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O álbum autointitulado do Mötley Crüe – tecnicamente, o melhor da banda

Mötley Crüe – “Mötley Crüe”
Lançado em 15 de março de 1994

O Mötley Crüe sempre passou a impressão de ser uma bomba-relógio em diversos sentidos, devido ao comportamento errático de seus integrantes. Porém, a sensação de “irmandade” entre os quatro nunca se abalou, mesmo em meio aos vícios e excessos dos anos 1980.

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A parceria se rompeu com a saída do vocalista Vince Neil, em fevereiro de 1992. Até hoje, não dá para dizer se ele foi demitido ou se optou por abandonar o barco – essa segunda versão é mantida pelo baixista Nikki Sixx e contestada pelo cantor. Curiosamente, o fato ocorreu em meio ao “boom” do grunge e do rock alternativo que afundou diversas bandas de hard rock tipicamente oitentista, como o próprio Mötley Crüe. Ao mesmo tempo, o grupo vinha de seu melhor trabalho em termos de crítica e vendas, o ótimo “Dr. Feelgood” (1989).

A saída de Vince Neil se deu quando o quarteto trabalhava no álbum que sucederia “Dr. Feelgood”. O Crüe disse, em nota à imprensa, que Neil deixou a banda por opção própria devido ao seu pouco interesse em música – espaço que, em sua vida, havia sido tomado pelo seu grande hobby, o automobilismo. Em entrevista ao Los Angeles Times, em 1993, o cantor deu uma versão bem diferente: o desentendimento começou porque o grupo estava se influenciando bastante pela sonoridade do blues. “Ensaiamos por meses e não gravamos nada. Não estava bom para mim. Não sou um cantor de blues e o Mötley é uma banda de rock, não de blues. Achei que era uma ideia estúpida, que alienaria os fãs. Eu até tentaria a coisa do blues e colocaria meu toque, mas nunca tive a chance”, disse.

Sem um frontman, os integrantes remanescentes do Mötley Crüe – o baixista Nikki Sixx, o guitarrista Mick Mars e o baterista Tommy Lee – passaram a ensaiar com diversos nomes – alguns deles, sem compromisso –, como Sebastian Bach (Skid Row), Steve Perry (Journey) e Stephen Shareaux (Kik Tracee). O último foi cotado para a vaga, mas John Corabi (ex-Angora, The Scream) ficou com o posto. Seu trabalho com o The Scream, aliás, foi bastante elogiado por Nikki Sixx.

A direção bluesy dos primeiros ensaios, aparentemente, não foi preservada a partir da entrada de John Corabi. O primeiro e único álbum com o cantor, autointitulado e lançado em 15 de março de 1994, é diferente de tudo que havia sido feito pelo Mötley Crüe até então. E, musicalmente, era até melhor.

Há quem diga que esse álbum soa moderno, alinhado com os padrões da época. Vou além: acho que esse disco está a frente de seu tempo. Era cedo demais para que esse material fosse compreendido, especialmente pelo público do hard rock e heavy metal tradicional, tão avesso a mudanças. Aqui, Corabi e o trio clássico do Crüe investem numa sonoridade mais ligada ao metal, especialmente em suas vertentes mais alternativas e praticadas na década de 1990 – instrumentos com afinações graves, produção mais seca, composições mais longas e complexas.

John Corabi trouxe vida nova ao Mötley Crüe. Como músico, é infinitamente superior a Vince Neil, embora não tenha metade do carisma de seu antecessor. Em termos técnicos, canta com mais propriedade e habilidade, além de ser compositor – coassina todas as letras com Nikki Sixx – e um bom guitarrista.

Tudo isso fez diferença, porque o Crüe se mostrou mais como banda e menos como um apanhado de talentos individuais unidos pela química. Os quatro integrantes trabalharam em todos os processos do álbum, o que faz enorme diferença a ponto de todos eles terem feito, também em aspecto técnico, os melhores trabalhos de suas vidas por aqui – especialmente por Mick Mars e Tommy Lee, ótimos instrumentistas pouco explorados em suas trajetórias.

“Power To The Music” abre o disco com riffs viscerais e letra de muita força – “quem disse que a música morreu?”, questiona John Corabi em seus vocais rasgados e semigraves. “Uncle Jack”, na sequência, alia um andamento pesado e arrastado, com grande destaque à guitarra de Mick Mars, a uma letra sobre abuso sexual infantil, feita por Corabi sobre o tio dele. “Hooligan’s Holiday”, escolhida para ser o primeiro single, é, curiosamente, um dos pontos fracos do álbum. A música é boa, mas não está entre as melhores. Sendo assim, sua escolha como canção de trabalho foi um dos equívocos relacionados ao fracasso comercial desse álbum.

Se “Hooligan’s Holiday” é esquecível, a faixa seguinte, “Misunderstood”, é impactante a ponto de ser a melhor do disco. Seu andamento é climático, complexo e com diversas camas instrumentais – do mandolin ao quarteto de cordas orquestrado –, abrangendo mudanças de andamento dignas de um clássico. Na tracklist, os superarranjos dão lugar às simplórias “Loveshine”, uma balada guiada por instrumentos acústicos, e “Poison Apples”, um hard rock mais direto que lembra um pouco o trabalho do Crüe nos anos 1980.

O peso volta em cheio com “Hammered”, uma das primeiras composições de John Corabi com o Mötley Crüe ao lado de “Misunderstood”. Já na ótima “Til Death Do Us Part”, a melancolia dá o tom, mas sem deixar a pegada de lado – graças, especialmente, à forte bateria de Tommy Lee. Em contraste, o álbum segue com a divertida “Welcome To The Numb”, onde Corabi se destaca.

Duas faixas de temática ecológica, ainda que em eixos distintos, preparam terreno para o fim do álbum: a direta “Smoke The Sky”, sobre maconha, e a curiosa “Droppin’ Like Flies”, que aborda os problemas naturais e sociais como um todo. A balada “Driftaway” conclui os trabalhos com bastante melodia, ainda que um fechamento de mais peso fizesse mais sentido por aqui.

Mesmo com seu melhor trabalho técnico em mãos, o Mötley Crüe teve problemas em divulgá-lo. Sendo assim, por uma série de fatores, o álbum foi um fiasco comercial em comparação aos antecessores. Chegou à 7ª posição das paradas dos Estados Unidos e a vender 500 mil cópias em menos de dois meses, mas não conseguiu segurar as vendas e caiu pelas tabelas. A turnê, ironicamente chamada de “Anywhere There’s Electricity” (“Em qualquewr lugar que tenha eletricidade”), levou o Crüe a casas de shows bem menores e com apenas 57 datas cumpridas – todas no Japão, Austrália e EUA, sem apresentações na Europa – antes de ser cancelada por completo.

Além do momento pouco favorável para as bandas de hard rock – mesmo com a sonoridade totalmente distante do que era praticado nos anos 1980 –, o álbum não conseguiu emplacar por problemas bobos de promoção. O principal foi o banimento silencioso que o Mötley Crüe sofreu na MTV, a maior referência sobre música na época, após Nikki Sixx ter socado um apresentador durante uma entrevista. As gravadoras Elektra e Warner não tentaram remediar a situação, nem fizeram grande esforço para trabalhar na divulgação do disco. O clipe de “Misunderstood” só piorou a situação com o canal de TV, pois tinha cenas e momentos da letra com referências ao suicídio.

A falta de êxito comercial, neste caso, foi injusta em meio à obra apresentada. Não à toa, o álbum é citado por Tommy Lee como um de seus favoritos da banda – “as músicas soam grandiosas e extraordinárias”, ele diz – e o predileto de Mick Mars – “as canções são fortes e, musicalmente, soa como o meu ‘White Album’ (Beatles). O único que aparenta não curtir muito o disco é Nikki Sixx, que, em entrevistas após a volta de Vince Neil, descreveu o material como “disperso” e afirmou que John Corabi não sabe fazer letras. “Tive que fazer tudo. Foi a primeira vez que trabalhei com alguém que queria participar das letras e meu padrão é tão alto que foi difícil, levou meses. Ele era um cara legal, mas não tinha aquela conexão”, afirmou ele, à Sweden Rock Magazine, em 2012.

Apesar do testemunho desfavorável de Sixx, é inegável que, em termos técnicos, o álbum autointitulado é o melhor da carreira do Mötley Crüe. Pode não ser o favorito da maior parte dos fãs, mas é bem composto, bem arranjado e bem tocado. Conta com músicas versáteis e um vocalista que sabe muito bem como usar a voz. Talvez, o problema esteja no uso do nome da banda, já que muitos parecem não se importar com a música e, sim, com a marca. Não é o meu caso.

John Corabi (vocal, guitarra, violão, baixo de 6 cordas)
Mick Mars (guitarra, violão, baixo de 6 cordas, mandolin, sitar)
Nikki Sixx (baixo, piano, teclado)
Tommy Lee (bateria, percussão, piano)

01. Power To The Music
02. Uncle Jack
03. Hooligan’s Holiday
04. Misunderstood
05. Loveshine
06. Poison Apples
07. Hammered
08. ‘Til Death Do Us Part
09. Welcome To The Numb
10. Smoke The Sky
11. Droppin’ Like Flies
12. Driftaway

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Igor Miranda
Igor Miranda
Igor Miranda é jornalista formado pela Universidade Federal de Uberlândia (UFU), com pós-graduação em Jornalismo Digital. Escreve sobre música desde 2007. Além de editar este site, é colaborador da Rolling Stone Brasil. Trabalhou para veículos como Whiplash.Net, portal Cifras, revista Guitarload, jornal Correio de Uberlândia, entre outros. Instagram, Twitter e Facebook: @igormirandasite.

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