma gaita com letras inspiradas em Gandalf, personagem de “O Senhor dos Anéis” e “O Hobbit”. “Behind the Wall of Sleep”, por sua vez, se aproxima do classic/hard rock enquanto a composição lírica é influenciada por “Beyond the Wall of Sleep”, conto de ficção científica de H. P. Lovecraft.
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Se a faixa-título é o grande chamariz do álbum, “N.I.B.” é o vice-destaque, por sua essência também assustadora. A letra é composta a partir do ponto de vista de Lúcifer, que se apaixona por uma mulher humana e se torna “uma ‘pessoa’ melhor”. A interpretação monolítica de Ozzy Osbourne se encaixa perfeitamente à composição, enquanto o trio instrumental demonstra grande entrosamento: do riff inicial pesadíssimo de Geezer Butler aos solos caóticos que Tony Iommi resolveu gravar de forma sobreposta, em duas pistas.
A já citada mediana versão para “Evil Woman” antecede outro momento de inovação: “Sleeping Village”, cuja melancolia na introdução acústica logo dá espaço para a pegada “heavy blues rock”. Vale mencionar que Ozzy Osbourne canta apenas no começo. Outro cover completa a tracklist, só que, desta vez, bem escolhido: “Warning”, original do Aynsley Dunbar Retaliation, ganhou nova alma com o Black Sabbath, seja pela interpretação nos primeiros minutos ou pela jam coerentemente confusa a partir da segunda metade.
Fazendo história
Ao concluir a audição do debut do Black Sabbath, fica difícil de acreditar que o quarteto levou apenas 12 horas para gravar todas as músicas. Com exceção dos solos duplos em “N.I.B.” e “Sleeping Village” e os efeitos de sinos e chuva na faixa título, tudo foi gravado ao vivo, com os quatro tocando ao mesmo tempo – Ozzy Osbourne, claro, em uma sala separada, para evitar interferência no microfone principal.
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Rodger Bain assinou a produção, mas serviu mais para apertar o botão de gravação do que para qualquer outra coisa. Tony Iommi relata que Bain trabalhou no álbum por escolha da gravadora e os conselhos que ele deu foram pouco aproveitados – até porque, em 12 horas, não daria nem tempo de investir em mudanças.
Ainda bem. Os quatro integrantes do Black Sabbath reconhecem, em depoimentos posteriores, que a falta de tempo e a definição prévia do conceito do álbum ajudaram – e muito – a obter o resultado que segue sendo ouvido, cinco décadas depois, por praticamente todo fã de heavy metal.
O álbum surpreendeu ao obter uma boa performance comercial logo de cara, chegando ao 8° lugar das paradas do Reino Unido e 23° nos Estados Unidos. Curiosamente, a imprensa especializada não gostou e as críticas naqueles tempos não foram nada boas. Tudo bem. Deu tempo de todo mundo reconhecer os erros na avaliação.
O que veio depois é história. Não só em termos da discografia do Black Sabbath, irretocável em seus primeiros 6 álbuns até a situação pessoal dos integrantes, imersos em vícios, sair de controle. O heavy metal, oficialmente, começa aqui.
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Black Sabbath – ‘Black Sabbath’ (1970)
Ozzy Osbourne (vocal, gaita)
Tony Iommi (guitarra, violão)
Geezer Butler (baixo)
Bill Ward (bateria)
1. Black Sabbath
2. The Wizard
3. Behind the Wall of Sleep
4. N.I.B.
5. Evil Woman (Crow cover)
6. Sleeping Village
7. Warning (The Aynsley Dunbar Retaliation cover)
Senti falta de Wicked World.