O disco mais vendido da história do metal completa 25 anos de lançamento nesta sexta-feira (12). E por mais que já tenha atingido um quarto de século, o álbum homônimo do Metallica soa atual – e, de certa forma, até como um modelo para outras bandas do estilo que queiram algum destaque.
Antes deste disco, comumente chamado de “Black Album”, o Metallica era uma banda grande. O disco anterior, “…And Justice For All” [1988], havia chegado ao Top 10 das paradas da Billboard e obteve reconhecimento também em outros países, como Reino Unido, Alemanha, Canadá e outros.
No entanto, “…And Justice For All” não é exatamente um disco-referência para o Metallica. Por mais que contenha o hit “One”, o álbum tem uma estética mais progressiva, de difícil digestão para ouvintes mais gerais e até mesmo de reprodução mais complicada em shows. E, mesmo com a repercussão, o Metallica ainda era uma banda restrita ao seu nicho hard rock/metal.
Desde o início, os integrantes do Metallica se demonstravam suficientemente ambiciosos para levar a banda a um patamar diferente. “Kill ‘Em All” [1983] colaborou para a criação da estética do thrash metal – mesmo que com muito das mãos de Dave Mustaine – e trabalhos como “Master Of Puppets” [1986] deram sofisticação e excelência ao gênero. Faltava a consagração comercial.
De certa forma, o Metallica também sentia a pressão das mudanças no cenário musical do início da década de 1990. Bandas conhecidas estavam indo para o underground e arriscar em uma pegada progressiva, como foi feito em “…And Justice For All”, poderia afundar o grupo – afinal, neste caso, é bem difícil o raio cair duas vezes no mesmo lugar.
Para atingir o objetivo de chegar ao topo das paradas e se consolidar como uma atração que transcendia ao rock, o Metallica contou com a ajuda do produtor Bob Rock. O grupo havia se impressionado com o som tirado por ele em “Dr. Feelgood” [1989], clássico do Mötley Crüe que, enfim, havia rendido o topo das paradas americanas à banda. Outros trabalhos de Rock, como “Sonic Temple” [1989], do The Cult, e “Slippery When Wet” [1986], do Bon Jovi, também chamaram a atenção.
Também conviado para produzir “Stranger In This Town” [1991], de Richie Sambora, Bob Rock precisou escolher. E optou pelo Metallica. Em outubro de 1990, o novo álbum do quarteto começou a ser gravado no One On One Recording Studios, em Los Angeles, Estados Unidos. O processo foi tão intenso e bem trabalhado que os registros só foram finalizados em junho do ano seguinte. Oito meses para trabalhar em um disco é um período bastante extenso. Mas valeu a pena.
James Hetfield teve uma postura controladora ao longo da concepção dos outros discos anteriores. Neste, o processo foi mais democrático, a pedido de Bob Rock. E, curiosamente, “Black Album” é o trabalho que mais tem a impressão digital de Hetfield. As composições com distintas influências, a peculiar voz em ótima forma e o característico timbre de guitarra fizeram deste trabalho o melhor de Hetfield em vários aspectos, em especial criatividade e performance.
Lars Ulrich, uma espécie de arquiteto, trabalhou neste disco como uma espécie de co-produtor. O posto se reflete no disco: a bateria se destaca no instrumental a ponto de ser a condutora de riffs e passagens, ao invés de somente seguir o que as guitarras impõem. As baquetas de Ulrich têm vida própria por aqui, o que representa um diferencial.
Kirk Hammett e Jason Newsted não são músicos tão sensacionais como James Hetfield e Lars Ulrich, em meu ver. Ainda assim, também conseguem ter uma performance acima da média. Hammett foge dos seus próprios clichês em seus licks e solos e apresenta consistência em suas passagens. Já Newsted, desta vez, não foi boicotado pela banda e consegue ter o seu baixo minimamente audível. É um músico que cresce especialmente nos shows, mas que, no estúdio, limita-se a dar solidez aos demais músicos.
A boa química entre os músicos teve reflexo nas músicas. “Enter Sandman”, uma das melhores faixas de abertura da história do metal, dá início aos trabalhos de forma estarrecedora. É difícil ser tão afável e pesado ao mesmo tempo, mas, aqui, o Metallica conseguiu. “Sad But True”, na sequência, mostra qual foi a primeira canção que muitos músicos das gerações seguintes aprendeu a tocar. Este clássico ajudou a moldar a sonoridade de bandas como Avenged Sevenfold e, de certa forma, previu o futuro.
A acelerada “Holier Than Thou” é um híbrido interessante entre hard rock e metal. Tem a pegada feroz, mas, especialmente nos vocais, tem uma abordagem mais comercial. A canção seria o primeiro single e daria nome ao álbum, mas, ainda bem que o destino foi outro. “The Unforgiven”, na sequência, é uma das melhores baladas do metal. Diferenciada em seus seis minutos e meio de duração, a faixa tem um approach melódico capaz de deixar qualquer headbanger boquiaberto. Destaque para a superação de Kirk Hammett em seu solo.
“Wherever I May Roam” volta a apostar no híbrido hard/metal, mas de forma mais criativa e inspirada. A construção melódica dessa faixa, tanto em vocais quanto em instrumental, é acima da média. Dois fillers, “Don’t Tread On Me” e “Through The Never”, dão sequência ao trabalho. São os pontos mais fracos do álbum.
A balada “Nothing Else Matters” tem a excelência que poucos nomes do estilo conseguiriam atingir com uma música lenta. Os arranjos orquestrados de Michael Kamen, consagrado por ter trabalhado com o Pink Floyd, e o trabalho de James Hetfield como um todo (cantor, compositor e guitarrista) são o diferencial por aqui. A grudenta “Of Wolf And Man” dá sequência com uma melodia vocal que gruda na cabeça, mas sem dispensar do peso típico do Metallica.
A arrastada “The God That Failed” se destaca pela letra, que, ressentida, mostra as reflexões de James Hetfield com relação à própria fé e à medicina. Faixa mais extensa do álbum, “My Friend Of Misery” foi a primeira colaboração autoral de Jason Newsted. Quase toda instrumental, cresce com os solos ao fim. Já no fim da tracklist, “The Struggle Within” começa no maior estilo “banda municipal” até crescer em velocidade e pegada. É uma das músicas de batida mais ágil do álbum e, provavelmente, uma sobra de trabalhos anteriores.
O sucesso foi imediato. “Black Album” conquistou disco de ouro nos Estados Unidos somente na primeira semana de lançamento. Foram 600 mil cópias vendidas em apenas sete dias. Em 2009, ganhou o posto de disco mais vendido da era SoundScan, que monitora a comercialização de álbuns nos EUA desde 1991. O trabalho chegou ao primeiro lugar das paradas de oito países, incluindo Reino Unido, Alemanha, Austrália e a já mencionada terra do Tio Sam.
Até nos dias de hoje, é comum entrar nas paradas Top 200 da Billboard, dos Estados Unidos, e encontrar o disco da capa preta por lá. Ainda vende. Não à toa, é um dos maiores best-sellers da história da música.
Não dá para dizer que o Metallica tenha voltado a ser o mesmo após “Black Album”. A proposta hard rock tomou conta de “Load” [1996] e “Reload” [1997], o nu metal deu o tom de “St. Anger” [2003] e a pegada thrash só voltou a ser praticada em partes por “Death Magnetic” [2008]. Mas não dá para retornar e ser o mesmo após conquistar tamanho sucesso com um trabalho. Nada volta a ser como antes. E ainda bem que é assim.
Por mais bobo que isso possa parecer, ainda hoje “Black Album” não é aceito por fãs mais extremistas. Há quem diga que, aqui, o Metallica “traiu o movimento”. Mesmo se tiver traído, foi para uma boa causa: foi a partir daqui que a banda transcendeu os limites do rock e do metal e se tornou uma atração que dispensa menções a gêneros musicais. Um patamar que poucos grupos, como Queen ou U2, conseguiram atingir.
James Hetfield (vocal, guitarra, violaõ)
Kirk Hammet (guitarra)
Jason Newsted (baixo)
Lars Ulrich (bateria)
Músico adicional:
Michael Kamen (arranjos orquestrados em 8)
01. Enter Sandman
02. Sad But True
03. Holier Than You
04. The Unforgiven
05. Wherever I May Roam
06. Don’t Tread On Me
07. Through The Never
08. Nothing Else Matters
09. Of Wolf And Man
10. The God That Failed
11. My Friend Of Misery
12. The Struggle Within
Leituras recomendadas: