Cantar sem acompanhamento no palco requer confiança. Não há onde se esconder, e tudo que um artista toca ou canta pode se voltar contra. É uma posição bem vulnerável, mas Lianne La Havas está acostumada com isso.
Ao longo de três álbuns de estúdio, a cantora e compositora inglesa construiu para si uma obra calcada em cima de vulnerabilidade. Suas músicas frequentemente evocam esse sentimento. Todavia, o grande trunfo é o clima acolhedor dessas canções. O ouvinte consegue empatizar com as emoções descritas.
Na noite chuvosa da última quinta-feira (22), Lianne, que está em turnê pelo Brasil — tocou na edição soteropolitana do festival Afropunk e fará duas datas em São Paulo, uma delas abrindo para Lenny Kravitz —, usou a vulnerabilidade de suas canções e de subir sozinha ao palco do Circo Voador para criar um ambiente único. A apresentação que se desenrolou foi especial.
O público cantava junto de início como se fosse um eco, o mar quebrando ao longe. Pouco a pouco, as pessoas se animavam mais, graças à personalidade convidativa da cantora, que chegou a incluir “Fairytale” no set após um pedido de fã no Instagram. Ela conversava com a plateia, fazia piadas e agia como se estivesse em casa.
Não é de se espantar, visto que Lianne demonstrou nos últimos anos uma afinidade enorme com o Brasil. A cantora até aproveitou para estrear uma canção nova, composta por aqui em 2023, que ela revelou se chamar “Beija-Flor”, sua palavra preferida em português. O segundo lugar desse ranking, ela disse, pertence a “abobrinha”. O público caiu na risada com esse comentário.
Quando seu tecladista e baterista entraram para lhe acompanhar no meio do set — o primeiro antes de “Green Papaya” e o segundo, precedendo “Green & Gold” —, o som tomou sua forma final. Uma versão robusta e suingada de soul com elementos de jazz e funk que não tem comparação instantânea. Seja na já mencionada “Green & Gold”, no cover sensacional de “Weird Fishes” (original do Radiohead) ou na magnífica “Bittersweet”, La Havas demonstra a capacidade de pegar um legado musical multigênero de décadas, combiná-lo e fazê-lo soar novo.
Entretanto, a sensação que perdura dessa apresentação é de intimidade. Muito se fala sobre clima intimista em shows, mas na maioria dos casos é apenas um eufemismo para “quieto”. Lianne explorava toda a dinâmica sonora do ambiente, indo de quase sussurros para fraseados na qual sua voz parecia desabrochar e espantar a plateia.
Durante a primeira canção do bis, “No Room for Doubt”, ela até lançou um convite ao público: quem sabia a letra e queria cantar com ela poderia subir. O escolhido foi um moço identificado como Fábio, que surpreendeu todos os presentes por sua voz de crooner grave.
A impressão era de estarmos na sala de sua casa e ela era a anfitriã em vez de atração musical. Quando precisava se retirar, falava como se precisasse atender um telefone ou ir na cozinha checar a comida durante um jantar. O público não parecia pagante, mas convidado dela. E tudo indicou que a maioria presente gostaria de receber o chamado novamente.
Lianne La Havas — ao vivo no Rio de Janeiro
- Local: Circo Voador
- Data: 21 de novembro de 2024
- Produção: 30e
Repertório:
1. Courage
2. Tease Me
3. Ghost
4. Fairytale
5. Green Papaya
6. Lost & Found
7. Green & Gold
8. Read My Mind
9. Paper Thin
10. Beija-Flor (inédita)
11. Blood
12. Can’t Fight
13. Seven Times
14. Weird Fishes (cover de Radiohead)
Bis:
15. No Room for Doubt (com fã da plateia)
16. Bittersweet
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