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Ted Poley revoga despedida em pleno palco em SP; saiba como foi

Já prometendo voltar, cantor do Danger Danger demorou a engrenar em sua performance, mas divertiu público da Hard ‘n’ Heavy Party

Em janeiro último, o público modesto, mas fiel, de hard rock oitentista no Brasil recebeu com surpresa a notícia de que Ted Poley realizaria, dois meses depois, seu “último show no Brasil”. A apresentação aconteceria na Hard ‘n’ Heavy Party, evento de grandes acertos cada vez mais tradicional em São Paulo, em edição no Manifesto Bar, com abertura de Chez Kane e Midnite City.

Aparentemente, só esqueceram de combinar a despedida com o próprio vocalista. Em três ocasiões distintas de sua performance realizada na noite do último sábado (22) — ou melhor, na madrugada deste domingo (23) —, o americano conhecido por suas duas passagens pelo Danger Danger disse que já não via a hora de retornar ao país.

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Foto: Gabriel Gonçalves @dgfotografia.show

A julgar pelo que se viu no tradicional bar paulistano, prestes a mudar de endereço, Poley estaria desperdiçando oportunidades caso não voltasse. O cantor de 63 anos, dono de agenda pouco movimentada em seu país natal, encheu o espaço e agitou o público mesmo claramente não estando em seus melhores dias. E entregou tudo de si, a ponto de deixar o palco pingando de suor e, segundo relatos, ter ido embora do local sem atender os fãs que o esperavam por estar passando mal.

Midnite City

Às 21h, a sequência de apresentações teve início com o Midnite City, contrariando a própria programação divulgada pela assessoria do evento. Foi dito em texto que a banda inglesa se apresentaria por último, com Ted Poley no meio da programação e Chez Kane, também de terras britânicas, na abertura.

Foto: Gabriel Gonçalves @dgfotografia.show

Longa fila para entrada à parte, a casa já estava cheia para assistir à estreia nacional do quinteto formado por Rob Wylde (vocal, membro do Tigertailz entre 2015 e 2022), Miles Meakin (guitarra), Josh “Tabbie” Williams (baixo), Ryan Briggs (bateria) e Shawn Charvette (teclado). O grupo aposta, claro, em uma sonoridade fortemente inspirada pelo hard rock dos anos 1980, mais especificamente sua ramificação melódica.

Foto: Gabriel Gonçalves @dgfotografia.show

Trata-se de uma sonoridade tão reproduzida por atrações saudosistas nas últimas duas décadas que já não dá para dizer quais as verdadeiras influências. Ao longo de seu set de aproximadamente uma hora, o grupo desfilou canções genéricas, que se limitam a emular o que já foi feito por outros sem trazer nem mesmo uma pitada de característica própria.

Foto: Gabriel Gonçalves @dgfotografia.show

Não quer dizer que inexistam méritos. Acertam, por exemplo, quando resolve soar mais pesado, como em “Raise the Dead” e “They Come Out at Night”. Em época de backing vocals pré-gravados, os instrumentistas parecem cantar de verdade junto a Wylde. E exceção feita a Rob, que oferece pouca variação em sua performance vocal e soava baixo — não se sabe se por volume de microfone ou potência de gogó —, os demais são bons em seus setores, com destaque à técnica apurada de Meakin e à fluidez de Briggs com as baquetas e especialmente pedais.

Foto: Gabriel Gonçalves @dgfotografia.show

Apesar dos clichês — ou muito provavelmente por conta deles —, o Midnite City agradou a quem parou para assisti-los. O público já até sabia o refrão fácil de “All Fall Down” e, satisfeito com o que via, bradou o coro “olê, olê olê olê, Midnite, Citê” ao fim de “Can’t Wait for the Nights”. Difícil imaginar o quinteto funcionar fora do contexto de uma festa revivalista, mas quem disse que eles precisam sair dessa bolha?

Foto: Gabriel Gonçalves @dgfotografia.show

Chez Kane

Menos de um ano após ter deixado boa impressão em edição anterior da Hard ‘n’ Heavy Party, Chez Kane retornou para oferecer praticamente o mesmo show da outra vez. E, novamente, funcionou bem.

Foto: Gabriel Gonçalves @dgfotografia.show

A cantora ganhou notoriedade nos últimos anos por sua parceria com Danny Rexon, vocalista do Crazy Lixx responsável por compor todas as suas músicas e produzir seus álbuns. Dois discos já foram lançados pela gravadora Frontiers: a estreia homônima em 2021 e “Powerzone”, no ano seguinte. O som? Hard rock melódico, seguindo à risca padrão e fórmula do selo italiano, a ponto de incomodar quem resolve ouvir o material gravado com atenção e sem interrupções.

Foto: Gabriel Gonçalves @dgfotografia.show

Ao vivo, felizmente, agrada mais. E a banda de apoio formada por brasileiros — que em diferentes combinações já acompanharam vocalistas como Johnny Gioeli (Hardline) e Danny Vaughn (Tyketto) em visitas anteriores ao país — ajuda bastante. Bruno Luiz (guitarra), Bento Mello (baixo), Gabriel Haddad (bateria) e Flavio Sallin (teclado), que logo tocariam também com Ted Poley, oferecem peso e potência necessários para tornar a experiência mais orgânica em comparação ao registro meticuloso em estúdio.

Foto: Gabriel Gonçalves @dgfotografia.show

O setlist alterna, quase como se também seguisse a uma fórmula, entre canções guiadas por melodia ou ritmo. Faixas como a abertura “I Just Want You” e “Nationwide”, mais açucaradas e focadas nos ganchos, se cruzam com músicas a exemplo da sensual “All of It” e das agitadas “Too Late for Love” e “Love Gone Wild”, onde a batida surge como ingrediente extra.

Ainda que o repertório desenhado por Rexon abuse dos clichês do gênero, Kane tem mais a oferecer no comparativo com outras atrações revivalistas. Além do carisma e do nível de interação — chegou a cantar “Ball n’ Chain” na pista, no meio da galera, é excelente cantora: afinadíssima e dona de alcance impressionante. O show oferece momentos distintos, especialmente em sua primeira parte, com destaque às faixas que tiveram a elegante participação de Bruno Sá no saxofone, “Better than Love” e a já citada “Love Gone Wild”.

Foto: Gabriel Gonçalves @dgfotografia.show

Talvez por isso surja o incômodo, especialmente na segunda metade do setlist, com a repetição desenfreada de estruturas líricas e melódicas previsíveis e muito referentes ao hard/glam oitentista. Há potencial para mais. Entretanto, como no caso do Midnite City — até mais —, agradou os presentes, levados à loucura definitiva com os covers finais de “Dream Warriors” (Dokken), em execução formidável de Chez, e “No Easy Way Out” (Robert Tepper).

Repertório — Chez Kane:

  1. I Just Want Out
  2. Too Late for Love
  3. All of It
  4. Nationwide
  5. Better than Love (com Bruno Sá)
  6. Love Gone Wild (com Bruno Sá)
  7. Ball n’ Chain
  8. Get It On
  9. Rock You Up
  10. Powerzone
  11. Rocket on the Radio
  12. Dream Warriors (original do Dokken)
  13. No Easy Way Out (original de Robert Tepper)
Foto: Gabriel Gonçalves @dgfotografia.show

Ted Poley

Já passava da meia-noite quando Ted Poley subiu no palco do Manifesto quase que sem conseguir disfarçar um sorriso incontrolável em seu rosto. Daquela mesma boca, porém, saía uma voz que pouco ou nada remetia ao que os fãs estão acostumados a ouvir. Não parecia ser apenas efeito da idade: o frontman do Danger Danger em seus álbuns de maior sucesso parecia rouco e recuava até em passagens fáceis de “Horny S.O.B.”, enérgica faixa responsável por abrir o set.

Foto: Gabriel Gonçalves @dgfotografia.show

Demorou um pouco até que Poley conseguisse engrenar. Enquanto isso, o quarteto de instrumentistas brasileiros não deixava pedra sobre pedra. Enérgico e habilidoso, Gabriel Haddad conseguiu até mesmo encaixar pedais duplos em momentos aqui e acolá, enquanto Bento Mello e Flavio Sallin cumpriram bem seus papéis, apesar do som de baixo ter perdido definição por soar um pouco mais grave que o habitual. Mas não havia como deixar de prestar atenção em Bruno Luiz, que executou com maestria as complicadíssimas linhas de Andy Timmons — com justiça, o único músico do Danger Danger a conseguir ter uma carreira fora da sombra da banda.

Foto: Gabriel Gonçalves @dgfotografia.show

A trajetória do grupo americano com Poley, aliás, merece parágrafos à parte. Com seus dois primeiros álbuns, a estreia de 1989 e “Screw It!” (1991), o quinteto completo por Timmons — embora a estreia tenha sido gravada por Tony “Bruno Rey” —, Kasey Smith (teclado), Bruno Ravel (baixo) e Steve West (bateria) conquistou razoável repercussão em seu país natal e no Japão. O som, também calcado no hard rock melódico, tinha capricho nos ganchos melódicos criados por Ravel e West, apesar das letras quase constrangedoras de tão bestas.

Porém, com a saturação midiática do chamado glam metal e a chegada ao mainstream de subgêneros alternativos do rock, o interesse minguou. Smith deixou o grupo, que resolveu gravar um álbum, “Cockroach”, sem ele. Antes do disco sair, Poley foi demitido — e impediu os colegas de lançarem o material, mesmo em versão regravada com Paul Laine, seu substituto. Timmons também caiu fora. O registro só chegou a público em 2001. Ted retornou três anos depois, realizou shows, participou do disco “Revolve” (2009), mas na última década não fizeram mais nada juntos. Ravel e West montaram outro projeto, The Defiants, com Laine, enquanto o cantor loiro de voz facilmente reconhecível se envolveu com o Tokyo Motor Fist e passou a realizar cada vez menos apresentações.

Foto: Gabriel Gonçalves @dgfotografia.show

A julgar pelas primeiras músicas do set — a já citada “Horny S.O.B.”, “Youngblood” (Tokyo Motor Fist), “Monkey Business”, “Crazy Nites” (com solo de execução impecável por Bruno) e “Shot o’Love” (representante única de “Cockroach” e relativamente inesperada) —, dava para entender um possível desinteresse por assistir a Poley ao vivo, ainda que o público não estivesse nem aí e cantasse por ele. Felizmente, porém, parecia somente um problema pontual. A partir de “Feels Like Love”, executada como na gravação original e não na famosa versão acústica tocada no Japão, o artista começou a dar sinais de reação. Era como se, de início, estivesse se aquecendo perante o público.

Antes da canção citada, Poley disse, pela primeira das três vezes, que já quer voltar ao Brasil — contrariando o próprio anúncio de “despedida” feito pelo evento. Também se declarou honrado por ter sido “o primeiro artista internacional a cantar no local”, ainda nos anos 2000, e o último a se apresentar no espaço antes de sua mudança de endereço, a ocorrer em breve. Em meio ao discurso, chegou a dizer que estava chorando. Havia tanto suor no rosto que nem dava para perceber.

Foto: Gabriel Gonçalves @dgfotografia.show

Mas era hora de ficar ainda mais suado. Em “Don’t Walk Away”, o cantor trouxe Bruno Sá para mais uma bem-vinda participação no sax e simplesmente desceu para a pista, cantando a balada do disco homônimo do Danger Danger enquanto percorria todo o espaço. Voltou para o palco e emendou algo que diz nunca fazer: um set acústico, onde ele próprio assume o violão e tem acompanhamento pontual de guitarra solo ou bumbo de bateria. Nesta parte, com “Love” (Tokyo Motor Fist), a divertida “F.U.$.” e “That’s What I’m Talking About”, as duas últimas como únicas representantes de “Revolve”, recuperou fôlego para uma enérgica sequência final.

Foto: Gabriel Gonçalves @dgfotografia.show

As principais canções do Danger Danger estavam, como esperado, na etapa derradeira do set. A pegajosa “Bang Bang” e “Beat the Bullet”, talvez a melhor canção do grupo junto a “Under the Gun” (infelizmente ignorada na noite) prepararam terreno para as participações de Chez Kane em “I Still Think About You” e tanto da cantora quanto do Midnite City em “Naughty Naughty”. Esta, que em dado momento teve até troca de baixista ao vivaço — Bento cedeu o instrumento para Josh “Tabbie” Williams —, normalmente encerra os shows de Ted.

Mas ele não queria sair. Emendou “Don’t Blame It On Love”, em tom nitidamente mais grave, e pegou uma guitarra para tocar “Born to Be Wild” (Steppenwolf), com Jack Fahrer, colega de Bento Mello no Nite Stinger, no vocal — e cantando melhor do que se pôde ouvir em sua própria banda.

Foto: Gabriel Gonçalves @dgfotografia.show

Ao fim, Ted já não escondia o sorriso que tentava disfarçar no comecinho da noite — e tantas vezes esboçado durante a noite. Resta saber qual das promessas ele vai quebrar: a de despedida, anunciada pelo evento; ou a de voltar ao Brasil, feita, repito, três vezes pelo cantor ao longo de seu set de pouco menos de 1h30. Espera-se que a primeira. Ninguém, ao menos no Brasil, vai se chatear com mais um falso adeus no hard rock.

Foto: Gabriel Gonçalves @dgfotografia.show

Repertório — Ted Poley:

  1. Horny S.O.B. (Danger Danger)
  2. Youngblood (Tokyo Motor Fist)
  3. Monkey Business (Danger Danger)
  4. Crazy Nites (Danger Danger)
  5. Shot o’ Love (Danger Danger)
  6. Feels Like Love (Danger Danger)
  7. Don’t Walk Away (Danger Danger; com Bruno Sá)
  8. Love (Tokyo Motor Fist; acústica)
  9. F.U.$. (Danger Danger; acústica)
  10. That’s What I’m Talking About (Danger Danger; acústica)
  11. Bang Bang (Danger Danger)
  12. Beat the Bullet (Danger Danger)
  13. I Still Think About You (Danger Danger; com Chez Kane)
  14. Naughty Naughty (Danger Danger; com Chez Kane e Midnite City)
  15. Don’t Blame It On Love (Danger Danger)
  16. Born to Be Wild (original do Steppenwolf; com Ted na guitarra e Jack Fahrer, do Nite Stinger, no vocal)
Foto: Gabriel Gonçalves @dgfotografia.show

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Igor Miranda
Igor Miranda
Igor Miranda é jornalista formado pela Universidade Federal de Uberlândia (UFU), com pós-graduação em Jornalismo Digital. Escreve sobre música desde 2007. Além de editar este site, é colaborador da Rolling Stone Brasil. Trabalhou para veículos como Whiplash.Net, portal Cifras, revista Guitarload, jornal Correio de Uberlândia, entre outros. Instagram, Twitter e Facebook: @igormirandasite.

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