Blues Pills traz em “Birthday” emoção e reflexão, apesar de som desnutrido

Produção levemente aquém do esperado no quarto álbum de estúdio da banda sueca é compensada com grandes canções

Gravar um álbum ao vivo em estúdio, como feito pelo Blues Pills em “Birthday”, oferece tanto vantagens quanto desvantagens. O principal ponto positivo é a captura da energia e da espontaneidade de uma apresentação ao vivo, o que pode resultar em uma performance mais visceral e autêntica. Mas, ao contrário de um registro tradicional, onde cada instrumento e vocal são feitos separadamente, tem-se menos controle sobre o resultado final, além de maior dificuldade na mixagem.

Não é equivocado afirmar que “Birthday” exemplifica bem essa dualidade. Em seu quarto álbum de estúdio, o grupo sueco entrega o que, possivelmente, são algumas de suas melhores canções, mas o som do disco produzido por Freddy Alexander é, como um todo, desnutrido — falta volume, presença, pressão — em comparação ao seu antecessor direto, o ainda inigualável Holy Moly! (2020), em que todas as peças se encaixaram com uma perícia obstétrica.

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E por falar em obstetrícia, à gravidez da vocalista Elin Larsson foi atribuída a causa pela qual o trabalho se deu dessa maneira e resultou de tal forma. Além da correria — o quarteto, completado por Zack Anderson na guitarra, André Kvarnström na bateria e Kristoffer Schander no baixo, alega ter dado conta de tudo em pouco mais de um mês —, a iminência de dar à luz parece ter conduzido a escrita das letras a uma seara mais reflexiva e até emotiva se comparado ao tom em geral de protesto, empoderamento feminino e autoafirmação particular à banda; aqui, basicamente restrito à faixa-título, que abre o repertório com uma resposta a um assédio sofrido por Larsson no México.

Aliás, “Birthday” (a música) assusta de leve por dar um passo largo em direção a uma, não sei se tão bem-vinda, maior “acessibilidade”. Criar um mundo onde todos se sintam valorizados e capazes de realizar seus sonhos é lindo, mas a música do Blues Pills não é do tipo que requer (mais) rampas e elevadores. Embora se defina como “heavy psychedelic blues rock”, o quarteto já mastigou essas camadas o bastante para obter um som, se não único, ao menos capaz de arregimentar ouvidos tanto incautos quanto veteranos.

Na sequência, “Don’t You Love It” revela-se a escolha óbvia para single graças a um refrão que incorpora o espírito do #Sextou, não obstante versos como “Shine like the world has just begun” (“Brilhe como se o mundo tivesse acabado de começar”) parecerem direcionados ao vindouro rebento. “Você está ouvindo Amy Winehouse?”, quis saber minha esposa ao pegar “Bad Choices” por tabela. Nos 30 segundos iniciais, até que lembra mesmo, mas o potente refrão, em registro incomumente alto no conjunto da obra, é inimaginável na voz da saudosa cantora britânica. O solo em harmonia é um afago por si só.

“Top of the Sky” traz o desempenho mais emotivo de Larsson no disco e, quiçá, em toda a discografia do Blues Pills; uma declaração de amor estilo Adele e a promessa de sentimento inabalável e duradouro que só a chegada de um filho é capaz de despertar. Em “Like a Drug”, o que mais chama a atenção são as sutilezas: violão, arremates certeiros em slide guitar e backing vocals de caráter ambiente em uma tapeçaria ora sessentista ora hodierna. Há uma volta ao blues rock — mais rock do que blues — em “Piggyback Ride”, onde o baixo toma para si o protagonismo em versos que não fariam feio no set de um Arctic Monkeys da vida.

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Não fosse pelo refrão, “Holding Me Back” passaria batida. Já “Somebody Better” não só se projeta acima do contexto, como se insinua entre o que de melhor o grupo já fez em seus 13 anos de estrada. Um blues carregado em que timbres de ontem lançam a sombra sobre uma letra de hoje cujo maior predicado é a atemporalidade. “You fight me like a soldier, then come back crying on my shoulder” (“Você briga comigo como um soldado, depois volta chorando em meu ombro”) serve como um lembrete aos casais de que ninguém nunca sai vencedor de uma briga. “Shadows” preserva o revestimento blueseiro, mas demora até finalmente engrenar num trabalho de guitarra formidável de Anderson.

Irmã de espírito de “Top of the Sky”, “I Don’t Wanna Get Back on That Horse Again” faz reemergir a emotividade mais hormonal de uma Larsson desesperada para ser liberta dos próprios fantasmas; e sua alforria parece vir no que é, com ampla vantagem, o melhor solo de Anderson no disco. “Tell me now how did your heart get so blackened?” (“Diga-me agora como seu coração ficou tão obscuro?”), questiona a letra da derradeira “What Has This Life Done to You”, na qual o interlocutor poderia muito bem ser aquele amigo de longa data que acabou seduzido pelo discurso da extrema direita ou daqueles que negam a ciência com base em argumentos tirados sabe-se lá de onde.

“O que é mais rock’n’roll do que isso? Criar vida humana e música ao mesmo tempo”, disseram eles em material promocional. Pois lhes digo: é conseguir com êxito. No fim das contas, a desnutrição sonora se dissolve no sangue, no suor e nas lágrimas deste “Birthday”.

*Ouça “Birthday” a seguir, via Spotify, ou clique aqui para conferir em outras plataformas digitais.

*O álbum está na playlist de lançamentos do site, atualizada semanalmente com as melhores novidades do rock e metal. Siga e dê o play!

Blues Pills – “Birthday”

  1. Birthday
  2. Don’t You Love it
  3. Bad Choices
  4. Top of the Sky
  5. Like a Drug
  6. Piggyback Ride
  7. Holding Me Back
  8. Somebody Better
  9. Shadows
  10. I Don’t Wanna Get Back on That Horse Again
  11. What Has This Life Done to You

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Marcelo Vieira
Marcelo Vieirahttp://www.marcelovieiramusic.com.br
Marcelo Vieira é jornalista graduado pelas Faculdades Integradas Hélio Alonso (FACHA), com especialização em Produção Editorial pela Universidade Estadual Paulista (UNESP). Há mais de dez anos atua no mercado editorial como editor de livros e tradutor freelancer. Escreve sobre música desde 2006, com passagens por veículos como Collector's Room, Metal Na Lata e Rock Brigade Magazine, para os quais realizou entrevistas com artistas nacionais e internacionais, cobriu shows e festivais, e resenhou centenas de álbuns, tanto clássicos como lançamentos, do rock e do metal.

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