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Por que a fala de Negra Li sobre Elvis, rock and roll e negros merece reflexão

A fala de Negra Li sobre Elvis Presley, rock and roll e negros, em entrevista ao programa “Morning Show”, da Rádio Jovem Pan, tem causado polêmica nas redes sociais. Durante o bate-papo, que pautava o assunto “apropriação cultural”, a cantora destacou que Elvis foi lançado dessa forma: apropriando-se fortemente de influências negras. Segundo ela, muitos artistas negros deixaram de fazer sucesso ou tiveram de adequar-se a novos padrões quando o Rei do Rock atingiu a fama com seu estilo de música e performance.

“Quando o Eminem começou, tinham 500 negros fazendo sucesso no rap. Então, ele era um dos poucos ali. Mas no caso do Elvis Presley, muitas vozes foram tapadas quando ele foi descoberto. Muitos foram tirados para, tipo assim: ‘vamos apresentar esse cara branco, com a voz e ritmo negros’. Os discos de muitos negros nessa época eram lançados sem o rosto deles na capa, para não mostrar que eram negros”.

Negra Li falando da “apropriação cultural” do Elvis Presley e da Joss Stone pic.twitter.com/k0NWQ7N7Nv

— Diego (@omeright) 26 de novembro de 2018

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É importante destacar que, em sua fala, Negra Li faz menção às origens do rock and roll. O estilo foi criado a partir da fusão de gêneros da música negra, como o blues e o R&B, e seus primeiros grandes nomes eram negros, como Little Richard, Chuck Berry e Fats Domino. Há, ainda, artistas negros que representam o que dá para ser chamado de “pré-rock and roll”, como Sister Rosetta Tharpe, Goree Carter e Jimmy Preston.

Todos esses nomes chegaram antes de Elvis Presley praticando um som parecido, todavia, nenhum deles conseguiu a mesma fama. Não é por mero acaso. É claro que Elvis tem seus méritos e ninguém seria maluco de renegá-los.: o homem provocou uma revolução musical, ao trazer todo aquele groove dos guetos para o mainstream, e cultural, devido ao aspecto visual em seu entorno, das roupas ao rebolado. Entretanto, também é evidente que uma ainda jovem indústria musical contribuiu bastante para que ele se consagrasse quase sozinho até que outros brancos chegassem para dividir o posto.

No fim das contas, Elvis Presley não tem culpa – e estou certo de que Negra Li também não o culpou de nada. Tanto que, como contraponto, soa exagerado dizer que ele “roubou” a música negra e se promoveu em cima dela. Elvis era grande fã de blues e R&B – inclusive, de artistas bem desconhecidos – e foi, apenas, fortemente influenciado por esse tipo de som. Ainda assim, é inegável que sua enorme fama conquistada já na década de 1950 foi reforçada por uma sociedade americana retrógrada, conservadora e racista.

A sociedade em geral, aliás, continua racista. Pouco (ou nada) mudou. E isso se reflete de diversas formas, das mais sutis às mais bruscas. No entanto, a visão acerca do negro mudou: o showbizz, como um todo, passou a enxergar a sua cultura como atraente, rentável, lucrativa. Não fosse isso, essa história de “apropriação cultural” seria uma completa balela – e não é.

Pode parecer desnecessário, mas é didático apontar que negros lançam tendência para brancos, enquanto brancos impõem padrões para negros. Uma mulher branca faz tranças afro nos cabelos porque acha bonito. Uma mulher negra alisa os fios para ser aceita e se encaixar no que a sociedade apresenta como “normal”. Essa máxima se estende a, praticamente, todos os segmentos da nossa vivência: inclusive às origens do rock and roll.

De volta à entrevista de Negra Li: após suas primeiras declarações, a cantora foi questionada se a medida das gravadoras em esconder o rosto dos negros das capas de discos não aproximaria as pessoas em vez de dividi-las, ao “apresentar a música branca a uma classe média americana, branca e tradicional”, Negra Li respondeu, prontamente, que não. “Só acostumou mal, dizendo: ‘para que pegar negros se temos Elvis Presley?’”, afirmou.

Não dá para discordar de Negra Li nesse ponto. Alçar Elvis Presley à fama de forma quase que solitária fez com que o rock and roll, estilo de origem negra, fosse “embranquecido”. Os artistas que surgiram no gênero em questão logo após Elvis também são brancos. O rock, que pode ser entendido como a evolução do rock and roll, demorou para lançar um negro como forte representante: Jimi Hendrix, já no fim da década de 1960. E o estilo segue fortemente dominado por brancos até os dias de hoje.

Novamente, não parece ser por acaso. O rock and roll é, certamente, um estilo mais festivo do que os gêneros que o originaram, como o blues e o R&B. No entanto, o seu caráter “adolescente” foi adquirido com o tempo, especialmente após o estouro de Elvis Presley. O sucesso conquistado por Elvis também passa pela identificação que o público tinha com ele.

Antes dos anos 1950, a música como um todo ainda tinha certo caráter erudito. Quem fazia sucesso de verdade era, vamos assim dizer, “instruído”. E ver Elvis Presley, um jovem caipira de fala simples, dividir os mesmos espaços que nomes como Frank Sinatra gerava empatia e identificação. As pessoas, especialmente os brancos de classe média – que, ainda hoje, representam uma grande classe consumidora –, se viam em Elvis.

A persona de Elvis Presley se identificava com esse público consumidor até mesmo nas suas preferências musicais, pois ele, assim como os jovems brancos de classe média, nunca gostou de jazz. Apreciava alguns trabalhos de Sinatra e só.

– O heavy metal é racista, machista, xenofóbico, homofóbico e intolerante com religião

Os argumentos de Negra Li sobre Elvis Presley, rock and roll e apropriação cultural são fortes e necessitam de reflexão. Quando alguém escancara um mecanismo de funcionamento tão sutil, a reação inicial das pessoas é dizer: “que exagero”. Em leitura literal, pode, sim, soar exagerado o que foi dito pela cantora. Porém, com a devida interpretação, tudo se encaixa. Não é lacração, nem coitadismo: simplesmente acontece assim. E é importante não ignorar, especialmente, para que o já falecido Cazuza não possa cantar: “eu vejo o futuro repetir o passado”. Sempre dá para melhorarmos enquanto indivíduos e sociedade.

Se, ainda assim, o sentimento de repulsa permanecer sobre a fala de Negra Li, vale recorrer a um dos verdadeiros pioneiros do rock and roll, Little Richard – que é negro. Sem querer, ele deu a principal pista para decifrar todo esse enigma em torno da suposta apropriação cultural de Elvis Presley. Em certa ocasião, ele disse: “Agradeço a Deus por Elvis Presley. Ele abriu as portas para muitos de nós”. É verdade, pero no mucho: Elvis abriu as portas para os negros que já estavam no mercado, mas, (e é lógico que) involuntariamente, deu fim à oportunidade de novos negros se consagrarem no rock and roll. E isso vai de encontro com a retratação publicada por Negra Li após a repercussão de sua fala.

Gente vocês têm razão! Não soube me expressar , ficou confuso. Não foi minha intenção diminuir o trabalho deles. Me desculpe!

— Negra Li (@NegraLiOficial) 27 de novembro de 2018

Apropriação cultural também exalta e faz expandir , no caso do Elvis principalmente porque ele sempre deixou claro que o que ele fazia o negros faziam a muito tempo, ou seja, ele sempre deu o mérito sim! Elvis merece respeito. Um talento ímpar.

— Negra Li (@NegraLiOficial) 27 de novembro de 2018

Fui infeliz no comentário ,e eu realmente não quis dizer isso, usei mal as palavras. Queria ter falado sobre a sensação de quando existe um peso e duas medidas. Quando fizeram a pergunta me embaralhei, misturei tudo e não consegui passar meu raciocínio.Triste

— Negra Li (@NegraLiOficial) 27 de novembro de 2018

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Igor Miranda
Igor Miranda
Igor Miranda é jornalista formado pela Universidade Federal de Uberlândia (UFU), com pós-graduação em Jornalismo Digital. Escreve sobre música desde 2007. Além de editar este site, é colaborador da Rolling Stone Brasil. Trabalhou para veículos como Whiplash.Net, portal Cifras, revista Guitarload, jornal Correio de Uberlândia, entre outros. Instagram, Twitter e Facebook: @igormirandasite.

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