Slash é um sujeito tímido. Fora dos palcos, o guitarrista do Guns N’ Roses raramente demonstra estar à vontade – seja em entrevistas, encontro com fãs ou outros compromissos do tipo. Prefere falar por meio do instrumento musical que lhe deu praticamente tudo o que tem na vida.
Assim como Slash, a cidade de Uberlândia também é acanhada em muitos sentidos. Mesmo com seus 683 mil habitantes – e crescimento de quase 1% por ano nesse aspecto –, o segundo maior município de Minas Gerais e o quarto maior do interior do Brasil não costuma, por exemplo, receber shows internacionais, como o realizado pelo guitarrista, junto de sua banda solo formada por Myles Kennedy e The Conspirators, na última segunda-feira (27).
A apresentação fez com que a Arena Sabiazinho ficasse praticamente lotada em plena segundona. O público presente tinha consciência de que estava testemunhando não apenas um bom show de rock and roll, como, também, uma página da história da cidade sendo escrita.
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Slash, claro, não foi o primeiro artista internacional a se apresentar em Uberlândia. Nomes como New Order, Camila Cabello, Simple Plan, Mudhoney, Shakira (em 1997), A-ha (no longínquo ano de 1991) e alguns mais acostumados com o underground, como Paul Di’Anno, Blaze Bayley e CJ Ramone, entre outros já passaram pela cidade. Só que, talvez, nenhum desses nomes tenha o mesmo peso que o do guitarrista do Guns N’ Roses. Por isso, o show foi histórico.
O músico e sua banda, formada por Myles Kennedy nos vocais, Todd Kerns no baixo, Frank Sidoris na guitarra base e Brent Fitz na bateria, trouxeram, praticamente, o mesmo show da turnê de seu álbum mais recente, “Living the Dream”, que está rodando a América Latina e circula pelo mundo afora. São pouco mais de 20 músicas em um repertório que ultrapassa duas horas de hard rock afiado, com foco nas guitarras e nas vozes agudas de Kennedy, principal, e Kerns, de apoio.
O show
Precedido pela morna apresentação da banda paulista Republica, o quinteto norte-americano preparou um show de tirar o fôlego logo nas primeiras músicas: a nova “The Call of the Wild”, a pancada “Halo”, a ligeiramente cadenciada “Standing in the Sun”,a envolvente “Apocalyptic Love” e a já clássica “Back From Cali” foram tocadas quase que sem interrupção e sem floreios, exatamente como foram gravadas em seus respectivos álbuns de estúdio. Não havia tempo para bater papo com a plateia: os músicos ainda tinham muito trabalho a fazer.
Após as cinco pauladas, Slash e seus comandados apresentaram, em sequência, mais três músicas do mediano “Living the Dream”. São elas: “My Antidote”, de refrão poderoso; a arrastada “Serve You Right” e a pouco inspirada “Boulevard of Broken Hearts”. As duas últimas, em especial, permitiram até que o público respirasse na expectativa do que estava por vir.
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“Shadow Life”, cheia de swing, rolou antes de Todd Kerns assumir os vocais principais nas empolgantes “We’re All Gonna Die” e “Doctor Alibi”, cantadas, original e respectivamente, por Iggy Pop e pelo saudoso Lemmy Kilmister. Além da solidez no baixo, Kerns manda bem diante do microfone – função, aliás, que ele já assume no projeto paralelo Sin City Sinners.
Myles Kennedy voltou ao palco, mas o que chamou a atenção, mesmo, foi a guitarra double neck (de dois braços) usada por Slash para a balada “The One You Loved Is Gone”, outra música que serviu para acalmar o público – desta vez, de forma um pouco mais intencional. Mais empolgado, o guitarrista fez um solo de aproximados 15 (!) minutos na canção seguinte, “Wicked Stone”. Embora seja um privilégio ver um músico desse calibre ao vivo e com tanto destaque, o momento ficou um pouco entediante com o passar do tempo. A duração do solo chegou a deixar alguns fãs um pouco impacientes, já que chegaram a aplaudir o homem da cartola algumas vezes na tentativa de dizer “tá bom, cê toca demais, bora pra próxima”.
Mais próximos do fim do show, Slash e sua trupe voltaram a enfileirar verdadeiras pauladas: “Mind Your Manners”, “Driving Rain”, “By the Sword” e “Nightrain”, sendo esta a única música do Guns N’ Roses presente no repertório, para delírio daquela parcela do público que compareceu sem conhecer uma faixa sequer dos álbuns solo do guitarrista. Como era de se esperar, o Sabiazinho veio abaixo com o cover. A empolgação seguiu com a balada “Starlight”, com direito a vários balões saindo do meio da plateia – provavelmente, por ação de fãs mais entusiasmados.
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O repertório convencional foi encerrado com as boas “You’re a Lie” e “World on Fire” – esta, em versão estendida, para apresentar os músicos e ainda contar com um solo de bateria do carismático Brent Fitz, que vestia uma camisa da seleção brasileira durante o show. No bis, uma das músicas mais esperadas: “Anastasia”, com show de virtuose por parte de Slash, um guitarrista que não se permitiu ficar ultrapassado e soa ainda mais técnico e sólido nos dias de hoje.
A impressão deixada
Slash, Myles Kennedy e The Conspirators estão longe de formar uma banda punk, mas há uma aura no show do grupo que remete ao estilo em questão. Os músicos pouco conversam com a plateia e tocam boa parte do repertório de forma fiel às gravações de estúdio, praticamente sem jams e alterações muito específicas. Apenas “Wicked Stone” com seu solo interminável e “World on Fire” com sua versão estendida soam diferentes, além, é claro, das duas músicas cantadas por Todd Kerns – apenas no quesito vocal, já que o instrumental reproduz fielmente o que se ouve no álbum autointitulado “Slash” (2010).
Vejo isso com bons olhos. O quinteto está empenhado em fazer o que interessa, que é tocar a maior quantidade possível de músicas para seu público. Já me decepcionei indo a shows com repertórios curtos e, em alguns casos, até questionei o investimento de tempo (e grana!). Não foi o caso da apresentação de Slash, Myles Kennedy e The Conspirators: assistiria a esses caras tocando por muitas vezes sem enjoar.
Ainda que não seja referente à banda em si, o show contou com alguns problemas, que são até naturais, considerando que se trata de uma cidade que ainda engatinha com relação a shows desse porte. O principal foi a acústica do Sabiazinho, que, definitivamente, não é um bom lugar para shows, embora eu entenda que falte opções de locais com porte semelhante para receber shows (ainda raros) desse tipo. O som reverberou demais e ficou embolado em diversos momentos, especialmente para quem estava mais próximo ao palco – que também era relativamente baixo e não permitia uma boa visualização.
Além disso, é de se espantar que a pista premium tenha um tamanho aparentemente maior que o da pista comum. A lotação mostrou que houve demanda para isso, mas, nesses casos, “premium” deixa de significar um serviço especial. Como pontos “operacionais” mais positivos, dá para destacar a boa organização dentro e fora da arena, inclusive com agentes de trânsito monitorando e dando orientações para evitar engarrafamentos.
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Ao menos para mim, esses pequenos contratempos não foram capazes de ofuscar o show grandioso que Uberlândia testemunhou neste dia 27 de maio de 2019. Pelo Twitter, Slash já prometeu que “definitivamente vai voltar”. Esperamos que volte mesmo.
1st time ever show in Uberlandia! & the crowd was fucking killer! Thank you for a great night! We’ll definitely be back! Obrigado! iiii]; )’— Slash (@Slash) May 28, 2019
Repertório – Slash, Myles Kennedy & The Conspirators @ Arena Sabiazinho, Uberlândia (MG), 27/05/2019:
1. The Call of the Wild
2. Halo
3. Standing in the Sun
4. Apocalyptic Love
5. Back From Cali
6. My Antidote
7. Serve You Right
8. Boulevard of Broken Hearts
9. Shadow Life
10. We’re All Gonna Die (Todd Kerns no vocal)
11. Doctor Alibi (Todd Kerns no vocal)
12. The One You Loved Is Gone
13. Wicked Stone
14. Mind Your Manners
15. Driving Rain
16. By the Sword
17. Nightrain (cover de Guns N’ Roses)
18. Starlight
19. You’re a Lie
20. World on Fire
Bis:
21. Anastasia