Entrevista: Rafael Bittencourt celebra nova fase do Angra com “Ømni”

(Foto: Henrique Grandi / divulgação)

Quem viu o Angra em apuros no show do Rock In Rio, em 2011, dificilmente imaginaria que a banda estaria em uma condição musical tão boa quanto está agora, já no fim da década. Toda a formação do grupo mudou – o vocalista Edu Falaschi deu lugar a Fabio Lione (Rhapsody Of Fire), o baterista Ricardo Confessori foi substituído por Bruno Valverde e, algum tempo depois, o guitarrista Kiko Loureiro entregou o posto para Marcelo Barbosa (Almah) após ter sido convidado para entrar no Megadeth –, mas o padrão de qualidade foi mantido.

“Secret Garden” (2014), já com Lione e Valverde e ainda com Loureiro, mostrou um Angra renovado diante de uma necessária atualização sonora. E “Omni” (2018) é uma continuação ainda mais sofisticada do álbum anterior. A começar pela história, construída a partir de curtas narrativas que apresentam a ideia de que, em 2046, um sistema de inteligência artificial mudará a percepção e cognição humana. Musicalmente, a veia progressiva saltou ainda mais no power metal de influências brasileiras tradicionalmente praticado pelo grupo, além de uma dose extra de peso.

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Em entrevista exclusiva que conduzi para o Whiplash, o guitarrista Rafael Bittencourt, também compositor de todas as letras de “Omni”, mostrou-se satisfeito com o resultado obtido. “No ‘Omni’, diferente do ‘Secret Garden’, a concepção foi mais coletiva. Nos juntamos, fizemos improvisos especialmente eu e o Felipe (Andreoli, baixista), que mora aqui perto. Também já existiam algumas ideias, como ‘The Bottom Of My Soul’, que estava praticamente pronta para o ‘Secret Garden’ e não entrou. No geral, ‘Omni’ teve um processo semelhante ao de ‘Temple of Shadows’. No ‘Temple’, Kiko e eu começamos do zero de uma maneira mais coletiva, onde um vai inspirando o outro e o processo individual tem uma direção mais comum”, afirmou.

Embora surja a inevitável comparação com “Temple of Shadows”, desta vez, Rafael Bittencourt preferiu destacar aspectos técnicos ao ligá-lo a “Omni”. “No caso do ‘Secret Garden’, desde o ‘Temple of Shadows’, não fazíamos um disco tão bem produzido. Na época, fomos para a Suécia e o fizemos com o Jens Bogren (produtor), sendo que ‘Aurora Consurgens’ (2006) e ‘Aqua’ (2010) foram feitos no Brasil. Em produção, o ‘Secret Garden’ dá um show comparado aos dois anteriores, pois ficamos na Alemanha, pesquisei sobre as Cruzadas… foi diferente. Para ‘Aurora Consurgens’, também pesquisei sobre (Carl) Jung e as patologias da mente e, no ‘Aqua’, sobre Shakespeare e o texto ‘A Tempestade’. Tinha essas cartas na manga, mas não criamos uma produção tão caprichada. E qual a diferença com ‘Omni’? Nele, caprichamos desde a concepção. As músicas nasceram após muitas conversas, jams no camarim, de um entrosamento e vontade de envolver todos”, disse.

Bittencourt comandou o processo de “Omni” com a ajuda de Felipe Andreoli, que, na ausência de Kiko Loureiro, torna-se o segundo membro mais antigo da banda, tendo entrado em 2001 no lugar de Luis Mariutti. Embora Rafael tenha destacado a pressão de ter feito o primeiro álbum do Angra sem a colaboração de outro membro original fora ele próprio, a ajuda de Felipe tem sido importante para a atual fase do grupo.

“Para mim, isso criou uma grande responsabilidade. Quando tinha o Kiko, que começou comigo, eu sabia que, bem ou mal, tinha um parceiro que entende o processo todo. Estar sem alguém que participou desde o início gerou uma pressão psicológica muito grande. Mas o Felipe, hoje, já está na banda há quase 20 anos e conhece muito bem todas as etapas. Está muito preparado para suprir a lacuna de um parceiro não só musical, mas também de business. É um cara de QI alto e um multi-instrumentista que toca bateria, guitarra, baixo e canta. Para ele, não satisfaz o papel de um baixista que só cola a bateria com a guitarra. Ele estaria pronto, por exemplo, para entrar no Dream Theater”, afirmou.

Letras, “Z.I.T.O.” e extraterrestres

Durante o bate-papo, Rafael Bittencourt se estendeu, com empolgação, para falar sobre as letras de “Omni”. O nome e o conceito do álbum vieram a partir de um conceito que também inspirou “Z.I.T.O.”, misteriosa faixa do álbum “Holy Land” (1996). E a origem comum vem de outros planos – ou planetas.

“Comecei a escrever a ideia do ‘Omni’ há seis anos. Porém, existe uma conexão da letra de ‘Z.I.T.O.’ – que, inclusive, foi regravada para a versão do álbum no Japão – com a história do disco. ‘Z.I.T.O.’ resume várias coisas. É um mistério, mas que está pronto para ser revelado, farei um vídeo em breve sobre ela. Nunca quis que as pessoas ficassem presas ao que isso é para mim. Sempre quis que aquelas palavras tivessem algum sentido, independente do título”, contou Bittencourt.

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O músico explicou que o conceito trabalhado em “Z.I.T.O.” surgiu após um sonho esquisito que teve no sítio onde “Holy Land” foi gravado. “Tive um sonho esquisito de uma conversa com um extraterrestre que levou todos da banda para um passeio. Foi muito real, tanto que eu falava com os camaradas da banda no sonho que quando acordássemos, precisaríamos lembrar disso. E ele falou várias coisas sobre a cognição humana, a abertura da consciência, os paradigmas e arquétipos religiosos – como a palavra Lúcifer, que gera medo. Aquilo me ajudou a escrever, inclusive, algumas letras do ‘Holy Land’, mas eu já tinha em mente que iria falar sobre o descobrimento do Brasil e das Américas, a mistura de culturas… era o tema principal. Então, aquele assunto ficou um pouco adormecido”, disse.

Embora ninguém tenha se lembrado da situação – o que pode remeter o caso a um mero sonho –, Rafael Bittencourt afirmou que a sua mentalidade mudou a partir do episódio que inspirou “Z.I.T.O.”. “Quando acordei daquele sonho, aparentemente, ninguém se lembrava. Eu me senti um pouco louco: será que eles viveram aquilo e esqueceram ou foi um sonho? Aquela coisa do Raul Seixas (na música ‘O Conto do Sábio Chinês’): ‘será que sou um sábio chinês que sonhou que era uma borboleta; ou uma borboleta sonhando ser um sábio chinês?’. E a sigla, Z.I.T.O., me era  recorrente, pois haviam histórias em paralelo se sincronizando. Daí, começou essa conversa com o extraterrestre na minha mente. E eu pensava que não fazia diferença se era um sonho ou realidade: poderia ser um fluxo da minha criatividade, mas me ajudava a fingir que estava falando com o extraterrestre, que me dava ideias para escrever”, afirmou.

A interação com o extraterrestre, segundo Rafael, gerou o nome “Omni”. “Esse extraterrestre me falava sobre um sistema cognitivo que estava sendo implantado na mente dos humanos e que eu poderia, caso quisesse, colaborar com esse plano. Tentei entender na prática, pois só sabia a teoria, mas ele começou a me ajudar a ordenar minhas ideias. As letras de ‘Omni’ estão mais legais dessa vez porque o Sistema Omni me ajudou a encontrar minha síntese e a desenvolvê-la, seja criando letras ou tomando decisões. Não queria algo dogmático, como se fosse um caminho para a humanidade. Fiz as letras para um público pré-adolescente, não para um filósofo, alguém formado com pós-doutorado – compus para pessoas em formação, em busca de novas ideias e sem opiniões próprias, mas interessado em tê-las. Essas ideias vão virar sementes na cabeça dessas pessoas”, disse.

Sucesso com participações de vozes femininas

As participações das cantoras Sandy e Alissa White-Gluz (Arch Enemy) na música “Black Widow’s Web” foram, sem dúvida, um dos grandes chamarizes de “Omni”. Fã declarado de vozes femininas do porte de Alcione, Marisa Monte, Sade e Beyoncé, Rafael Bittencourt disse que a ideia de convidar Alissa e Sandy ocorreu por ocasiões distintas.

A primeira convidada foi Alissa White-Gluz. “Estávamos no cruzeiro 7,000 Tons Of Metal e rolava um show do Arch Enemy. Os cinco da banda caíram para trás, porque a Alissa tem um nível de performance que nenhum artista do heavy metal tem nos dias de hoje. Além de carismática e show-woman, ela é impecável na voz. Falei: ‘Fabio, a gente tinha que colocar essa menina para cantar no disco’. E ele respondeu (imitando sotaque italiano): ‘Rafa, eu tenho o contato dela no WhatsApp’. Então pedi para convidá-la. No próprio navio, conversamos com a Alissa e ela topou”, afirmou.

A partir daí, a concepção da música teve início, ainda sem contar com Sandy na jogada. “Começamos a compor uma música com o dueto entre o Fabio e ela. E eu já estava escrevendo alguns textos sobre a Viúva Negra, que encontrava com o Barba Azul – os estereótipos do traidor masculino e feminino. Aí, compus como se fosse essa situação. Depois, mudei, pois queria falar sobre mídias sociais e aquela coisa meio ‘Black Mirror’ (série de TV da Netflix), dos exageros do comportamento contemporâneo. Aí, fiz um paralelo entre a Viúva Negra e o ‘Black Mirror’ das redes sociais”, disse.

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Sem o Barba Azul e com Fabio Lione como o intérprete de um usuário de redes sociais, cuja identidade foi “sugada”, Rafael Bittencourt sentiu a necessidade de dividir a figura feminina, para não endemonizar totalmente as mídias sociais e para dar equilíbrio musical. “Precisava de uma voz leve, mas da grandeza da Alissa, tão diva quanto. E a primeira pessoa que me veio foi a Sandy. Fora que iria dar um marketing, muito assunto… mas eu não sabia, por exemplo, que chegaríamos ao primeiro lugar nas paradas virais do Spotify, com aquela interpretação tão death metal. Mostra que, sim, o mundo está mudando e que a nossa consciência que o ‘Omni’ procura sintetizar é muito potente e transformada”, afirmou.

O desempenho dos não tão novatos

“Omni” é o primeiro disco do Angra com o guitarrista Marcelo Barbosa e o segundo com o vocalista Fabio Lione e o baterista Bruno Valverde. E a performance dos três foi exaltada por Rafael Bittencourt.

Sobre Barbosa, Bittencourt destacou que foi importante ter um músico experiente na vaga de Kiko Loureiro – que opinou diretamente em sua escolha. “O Marcelo tem as mesmas referências que o Kiko, então, isso facilitou. E o Kiko, quando saiu, quis participar dessa escolha. O Marcelo é um cara muito ativo na cena dos guitarristas e tem tem estrutura emocional não ficou deslumbrado. Foi uma consequência natural de algo que ele já vinha construindo. Foi por merecimento, assim como o Megadeth foi para o Kiko”, afirmou.

Já Fabio Lione e Bruno Valverde conquistaram mais espaço em “Omni”, por estarem mais à vontade, e ambos receberam créditos diversos nas composições de melodia. “Além da interpretação, o Fabio também participou da criação de alguns melodias – e isso o deixou mais solto. A gente o apelidou de ‘o mago do refrão’, pois ele tem muita facilidade para criar. E o Bruno é muito novo, está estudando uma série de elementos musicais que são novidade, de bandas mais novas. Tem uma linguagem muito própria. Não adiantaria eu criar uma ideia de bateria, pois nunca extrairia o máximo do Bruno. Começamos algumas ideias juntos para pegar essa riqueza do grande músico que ele é… o ‘pequeno gigante’”, disse.

Longa turnê e realização de um sonho

O ciclo de divulgação de “Omni”, conforme revelado anteriormente, contará com uma turnê mundial de 83 datas em 24 países, durando de março a novembro, com pequenos intervalos em períodos específicos. E, em meio à tour, um sonho pessoal de Rafael Bittencourt será realizado.

“Temos, agora, 27 shows na Europa. Vamos passar por vários países, como Portugal, Espanha, Itália, França e Rússia, entre outros. Será um mês de turnê com Geoff Tate e a banda Operation Mindcrime como suporte, tocando o disco ‘Operation: Mindcrime’ (1988, Queensrÿche) inteiro. Para mim, foi uma honra, pois é um dos discos que mais influenciou a criação do estilo do Angra. A minha ideia era ser muito menos power/speed metal e ser mais Queensrÿche, mas a história do Angra se desenhou diferente, graças ao sucesso no Japão e ao auge do speed metal. No entanto, a ideia era misturar o power metal ao som progressivo do Queensrÿche. Foi uma grande influência e será uma honra ter o cara tocando o disco inteiro toda noite antes do show do Angra. Será como uma bênção. Além disso, virão outras duas bandas da Europa, sendo quatro por noite”, contou.

O Brasil está na rota, com curtas sequências de performances entre maio e agosto. “Faremos shows no Brasil e na América Latina. Depois, vamos aos Estados Unidos fazer o festival Prog Power USA e mais 27 shows – será a maior turnê do Angra nos Estados Unidos. Por fim, vamos fazer vários shows pela Ásia. São mais de 80 datas. A ideia em 2018 é divulgar o disco, fazer turnê, estar em contato com os fãs e receber essa energia de aprovação, ideias, sugestões… essa energia que vem da turnê é usada para o próximo disco”, afirmou.

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Igor Miranda
Igor Miranda
Igor Miranda é jornalista formado pela Universidade Federal de Uberlândia (UFU), com pós-graduação em Jornalismo Digital. Escreve sobre música desde 2007. Além de editar este site, é colaborador da Rolling Stone Brasil. Trabalhou para veículos como Whiplash.Net, portal Cifras, revista Guitarload, jornal Correio de Uberlândia, entre outros. Instagram, Twitter e Facebook: @igormirandasite.

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