...

Sem perder tempo, Carcass não dá respiro a público em São Paulo

Com várias músicas emendadas e comunicação escassa, banda britânica encheu Carioca Club um ano após show abreviado no Summer Breeze

Jeff Walker não estava para muita conversa em São Paulo. Quando o Carcass subiu ao palco do Carioca Club, na quinta-feira (15), foram três músicas emendadas catorze minutos para a primeira pausa. Ainda assim, uma breve introdução pré-gravada, e mais duas faixas emendadas. Quase não houve respiro durante pouco menos de uma hora e meia para o público que encheu a casa e já abriu rodas desde os primeiros riffs.

Um ano atrás, a banda derreteu no Ice Stage durante a segunda edição do Summer Breeze Brasil. Tocando de frente para o sol ardido num quente e seco outono, o vocalista e baixista passou mal e o grupo encerrou seu show quinze minutos antes do previsto.

- Advertisement -
Foto: Leca Suzuki @lecasuzukiphoto

Cenário bem diferente do encontrado pela banda no Carioca Club. A temperatura amena da ensolarada quinta-feira caiu bastante para o início da noite na capital paulista. Clima ideal para o público se debater durante o show de um grupo que migrou de um grindcore de letras nojentas para um death metal melódico beirando o thrash metal técnico.

O breve retorno do Carcass ao Brasil não teve nenhum motivo especial além de encaixar uns showzinhos no país com a participação no Metal Fest chileno, festival ocorrido no fim de semana anterior. Sem qualquer material novo para divulgar, de diferente mesmo para a apresentação do ano passado, além do cenário mais confortável, só a cabeça de Jeff Walker, agora desprovida de suas longas madeixas.

Foto: Leca Suzuki @lecasuzukiphoto

Bill Steer seguiu tocando sua guitarra como se vestido para um baile setentista. Nippy Blackford, guitarrista que entrou para ajudar o grupo ao vivo no pós-pandemia, já estava oficializado no posto no ano passado. Apesar de coadjuvante na maior parte da apresentação no Carioca Club, teve seus momentos de brilhos reproduzindo um solo aqui e acolá.

Foto: Leca Suzuki @lecasuzukiphoto

Daniel Wilding não foi apenas monstruoso de novo ao reproduzir os arranjos revolucionários criados por Ken Owens, baterista original do Carcass que foi obrigado a se afastar da atividade após sofrer uma hemorragia cerebral em 1999. O músico mostrou toda sua capacidade nas faixas já compostas com ele responsável pelo instrumento e praticamente se mostra um pulmão nada putrefato para o coração negro da banda.

Foto: Leca Suzuki @lecasuzukiphoto

Como natural, o Carcass desfilou por toda essa evolução sonora, ainda que o repertório tenha se focado na sonoridade mais técnica e acessível, simbolizada pelo clássico “Heartwork” (1993), com cinco faixas executadas na noite. Sob os amorosos versos “nós todos precisamos de alguém para odiar” de “Buried Dreams”, segundo petardo da noite, as rodas já dominavam a região central da pista do Carioca Club e só foram crescendo ao longo da noite.

A introdução pré-gravada do riff inicial “The Living Dead at the Manchester Morgue” — faixa do EP “Despicable”, de 2020 —, serviu como uma espécie de “The Hellion” para o início da apresentação. Seguindo inspiração clara em Judas Priest, o papel de “Electric Eye” coube a “Unfit for Human Consumption”, uma das três canções executadas na noite de “Surgical Steel”, o álbum que marcou a retomada do grupo em 2013.

Foto: Leca Suzuki @lecasuzukiphoto

A animada reação inicial do público consolidou sua condição de um disco clássico, mas a longevidade fez a pista urrar mais alto ao ser encerrada a narração pré-gravada que precede a pancadaria de “Incarnated Solvent Abuse”, primeira de mais três executadas na noite de “Necroticism – Descanting the Insalubrious”. O álbum de 1991 virou referência na transição do splatter-gore dos primeiros dois trabalhos para um death metal melódico com a entrada de um segundo guitarrista no grupo — o sueco Michael Amott, hoje no Arch Enemy.

Com um pouco mais de tempo em relação à apresentação no festival chileno e sem precisar antecipar o final de seu show em São Paulo como no ano passado, o álbum mais recente, “Torn Arteries” (2021), foi representado também por três músicas. A singela introdução de bateria de “Kelly’s Meat Emporium” engana tanto quanto o início melodioso de “The Scythe’s Remorseless Swing”, duas pancadarias que mantiveram os ânimos exaltados na pista.

Foto: Leca Suzuki @lecasuzukiphoto

A cadenciada “Dance of Ixtab (Psychopomp & Circumstance March No. 1 in B)”, comandada pelas batidas de Wielding, já trouxe quase emendado o início de “Black Star”, uma das três citações a “Swansong” (1996). Daquele disco de m*rd# lançado nos anos 90 ao qual Jeff Walker fez menção no Memorial da América Latina no ano passado, só teve a empolgante “Keep on Rotting in the Free World” executada na íntegra na sequência.

Foto: Leca Suzuki @lecasuzukiphoto

Antes, os primeiros minutos de “Tomorrow Belongs to Nobody” serviram como introdução para “Death Certificate”, outra do já citado “Heartwork”. A naturalidade com que o Carcass flui de partes de uma música para a outra em seu repertório muitas vezes faz parecer sempre terem sido executadas dessa forma nos shows do grupo de Liverpool.

Foto: Leca Suzuki @lecasuzukiphoto

A fase mais podre inicial da carreira do Carcass só foi aparecer lá pelo meio da apresentação. À breve instrumental “Genital Grinder”, que abre o influente álbum de estreia “Reek of Putrefaction” (1988), veio emendada a pancadaria de “Pyosisified”. A música originalmente incluída no mesmo disco foi executada com as ligeiras alterações mais técnicas de sua regravação no EP “Tools of the Trade” (1992). A desgracenta faixa-título, por sua vez, foi executada na sequência, também sem qualquer pausa, no único momento da noite em que Bill Steer dividiu os vocais com Jeff Walker.

Após a única fala de Walker ao público entre as músicas — “meu português chupa bolas, vamos tocar”, em tradução literal —, duas faixas mais “progressivas” dos dois últimos discos deram um certo refresco ao redemoinho na pista.  Mas as rodas aumentaram de ritmo de novo quando as melodias iron-maidenianas de “This Mortal Coil” e a devastação de “Corporal Jigsore Quandary” colocaram fim à parte regular do show.

Foto: Leca Suzuki @lecasuzukiphoto

O público entoava os tradicionais cantos de “olê olê olê” no pedido para o retorno da banda e até um roadie que recolocava palhetas no suporte de microfone de Jeff Walker resolveu mexer com a galera. O baixista as jogava para a galera assim como garrafas d’água o tempo todo, talvez traumatizado pelo calor da visita anterior à cidade.

Foto: Leca Suzuki @lecasuzukiphoto

O retorno ao bis não demorou muito. O final inevitável veio com a previsível maior roda da noite para “Heartwork”. Amarrando as fases distintas de sua carreira, a faixa-título do disco de 1993 foi introduzida pela deliciosamente nojenta cadência inicial de “Ruptured in Purulence” e, após brevíssima pausa para despedidas, concluída com os segundos finais melodiosos e avassaladores de “Carneous Cacoffiny”.

Foto: Leca Suzuki @lecasuzukiphoto

Antes, o grupo havia retomado o show com “Captive Bolt Pistol”, música de “Surgical Steel” que já ganhou força para abrir o bis de uma banda com um legado enorme como o Carcass. Talvez a resposta efusiva do público tenha se aproveitado de sua empolgação com a volta do quarteto britânico ao palco. Serviu também de lembrança da relevância do momento atual de sua carreira.

O Carcass tem preferido maturar bem suas novas músicas para lançar álbuns dignos de sua discografia. Dos oito anos entre “Surgical Steel” e “Torn Arteries”, já se passou metade na espera por um novo disco dos britânicos. O show devastador do Carioca Club nesta noite de quinta serviu bem para trabalhar a paciência da fanbase.

Foto: Leca Suzuki @lecasuzukiphoto

Carcass — ao vivo em São Paulo

  • Data: 15 de maio de 2025
  • Local: Carioca Club
  • Produção: Overload

Repertório:

Intro: The Living Dead at the Manchester Morgue

  1. Unfit for Human Consumption
  2. Buried Dreams
  3. Kelly’s Meat Emporium
  4. Incarnated Solvent Abuse
  5. No Love Lost
  6. Tomorrow Belongs to Nobody (intro)
  7. Death Certificate
  8. Dance of Ixtab (Psychopomp & Circumstance March No. 1 in B)
  9. Black Star (intro)
  10. Keep on Rotting in the Free World
  11. Genital Grinder
  12. Pyosisified (Still Rotten to the Gore)
  13. Tools of the Trade
  14. The Scythe’s Remorseless Swing
  15. 316L Grade Surgical Steel
  16. This Mortal Coil
  17. Corporal Jigsore Quandary

Bis:

  1. Captive Bolt Pistol
  2. Ruptured in Purulence (Intro)
  3. Heartwork
  4. Carneous Cacoffiny (Outro)
Foto: Leca Suzuki @lecasuzukiphoto

Clique para seguir IgorMiranda.com.br no: Instagram | Bluesky | Twitter | TikTok | Facebook | YouTube | Threads.

ESCOLHAS DO EDITOR
InícioResenhasResenhas de showsSem perder tempo, Carcass não dá respiro a público em São Paulo
Thiago Zuma
Thiago Zuma
Formado em Direito na PUC-SP e Jornalismo na Faculdade Cásper Líbero, Thiago Zuma, 43, abandonou a vida de profissional liberal e a faculdade de História na USP para entrar no serviço público, mas nunca largou o heavy metal desde 1991, viajando o mundo para ver suas bandas favoritas, novas ou velhas, e ocasionalmente colaborando com sites de música.

DEIXE UMA RESPOSTA (comentários ofensivos não serão aprovados)

Por favor digite seu comentário!
Por favor, digite seu nome aqui


Últimas notícias

Curiosidades