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“Burn”, o álbum que reinventou o Deep Purple em 1974

“O céu está vermelho, eu não entendo”, canta o estreante David Coverdale em seu primeiro verso no Deep Purple. A música em questão é “Burn”, que dá o título do oitavo e melhor álbum da carreira da banda, lançado em 15 de fevereiro de 1974.

Antes de “Burn”, a “vermelhidão” no céu do Deep Purple era constante. A banda vivia seu melhor momento entre os anos de 1973 e 1974, com Roger Glover no baixo e, especialmente, Ian Gillan no vocal.

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Com Gillan e Glover, além de Ritchie Blackmore na guitarra, Jon Lord nos teclados e Ian Paice na bateria, o Deep Purple gravou seus melhores álbuns até então, com grande destaque para “Machine Head” (1972), que fez a banda estourar graças a hits como “Highway Star” e “Smoke On The Water”. O problema é que, depois de uma turnê cansativa, um grupo – geralmente, repleto de egos – precisa de descanso.

Isso, infelizmente, não foi oferecido aos músicos, que foram pressionados pela gravadora a concluir o álbum “Who Do We Think We Are” (1973). A convivência já era complicada antes, pois a formação com Gillan e Glover gravava um disco por ano desde “In Rock”, de 1970. Antes, com Rod Evans no vocal e Nick Simper no baixo, foram três registros de estúdio em dois anos.

A relação ruim fez com que Ian Gillan deixasse o Deep Purple após uma turnê no Japão, na metade de 1973. Roger Glover, que já havia manifestado interesse anteriormente em sair da banda, o acompanhou na fila de saída. Ambos culparam a falta de descanso, que deu combustível para as tensões entre os dois e o genioso Ritchie Blackmore. Em entrevistas, Lord costumava dizer que as saídas de Gillan e Glover representavam “a maior lástima do rock and roll”. “Só Deus sabe o tamanho que teríamos nos três ou quatro anos seguintes”, disse o tecladista, falecido em 2012, à BBC.

Repensando o futuro do Deep Purple

Os músicos remanescentes – Ian Paice, Jon Lord e Ritchie Blackmore – pensaram, inicialmente, em dar fim ao Deep Purple. Blackmore cogitou até trabalhar com Phil Lynott, do Thin Lizzy, em um novo projeto. Todavia, eles mudaram de ideia e optaram por seguir. O baixista e vocalista Glenn Hughes já estava sendo observado desde o momento em que Roger Glover havia dito que pensava em sair do Deep Purple. O convite foi feito a Hughes, que aceitou.

Em termos de voz, o Deep Purple estaria muito bem servido apenas com Glenn Hughes, mas eles não queriam seguir como quarteto. Desejavam ter um frontman, ainda que dividisse o microfone com Hughes. Paul Rodgers, vocalista do então findado Free, foi chamado para completar a formação, mas ele recusou o convite. “Eles me chamara e eu falei com eles sobre a possibilidade. Não aceitei porque estava curtindo muito a ideia do Bad Company”, diz Rodgers, à Classic Rock, citando o supergrupo que formou em 1973 com Simon Kirke (também Free) na bateria, Mick Ralphs (Mott The Hoople) na guitarra e Boz Burrell (King Crimson) no baixo.

O desconhecido David Coverdale acabou escolhido para a vaga. A opção foi feita por Ritchie Blackmore, que gostava dos vocais “masculinos” e “bluesy” de Coverdale. Em entrevista à NME logo após “Burn” ter sido lançado, Blackmore expressou descontentamento com o estilo de voz de Ian Gillan e exaltou a pegada do novato.

“Fazemos músicas para as pessoas e muitos gostavam de Ian, mas após quatro álbuns, eu estava cansado daquele som de voz. Não posso falar pelos outros, mas eles concordaram. Nos reunimos com Ian e reconsideramos sua presença”, afirmou, dando a entender que, na verdade, Gillan foi demitido. “O som era legal, mas era muito pop. Agora, soa como algo mais pop blues comercial. Temos alguém de voz mais masculina e, com Glenn, queremos dar uma sensação duplicada”, afirmou ele, antes de comparar o som do Purple na época a “um Beatles com um tom hard rock”.

Mais recentemente, em 2017, Glenn Hughes explicou melhor a ideia de ter duas vozes trabalhando juntas. “Blackmore queria fazer algo diferente. David tinha aquela voz firme e grave. Eu tinha um tom mais agudo. Tínhamos quase os mesmos vibratos e sabíamos como usar isso nas músicas, o que era algo bem interessante de se fazer em 1973. Não queríamos copiar os outros álbuns. Acho que David e eu combinamos bem com a banda e fizemos algo diferente. E ‘Burn’ foi um sucesso. Foi maravilhoso”, disse, à uDiscover.

‘Burn’, comentado

“Burn”, o álbum de estreia daquela formação posteriormente chamada como “Mark III”, foi gravado em apenas um mês, novembro de 1973, novamente no estúdio móvel dos Rolling Stones. A estrutura havia sido usada pelo Deep Purple em “Machine Head” e “Who Do We Think We Are”. Além dos Stones, nomes como The Who, Uriah Heep, Fleetwood Mac e Bob Marley também gravaram ou gravariam ali.

As oito faixas presentes no álbum refletem grande mudança de sonoridade. Com Coverdale e Hughes, o Deep Purple passou a soar mais versátil. O baixista e co–cantor ofereceu forte veia soul/funk às composições, enquanto o vocalista principal fez uma veia bluesy, já aparente em outros momentos do Purple, se acentuar.

A faixa título reúne todas as novidades e abre o álbum de forma eletrizante. Em meio a um frenesi de seis minutos de duração, todos os integrantes se destacam: os incríveis vocais de David Coverdale e Glenn Hughes – este último, também mandando ver no baixo, as linhas de bateria incrivelmente técnicas de Ian Paice, os riffs e solos de guitarra quase exibicionistas de Ritchie Blackmore e a classe nos teclados que só Jon Lord tinha.

“Might Just Take Your Life”, na sequência, acalma um pouco com sua pegada mais cadenciada, focando bastante no groove. Lord e Hughes brilham nessa faixa. “Lay Down, Stay Down”, por sua vez, retoma o frenesi da faixa título, ainda que em tom menos prog, e coloca Blackmore e Paice na linha de frente. O Deep Purple quer, mesmo, ganhar o jogo.

“Sail Away” chama a atenção por sua pegada mais funky, que ganharia ainda mais força nos dois álbuns posteriores – e causaria a saída de Ritchie Blackmore entre as duas produções. Coverdale soa envolvente com seu registro mais grave. “You Fool No One” explora o groove, mas, novamente, em pegada mais acelerada. Seria essa a gênese do metal progressivo? Não sei, mas soa muito bem.

“What’s Goin’ On Here” alia funk, soul e blues ao hard rock do Purple de forma exemplar. Os vocais cruzados de David Coverdale e Glenn Hughes em meio ao brilho do piano de Jon Lord é algo sublime. Perto do fim, “Mistreated” assegura um dos momentos mais curiosos – e sensacionais – da tracklist. Esse melancólico blues rock apresenta, de vez, a voz e a capacidade de interpretação de Coverdale ao mundo, além de confirmar a genialidade criativa de Ritchie Blackmore. A instrumental “‘A’ 200” fecha o disco com pompas, embora não acrescente muito à tracklist.

Novo sucesso, novos problemas

Não dava para um álbum como “Burn” não fazer sucesso só por carregar um nome que remetia a outros músicos. O material era bom demais para ser ignorado pelo público. Na época de seu lançamento, o álbum chegou ao 1° lugar das paradas de quatro países: Alemanha, Áustria, Noruega e Dinamarca. Além disso, atingiu a 3ª posição no Reino Unido e a 9ª colocação nos Estados Unidos.

O bom momento incentivou o Deep Purple a evoluir ainda mais. Já no fim de 1974, a banda lançou o álbum “Stormbringer”, com ainda mais contribuições de Glenn Hughes e David Coverdale. Dessa forma, as influências de funk e soul music ficaram ainda mais evidentes.

Ritchie Blackmore, um típico metalhead, não gostou do resultado e saiu do Deep Purple, alegando que a banda estava fazendo “música de engraxate”. Pouco tempo depois, formou outra banda – o Rainbow, com Ronnie James Dio no vocal – e fez história de novo.

O intempestivo guitarrista foi substituído por Tommy Bolin, que gravou apenas um álbum com o Deep Purple – o ainda mais diverso “Come Taste The Band” (1975). No ano seguinte ao lançamento do disco, a banda encerrou suas atividades e só voltou em 1984, com Ian Gillan e Roger Glover de volta.

“Quis sair do Deep Purple depois de uma turnê complicada na América”, explicou David Coverdale, ao Ultimate Guitar. “Virar e ver Jon Lord e Ian Paice, dois membros fundadores, tocando de cabeças baixas em vez do típico orgulho, foi demais para mim”, completou.

Todo fã de música pesada, no geral, gostaria de ver como o Deep Purple teria evoluído com a tal formação Mark III, reunindo Coverdale, Hughes e Blackmore. Por outro lado, talvez fosse uma constelação forte demais para permanecer unida. A obra deixada já é suficiente para deixar o céu vermelho e pessoas inicialmente confusas sempre que o som começa a rolar.

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David Coverdale (vocal)
Glenn Hughes (baixo, vocal)
Ritchie Blackmore (guitarra)
Jon Lord (teclados)
Ian Paice (bateria)

1. Burn
2. Might Just Take Your Life
3. Lay Down, Stay Down
4. Sail Away
5. You Fool No One
6. What’s Goin’ On Here
7. Mistreated
8. ‘A’ 200

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Igor Miranda
Igor Miranda
Igor Miranda é jornalista formado pela Universidade Federal de Uberlândia (UFU), com pós-graduação em Jornalismo Digital. Escreve sobre música desde 2007. Além de editar este site, é colaborador da Rolling Stone Brasil. Trabalhou para veículos como Whiplash.Net, portal Cifras, revista Guitarload, jornal Correio de Uberlândia, entre outros. Instagram, Twitter e Facebook: @igormirandasite.

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