Três das cinco principais atrações do dia dedicado ao rock no Rock in Rio 2024 tiveram, em algum ponto, algum problema técnico grande envolvendo microfones ou retorno. Isso provocou atraso para uma banda, susto rapidamente superado por outra e uma situação incontornável que condenou uma performance a piadas online no terceiro caso.
Festivais são um terreno fértil para esse tipo de situação pela falta de passagens de som adequadas. Porém, o que se viu na Cidade do Rock no último domingo (15) acabou tirando o foco de todo o resto.
Toda e qualquer discussão sobre o estado do gênero em 2024 era saudável se aquele era o lineup selecionado — a curadoria do Rock in Rio não é exatamente o barômetro mais adequado — ficou para trás. Ou não, porque sempre há aqueles capazes de usar problemas técnicos para declarar a morte do estilo musical.
A questão essencial é que, fora essas gafes, o dia do rock proporcionou uma imagem clara de como bandas questionadas justificaram seu status e novos nomes merecem um espaço maior no futuro. Além de como o festival tenta se ater a uma memória que em certos casos o presente não lembra em nada.
O dia do rock no Rock in Rio 2024
Passado do BRock
O transporte para a Cidade do Rock, localizada no Parque Olímpico no Rio de Janeiro, foi extremamente eficaz para quem queria ver os shows. Infelizmente, no caso de quem precisava apanhar credencial de imprensa em outro lugar, isso significou uma novela enorme e confusa. Tudo isso para dizer que o dia começou na metade da apresentação do Barão Vermelho no Palco Sunset.
O papel da banda carioca na história do Rock in Rio é documentado à exaustão, mas em 2024 trata-se de uma situação curiosa. O Barão não conta mais com as duas figuras centrais, Cazuza e Frejat, mas mesmo assim segue adiante.
Rodrigo Suricato é um vocalista e guitarrista habilidoso, todavia o grupo parece mais um tributo. O fato deles tocarem até canções solo do frontman que não faz mais parte da formação, ainda que a composição tenha a colaboração do tecladista ainda remanescente Mauricio Barros, apenas reforça isso.
Terminado o show do Barão, foi hora de ver um pedaço d’Os Paralamas do Sucesso abrindo o Palco Mundo. Após um show rápido da Esquadrilha da Fumaça, o trio formado por Herbert Vianna, Bi Ribeiro e João Barone subiu ao palco e fez um show com a competência normalmente associada ao grupo. Hits atrás de hits.
Black Pantera
Enquanto isso, este jornalista estava atrás era do Palco Supernova. A área da Cidade do Rock é gigantesca, e a sinalização estava um tanto confusa. Até mapas ilustrados não pareciam refletir perfeitamente a realidade geográfica do festival.
Foi preciso uma volta enorme para encontrar o espaço onde estava prestes a ver talvez o melhor show do dia.
O Black Pantera criou para si um hype incrível e justificado. É uma das bandas mais importantes do país no momento, seja por sua forte postura política, mensagem antirracista ou pelo fato da música ser uma mistura enxuta de thrash, groove metal e hardcore. Não existe um grama de gordura nas canções deles.
O que espanta no show é como as canções do álbum mais recente, “Perpétuo” (2024), soam mais pesadas ao vivo. O baixo de Chaene da Gama tem um destaque muito grande, evocando Bad Brains em um momento para lembrar o estilo quase lead de Cliff Burton (Metallica) alguns segundos depois. Enquanto isso, o vocalista e guitarrista Charles Gama comandava o público com muito carisma, orientando o público a se agachar, pular e fazer rodinhas em meio a várias piadas sobre Dorflex.
O grande momento da apresentação foi quando dona Guiomar, a mãe de Chaene e Charles, subiu ao palco após a banda tocar “Tradução”, música dedicada às dificuldades passadas pela família ao longo dos anos. No final do show, o pai deles também apareceu durante “Boto Pra F#der”.
O público cantou junto com as músicas, colocou os punhos no ar como os integrantes — e havia muita gente branca na plateia, o que fez a imagem ganhar um contorno inusitado — e no final a impressão distinta foi do grupo estar nesse momento grande demais para aquele espaço. Vale recordar que o trio completo pelo baterista Rodrigo Pancho se apresentou junto do Devotos no palco Sunset da edição 2022.
Planet Hemp
O próximo show foi o Planet Hemp no Sunset. Maior público do dia até então. Parte da banda tocou dentro de estufas, em cenário similar ao visto na gravação de seu DVD meses atrás em São Paulo, enquanto Marcelo D2 e BNegão entregaram a mesma energia de sempre.
O grupo sempre usou a legalização da maconha como trampolim para abordar questões relacionadas ao Estado carcerário, racismo e ambientalismo, então, quando eles chamaram atenção às queimadas que assolam o país — exigindo punição não apenas para quem ateou fogo, mas para quem mandou —, a mensagem pareceu incrivelmente coerente.
Em um desses momentos, BNegão disse:
“Vários filhos da p*ta mandando tacar fogo no Brasil inteiro. Que p*rra é essa, mermão? Vão se f*der, seus filhos da p*ta. E não quem está tacando fogo, mas quem está mandando tacar fogo. Só barão do agronegócio, só falso pastor gigante. Fiquem de olho, Brasil. Palestina livre!”
O show esbanjou energia, com rodinhas enormes que se abriam na plateia. Ao final, Pitty apareceu e tocou com a banda uma versão de “Admirável Chip Novo” que o Planet Hemp fez para o projeto de regravação da estreia clássica da cantora, “(Re)Ativado”. “Teto de Vidro” e uma mistura de “Mantenha o Respeito” com “Máscara” fecharam o set, apesar das intenções positivas, de maneira estranha.
De lá, deu para pegar parte do set da Crypta novamente no Palco Supernova. A banda paulista de death metal tem conseguido muita atenção desde sua formação em 2019, algo inesperado considerando o estilo. Isso se provou pela quantidade considerável de pessoas presentes para assistir à performance Fernanda Lira (voz e baixo), Luana Dametto (bateria), Tainá Bergamaschi (guitarra) e Jéssica di Falchi (guitarra), apreciando a música extrema que era tocada.
Journey e Incubus
Infelizmente, o Palco Mundo chamou e Crypta precisou ficar para trás. O Journey começou 19h em ponto e desde as primeiras notas que saíram da garganta de Arnel Pineda, era claro algo estar muito errado.
O vocalista não conseguia se ouvir, por isso, patinou feio em várias músicas do set. Além disso, o grupo americano colocou os hits na segunda metade do show, então quando chegou a hora de lembrarem o público carioca de seu legado, estavam lutando contra a má impressão criada até então.
O saldo final foi o pior show do dia. Clique para ler texto completo sobre o show do Journey no Rock in Rio 2024.
Já o Incubus fez um show competente, mas sem muito brilho. Alguém nas redes sociais apontou durante a apresentação como “Drive” basicamente soa como “Múmias”, do Biquini (ex-Cavadão) — e a partir daquele ponto não era possível pensar em outra coisa. Desculpas a Brandon Boyd e cia, Bruno Gouveia e seus companheiros merecem justiça.
Algo que ficou claro ao longo do dia foi: apesar do festival declarar que os ingressos de domingo estavam esgotados, havia muito espaço para se locomover. Era fácil andar entre palcos, encontrar uma posição no meio da muvuca, até sentar ou deitar nas áreas de grama sintética. Filas andavam com tranquilidade e vendedores ambulantes serviam pessoas tranquilamente. Jornalistas que cobriram sexta (13) e sábado (14) disseram que era quase impossível se mexer nessas datas.
Evanescence
Logo chegou a hora da segunda gafe técnica do dia. O show do Evanescence deveria começar às 21h20 e o público chegou a escutar uma introdução vocal de Amy Lee antes do som ser cortado abruptamente.
Quase dez minutos de incerteza se seguiram antes da banda subir ao palco. A transmissão do Multishow comunicou ter sido um defeito no fone in-ear de retorno da cantora. Dada a qualidade dos vocais no começo do show, muitos fizeram piadas de playback. Não demorou a ficar claro, porém, que a americana executava suas partes de verdade.
O maior público da noite estava absorto na performance. Cantavam junto com as canções mais famosas e se emocionavam.
O Evanescence sempre teve um público extremamente fiel no Brasil e isso se provou no domingo à noite quando a plateia fechou a performance num dueto coletivo de “Bring Me to Life” — com os fãs assumindo a voz masculina no refrão. Clique para ler texto completo sobre o show do Evanescence no Rock in Rio 2024.
Deep Purple
A regra de três se manifestou às 22h45 no Palco Sunset. O Deep Purple começou seu show com a introdução instrumental de “Highway Star”, mas quando chegou a hora de Ian Gillan fazer sua entrada triunfal, silêncio. Seu microfone não estava funcionando.
A banda seguiu em frente, super profissional. O vocalista só começou a ser ouvido após o primeiro refrão. Depois, conseguiu um equipamento substituto em funcionamento.
Gillan pareceu um tanto abalado de início pelo problema técnico e sua performance pareceu mais instável que o normal por isso — ainda que tenha se recuperado com o desenrolar do set.
Entretanto, o Deep Purple fez uma estreia de respeito no festival. O grupo vem regularmente ao Brasil e construiu para si um público fiel, que se manifesta com entusiasmo o tempo inteiro.
Apesar de todo mundo conhecer “Smoke on the Water”, os momentos mais empolgados da plateia foram o bis com “Hush” (cover de Joe South) e “Black Night”, quando os brasileiros cantaram junto até do riff principal. A primeira vez deles no Rock in Rio demorou a vir, mas foi memorável. Clique para ler texto completo sobre o show do Deep Purple no Rock in Rio 2024.
Avenged Sevenfold
Com o fim do show dos ingleses, chegou a hora do headliner. Ter os americanos do Avenged Sevenfold como a atração principal do dia do rock foi uma aposta arriscada do festival, pois muitos não os viam nesse nível.
Entretanto, era possível ver vários fãs desde cedo ostentando camisetas e até algumas tatuagens deles. Apesar de não virem ao Brasil há dez anos, eles construíram um público forte, o que se provou durante a performance.
A plateia cantava junto até mesmo músicas dos álbuns mais recentes, os polarizantes “The Stage” (2016) e “Life is But a Dream…” (2023). Hits clássicos como “Afterlife” e “Nightmare”, então, nem se fala.
A produção era bem elaborada, com luzes, vídeo e pirotecnia. Dava para sentir o calor das labaredas disparadas contra o céu da Barra a quase 100 metros do palco.
A única crítica a se fazer de verdade sobre a apresentação se refere à voz de M. Shadows. O cantor já passou por problemas vocais sérios na carreira, e seu gogó mostrou sinais de exaustão desde o começo do show.
Não que importasse para o público carioca. A impressão ao final era de uma plateia feliz, e se a principal atração da noite é capaz de mandar o pessoal de volta pra casa com sorriso no rosto, isso é um sucesso. Clique para ler texto completo sobre o show do Avenged Sevenfold no Rock in Rio 2024.
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