Em março de 1969, a Rolling Stone EUA (EUA, ok? Não culpe a brasileira) publicou uma crítica mordaz a respeito do primeiro álbum do Led Zeppelin, homônimo, lançado dois meses antes. No texto, o jornalista John Mendelsohn descreveu Jimmy Page como “guitarrista muito proficiente, mas produtor limitado e compositor fraco” e definiu o trabalho como muito reminiscente de “Truth” (1968), estreia do Jeff Beck Group — banda comandada por Beck, que, talqualmente Page, era outro egresso do Yardbirds.
Será que Jimmy, o vocalista Robert Plant, o baixista John Paul Jones e baterista John Bonham, este falecido em 1980, sentiram-se afetados por esta e outras muitas críticas negativas ao seu disco inaugural? A história, por si só, indica que não. Mesmo assim, isso é reforçado pelos próprios em “Becoming Led Zeppelin”, documentário dirigido por Bernard MacMahon e produzido por Allison McGourty (ambos responsáveis por American Epic) que chega aos cinemas IMAX do Brasil nesta quinta-feira (27).
Muito rápido, mas nem tanto
Com declarações apenas dos quatro integrantes (Bonzo é representado por uma entrevista até então engavetada) e um recorte que se encerra em janeiro de 1970, o primeiro filme autorizado pelo Zeppelin narra a caminhada contumaz do grupo inglês ao estrelato, algo que, Page reforça, demorou apenas um ano para acontecer. Tudo muito rápido, mas havia razão: quando a banda nasceu, em 1968, tanto ele quanto John Paul Jones eram figuras notórias da indústria musical, pois trabalharam por anos como músicos de estúdio. Além de conhecidos, tinham muito conhecimento acumulado — especialmente o guitarrista, de facto líder de um projeto onde todos se destacavam.
Um dos grandes méritos de “Becoming Led Zeppelin” é, justamente, deixar claro que a história não começa em 1968. As trajetórias pregressas dos quatro integrantes ganham espaço de destaque na narrativa e mostram por que a banda deu tão certo: além do talento geral e do comando obstinado de Page, houve uma união de influências bem distintas. Na verdade, surpreenderia se desse errado.
Jimmy Page tinha como herói Lonnie Donegan, o “rei do skiffle”, mas em seus tempos de músico de sessão, gravou com todo tipo de gente, de Shirley Bassey (em sessão que também contou com JPJ) a The Who. John Paul Jones, único a ter nascido em família de artistas, topava tudo. Foi até organista de igreja, pois pagava bem: 25 libras por ano. Robert Plant estudava para ser contador, mas acabou fisgado pelo rock and roll revolucionário de Little Richard. John Bonham, por sua vez, teve sua vida mudada após assistir ao filme “The Benny Goodman Story” (1956), com a lenda do jazz Gene Krupa — e se apaixonou ainda mais pela bateria quando conheceu o soul de James Brown.
Em comum, além da fome de vitória e de terem iniciado carreira profissional bem cedo, os quatro eram apaixonados pelos Estados Unidos, especialmente pela sua música. Entra, aí, talvez a única grande falha do filme: os integrantes destacam suas influências, mas são raríssimas e muito sutis as menções aos plágios cometidos. Jimmy Page, por exemplo, apenas cita Jake Holmes como “inspiração” para “Dazed and Confused”, mas o artista estadunidense é o autor da composição e precisou acionar o Zeppelin judicialmente, décadas depois, em busca deste reconhecimento. Desbocado, Robert Plant diz sem rodeios que usou versos escritos de “You Need Love” (Willie Dixon) em “Whole Lotta Love”, situação que também rendeu processo e acordo.
Acertos
Fora isso, “Becoming Led Zeppelin” enfileira acertos. A começar por sua existência, tendo em vista que encontrar filmagens da banda em boa qualidade representa uma tarefa hercúlea. Jimmy Page e o empresário valentão Peter Grant tinham abordagem muito protetiva no que diz respeito à imagem do grupo. Eram raras as entrevistas e participações em emissoras de TV e pessoas que tentassem filmar suas apresentações acabavam expulsas do local, também perdendo seus registros.
Focar apenas no período de formação do Zeppelin, sem estender para a década de 1970, se mostrou mais uma boa decisão. O recorte reduzido ajudou a contar a história de um jeito interessante, num tom quase ingênuo e livre de dramas. O máximo de polêmica que se tem é quando Robert insiste com jeitão divertido que Pat, mulher de Bonzo, pedia para o marido ficar longe dele. “Esse cara é encrenca”, dizia a esposa do baterista, falecida ano passado. Não estava errada. No fim das contas, ela se tornou grande amiga de Maureen, cônjuge do cantor, o que aliviou seu julgamento.
O mencionado tom ingênuo se mantém com a decisão de oferecer pouco contexto da época à narrativa. O Zeppelin foi fundado no “ano que não terminou”, quando ocorreram os assassinatos de Martin Luther King e de Robert Kennedy, o início da Guerra do Vietnã e manifestações contra ela, a Guerra Fria e regimes autoritários pelo mundo. Alguns desses acontecimentos são apresentados ao público junto a outros ocorridos em 1969 de modo sutil, com pinceladas visuais em trechos de performances da banda. Se muito, comenta-se que o Zeppelin conquistou seu primeiro disco de ouro um dia após o retorno da missão Apollo 11, responsável por levar o homem à Lua pela primeira vez.
Nem mesmo artistas contemporâneos são citados. Entre as raras exceções, estão os Beatles, para dizer em um recorte de jornal que o Zeppelin os ultrapassou nas paradas em determinado momento, e o Vanilla Fudge, responsáveis por levá-los para sua primeira turnê — em dado momento, John Paul Jones reconhece que John Bonham e o baterista do grupo colega, Carmine Appice, “imitavam um ao outro”. Appice, ao longo das décadas, garantiu que só Bonzo o copiava.
À frente de seu tempo
Embora as entrevistas sejam exclusivas, não há tanta informação inédita em “Becoming Led Zeppelin”. Ainda assim, a forma como a história é apresentada também representa um grande mérito, já que a obra compila um grande volume de dados, “mastiga” e exibe tudo isso em aproximadamente duas horas, com direito a alguns vídeos de apresentações dos primórdios do grupo.
Mas o grande êxito do filme está em conseguir traduzir e explicar para o público por que o Led Zeppelin estava à frente de seu tempo. Eram e ainda são um raríssimo caso de banda que tinha controle de todo o processo criativo e de sua imagem. Os recursos e o conhecimento de Jimmy Page, que pagou do próprio bolso as sessões em estúdio do primeiro álbum, possibilitaram a imposição de limites à gravadora, Atlantic Records: as gravações master seriam dele, o selo não poderia lançar singles (pois o foco estava nos álbuns) e tudo precisaria passar pela aprovação dos músicos. Se um documentário como “Becoming Led Zeppelin” existe neste formato sem polêmicas e com foco na música, é por conta disso.
O controle era tamanho que Page, também, exerceu função de produtor em todos os discos do Zeppelin. Contou com auxílio de engenheiros de som, mas nada além. Equivocadamente descrito como “fraco” por Mendelsohn, o guitarrista tinha uma visão bem definida do que essa banda deveria ser — e conseguiu executá-la, inclusive por meio de técnicas de produção inovadoras, algumas delas descritas no filme.
Devido ao formato, trata-se de um documentário recomendado para iniciados na trajetória do grupo e curiosos por música, especialmente aquela praticada nas décadas de 1950 e 1960. E será que vai ter continuação, para abordar os anos seguintes? Difícil. Lembrado até hoje pela sabedoria na hora de parar (em 1980, com a morte de John Bonham) e pela proteção à sua imagem, o Zeppelin não aceitaria espremer sua história em mais filmes e se colocar em uma situação onde seria obrigado a abordar polêmicas.
*“Becoming Led Zeppelin” estreia em cinemas IMAX do Brasil nesta quinta-feira (27).
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