Fase emblemática: os 40 anos do raríssimo disco “Tim Maia Racional”

A fase Racional de Tim Maia, um dos maiores cantores da música brasileira, é emblemática. Trouxe um Tim diferente em termos pessoais e profissionais. O reflexo está nas músicas que compõem o disco, que tem dois volumes – e um terceiro lançado apenas em 2011.
Em 5 de novembro de 1975, o primeiro volume de “Tim Maia Racional” era lançado. Para analisar o produto, que chegou tão peculiar ao público, é necessário compreender todo o contexto, que se arrasta por mais de um ano antes de seu lançamento.
Entre 1973 e 1974, Tim Maia teve contato com a Cultura Racional, que é descrita de forma mista – alguns falam que é seita, outros afirmam que é doutrina e há quem diga, especialmente quem a integra, que se trata de uma religião. Basicamente, as obras relacionadas à Cultura Racional acreditam que os humanos vinham de um planeta distante e perfeito, e que, na Terra, estavam exilados. Para se salvar dessa situação, seria necessária a imunização racional. Independentemente do que seja, os adeptos da Cultura eram o oposto de Tim. Proibia-se o consumo de álcool e drogas, além do estilo de vida nada saudável que o icônico cantor levava à época.
Não somente Tim Maia se tornou adepto à Cultura Racional – ele fez com que seus músicos e sua família também aderissem aos conceitos. Fez com que todos em sua volta abandonassem os “prazeres mundanos” e vestissem somente roupas brancas. A mobília de sua casa também foi trocada somente para móveis da cor branca. Em suma: Tim ficou “careta”.
Nesse ínterim, as bases de seu quarto disco de estúdio, que viria a ser o duplo “Tim Maia Racional”, já estavam gravadas. Faltavam as vozes e suas respectivas letras. Convertido, Tim Maia cantou versos de pregação em todas as músicas. As composições só falam da Cultura Racional e de seus conceitos.
A ideia fez com que o disco, que, inicialmente, seria duplo, com os dois volumes de uma vez só, fosse rejeitado pela sua gravadora, Polydor. Temperamental, Tim Maia rompeu o contrato e montou o seu próprio selo – Seroma. Começou, aí, o ar revolucionário de “Tim Maia Racional”, pois o cantor foi o primeiro artista de grande porte a lançar um trabalho de forma independente. Como mencionado, o primeiro volume saiu em 5 de novembro de 1975. O segundo só saiu em 1976, já que a estrutura da Seroma não era a mesma da Polydor.
“Tim Maia Racional” não foi influente só no business, como também em termos musicais. Tim Maia passou algum tempo nos Estados Unidos e trouxe, desde o seu primeiro disco, muitos elementos da música negra americana, que pôde experimentar in loco. Nos dois discos da fase Racional, porém, Tim Maia chegou ao auge de sua proposta sonora: uniu o funk americano e a soul music com elementos brasileiros e latinos, especialmente a pegada do samba e o swing. Os dois volumes de “Tim Maia Racional” também contam com instrumentação e produção próximas da perfeição. Quarenta anos depois, ainda soam modernos e até com certo frescor para quem ainda está conhecendo os trabalhos. A banda estava afiada e o próprio Tim Maia, mais saudável, cantou como nunca por aqui.
O problema é que, apesar de ser um trabalho influente de diversas formas, “Tim Maia Racional” não fez sucesso. Também pudera: o teor de pregação de uma seita/religião/doutrina até então desconhecida no Brasil barrou as vendas. A postura exagerada de Tim Maia, que canta sobre Cultura Racional em todas as músicas e falou sobre o assunto em praticamente todas as entrevistas de divulgação, puxou o trabalho para baixo.
Pouco tempo após o lançamento dos dois volumes, Tim Maia se desiludiu e abandonou a Cultura Racional – como sempre, de forma temperamental. Os discos foram retirados de circulação e suas tiragens iniciais se tornaram itens raros entre colecionadores. Em 2011, faixas que sobraram dos álbuns lançados há quatro décadas foram descobertas e lançadas sob a alcunha de “Tim Maia Racional Volume Três”. O estilo é o mesmo – muito groove e influência americana aliada à pegada brasileira.
Os dois volumes de “Tim Maia Racional” (e, é claro, o terceiro, de 2011) são sensacionais, independente de letras ou ideologia. Antecipa um movimento musical antes de chegar em cheio ao mundo. Visionário, Tim Maia foi reconhecido por praticamente todos os trabalhos de sua carreira. Mas a emblemática fase Racional ainda permanece como um aparato cult de sua brilhante trajetória, encerrada em 1998, com sua morte.
Extra: em 1989, Tim Maia falou sobre sua desilusão com a Cultura Racional.

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Igor Miranda
Igor Miranda
Igor Miranda é jornalista formado pela Universidade Federal de Uberlândia (UFU), com pós-graduação em Jornalismo Digital. Escreve sobre música desde 2007. Além de editar este site, é colaborador da Rolling Stone Brasil. Trabalhou para veículos como Whiplash.Net, portal Cifras, revista Guitarload, jornal Correio de Uberlândia, entre outros. Instagram, Twitter e Facebook: @igormirandasite.

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