Poucos álbuns no metal brasileiro alcançaram o status de obra-prima como “Temple of Shadows” (2004), quinto álbum de estúdio do Angra. Feito já sob a “formação 2.0”, com Edu Falaschi (voz), Felipe Andreoli (baixo) e Aquiles Priester (bateria) devidamente integrados aos remanescentes Rafael Bittencourt (guitarra) e Kiko Loureiro (guitarra), o disco foi, talvez, o último do grupo a obter aclamação acima da média de público e crítica e a se posicionar entre os favoritos da maior parte dos fãs.
Bittencourt, guitarrista e membro fundador, foi o responsável pelo conceito das letras a respeito do cavaleiro templário Shadow Hunter. As composições abordam temas profundos — e pouco recorrentes no chamado power metal — desde religião a reflexões filosóficas e humanas, em uma trama bem amarrada. Musicalmente, trata-se de um disco diverso, que vai da agressividade à ternura de modo fluido. Uma nítida evolução em relação ao antecessor “Rebirth” (2001).
E justamente “Temple of Shadows” foi celebrado pelo Angra no último domingo (3), durante show no Tokio Marine Hall, em São Paulo. A apresentação final da turnê de duas décadas deste álbum marcou, também, uma despedida temporária dos palcos, para um hiato anunciado ainda no ano passado.
Viper
Antes, a noite contou ainda com duas bandas convidadas que ajudaram a engrandecer o evento: o Viper, que tem relação histórica com o Angra e com o heavy metal brasileiro, e os argentinos do Azeroth, cuja performance não foi acompanhada por este veículo.
Em quase uma hora de show, o Viper revisitou clássicos dos 40 anos de estrada sem deixar de apresentar canções da fase atual: “Under the Sun”, na abertura, e “Timeless”, faixa-título do álbum de 2023. Houve, também, espaço para um lindo tributo aos saudosos ex-integrantes Pit Passarell e Andre Matos com “The Spreading Soul”, trazendo inclusive um trecho interpretado por Daniel Matos — irmão de Andre e atual baixista, em substituição a Pit.
Os pontos altos da noite ficaram reservados ao vocalista Leandro Caçoilo, dono de alcance vocal impressionante — a ponto de arrancar gritos e aplausos no grito final de “A Cry from the Edge” —, e à participação de Rafael Bittencourt na clássica “Living for the Night”, cantada em coro pelos fãs. Quem não pôde estar presente poderá “voltar” a essa noite em breve: o show estava sendo gravado para um disco ao vivo. O anúncio foi feito no palco por Felipe Machado, guitarrista e único membro original remanescente.

Setlist – Viper:
- Under the Sun
- To Live Again
- Dead Light
- A Cry from the Edge
- Soldiers of Sunrise
- Coma Rage
- The Spreading Soul (dedicada a Pit Passarell and Andre Matos)
- Timeless
- Prelude to Oblivion
- Living for the Night (com Rafael Bittencourt)
- Rebel Maniac
Angra
Com 20 minutos de atraso e ao contrário do que algum fã incauto poderia esperar — de começar diretamente com a execução de “Temple of Shadows” —, o Angra subiu ao palco do Tokio Marine Hall às 20h50 com dois clássicos de outros álbuns: “Nothing to Say” e “Millennium Sun”. Na sequência, “Tide of Changes” surgiu como única faixa do disco “Cycles of Pain” e da atual fase com Fabio Lione (voz), Marcelo Barbosa (guitarra) e Bruno Valverde (baixo). Além do trio, Rafael Bittencourt e Felipe Andreoli completam a formação atual.

Parênteses fechado, Lione nos brindou com as palavras mágicas: “bem-vindos ao Templo das Sombras”. As intensas “Spread Your Fire” e “Angels and Demons” deram início a uma viagem sonora nostálgica. Uma sequência mais tranquila composta por “Waiting Silence” e pela balada “Wishing Well”, com primeiro dos vários usos de violão na noite, contrastou com a pesada “The Temple of Hate” — favorita desta que vos escreve — e “The Shadow Hunter”, coração do disco, quanto na narrativa quanto no uso de diferentes elementos para compor sua complexidade musical.
“No Pain for the Dead”, além de ser uma das músicas mais bonitas e melancólicas presentes no álbum, é o ponto alto da história em um momento em que o protagonista Shadow Hunter presencia a morte de inocentes e questiona o sentido da violência em nome da fé. A interpretação da música ficou ainda mais bela com a participação da cantora Vanessa Moreno, hoje quase uma extensão do Angra pois, desde 2023, tem estado ao lado do grupo com participações — seja em “Cycles of Pain”, no DVD acústico gravado em Curitiba ou em outros shows.

Após o início da etapa final do disco com “Winds of Destination” e “Morning Star”, destacou-se “Sprouts of Time”, com ótimo solo de Marcelo Barbosa e desfile de técnica de Bruno Valverde na bateria, que mantém precisão e controle mesmo em performances tecnicamente exigentes. Para encerrar a execução de “Temple of Shadows”, tem-se “Late Redemption” — e é uma pena que esta faixa nunca tenha sido tocada ao vivo com Milton Nascimento, patrimônio da música brasileira e dono dos trechos em português na gravação original.

Findada a execução do álbum, Rafael Bittencourt se dirigiu ao público para relembrar que a celebração era, também, uma despedida temporária antes de entrarem no já mencionado hiato. Apesar de ressaltar que a geração atual era a “terceira” do Angra, o membro fundador afirmou que nunca se sentiu tão bem com o funcionamento interno nos últimos 34 anos e cravou: dar uma pausa agora é um gesto de preservação.
O set regulamentar foi encerrado com “Rebirth”, novamente com Vanessa Moreno; “Angels Cry” e uma versão de “No More Tears” em homenagem ao falecido Ozzy Osbourne realizada também nos quatro shows anteriores. Desta vez, saiu tudo como esperado, diferentemente da desastrosa tentativa inicial dias antes. Para o bis, que encerrou uma longa performance de 2h20, a clássica dobradinha “Carry On” e “Nova Era”, com a primeira executada em formato reduzido — sabemos o porquê.
Em sua performance final pré-hiato, o Angra deu uma demonstração sólida de competência musical e respeito ao próprio legado. Há de se observar, contudo, o único revés: a interpretação completa de “Temple of Shadows” com Fabio Lione não soa das mais adequadas. Torna-se impossível deixar de fazer o comparativo e sentir falta dos vocais de Edu Falaschi.

Seja por carinho pelos ex-integrantes ou por não sentir-se tão satisfeito com o trabalho dos atuais integrantes, há quem questione os rumos do Angra “3.0” e defenda uma reunião com Falaschi, Kiko Loureiro e Aquiles Priester. Preferências à parte, opiniões à parte, a escolha por uma pausa no atual momento representa maturidade e reconhecimento ao que foi construído. Entrar em hiato serve, inclusive, para esfriar eventuais debates acalorados sobre caminhos a serem seguidos.
Fato é que a despedida temporária se deu em grande estilo. “Temple of Shadows”, enquanto obra, resistiu ao tempo — talqualmente o próprio Angra, que continua relevante mesmo após quase três décadas e meia.

Angra — ao vivo em São Paulo
- Local: Tokio Marine Hall
- Data: 3 de agosto de 2025
- Turnê: Temple of Shadows 20th Anniversary Tour – Interlude
- Produção: Top Link Music
Parte 1:
- Nothing to Say
- Millennium Sun
- Tide of Changes – Part I
- Tide of Changes – Part II
Parte 2 – Temple of Shadows:
- Deus le volt! + Spread Your Fire
- Angels and Demons
- Waiting Silence
- Wishing Well
- The Temple of Hate
- The Shadow Hunter
- No Pain for the Dead
- Winds of Destination
- Sprouts of Time
- Morning Star
- Late Redemption
Parte 3:
- Rebirth
- Angels Cry
- No More Tears (cover de Ozzy Osbourne)
Bis:
- Unfinished Allegro + Carry On (encurtada)
- Nova Era
Outro: Gate XIII
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