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Com ex e atuais membros, Replicantes repassa 40 anos de punk rock em SP

Diferentes gerações se alternam e se unem para mostrar ao público do Sesc Avenida Paulista a consistência de um dos grandes nomes nacionais do gênero

As enchentes trágicas ocorridas no Rio Grande do Sul surtiram mais um efeito colateral na agenda cultural do país, que indiretamente envolveu São Paulo. O Replicantes precisou adiar um show em Porto Alegre a alto custo: o evento celebraria os 40 anos da estreia do grupo nos palcos, com atuais e todos os ex-integrantes de sua história. A nova data é 15 de agosto, quase três meses depois do 16 de maio originalmente programado. Estão mantidas as captações de som e imagem da performance para lançamento posterior de material ao vivo.

Foi um percalço que destoou das demais bem-sucedidas atividades que estavam ocorrendo simultaneamente: uma exposição temática no Museu do Trabalho, produção de um documentário e uma biografia em livro contando a história da banda e relançamento do elogiado primeiro disco “O Futuro é Vortex”.

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Como reflexo, a estreia do show comemorativo se deu no Sesc Avenida Paulista, em São Paulo, com duas datas esgotadas com considerável antecedência. Subiram ao palco a formação atual, composta por Júlia Barth (vocal), Cláudio Heinz (guitarra), Heron Heinz (baixo) e Cleber Andrade (bateria), e os ex-integrantes Wander Wildner (vocal), Carlos Gerbase (bateria e vocal) e Luciana Tomasi (backing vocal). Uma atualização do encontro que também aconteceu na celebração dos 30 anos de carreira.

Foto: Gustavo Diakov / @xchicanox

Alternância com qualidade

Enganou-se quem esperava que estariam todos juntos no palco desde o começo. Pouco depois do horário marcado, a formação atual, com exceção de Cleber substituído por Gerbase, inicia o show. Um breve “boa noite” para quebrar o gelo e a pancadaria começa ao som de “Nicotina”.

Foto: Gustavo Diakov / @xchicanox

Antes da próxima música, “Sandina”, Wander Wildner, a voz dos principais hits, sobe ao palco enquanto Júlia o deixa. A inesperada alternância ajuda a entender bem como o Replicantes está fartamente bem servido de vocalistas performers — e como o estilo de cada um é diferente.

Wander se assemelha ao Pica Pau maluco. Sorriso fixo, olhar randômico arregalado e dança própria, que não depende do andamento da música para ocorrer. Vem a calhar, pois estamos falando de uma banda politizada, mas ao mesmo tempo irreverente.

Foto: Gustavo Diakov / @xchicanox

“Sandina”, a mencionada música que trouxe o Jim Carrey do punk rock ao palco nesta noite, transparece essa junção. É uma canção do espectro romântico — mais especificamente do setor de dor de cotovelo — em que um casal se desfaz por interferência de um revolucionário anti-imperialista especialista em granada (de mão). Não é para qualquer um entregar esse serviço ali, ao vivo, e o Wander o faz com facilidade.

Foto: Gustavo Diakov / @xchicanox

Blitz com Garotos Podres

Uma decisão que careceu de sentido foi já apresentar o hit mais popular logo na terceira música do set. “Surfista Calhorda” trouxe a casa abaixo, mas reforçou a distância entre os vocalistas. Não era para ser uma união de todas as épocas?

A partir de “Boy do Subterrâneo”, Gerbase, que cede o lugar na bateria para Cleber Andrade, e Luciana passam a ser os vocalistas. O clima de insanidade continua. A sintonia entre os dois, que contrastava com a performance mais estática de Cláudio e Heron Heinz, lembrou a dinâmica entre Evandro Mesquita e Fernanda Abreu.

Foto: Gustavo Diakov / @xchicanox

Eis um bom jeito para descrever o Replicantes para quem não os conhece: é um meio do caminho entre Blitz e Garotos Podres. Impossível não fazer essa associação em “Negócios à Parte” ou em “Só Mais Uma Chance”, esta contando com um verso (“eu te amo para sobreviver”), até pela forma que é apresentada, que deixa clara a qualidade das letras, tanto pela abordagem original quanto pelo desprendimento à luta contra a hegemonia, qualquer que seja ela. A revolta é importante, mas descansar e se divertir também.

Mas que fique claro: é tudo bem dosado. Bandas bem humoradas correm o risco de serem punidas por serem vistas como meramente engraçadinhas e isso seria um erro fatal neste caso.

Foto: Gustavo Diakov / @xchicanox

Wander Wildner volta enquanto Cláudio e Luciana vão para o banco e canta, depois de “Astronauta”, “África do Sul”, que vai direto na veia: “Na África do Sul é tempo de Zulu, é tempo de vingança / É tempo de matança / Cansado de apanhar, cansado de miséria, o negro vai matar / O negro vai caçar o branco”.

Foto: Gustavo Diakov / @xchicanox

Seriedade e bis

Júlia, que havia sumido desde a primeira música, retorna e assume sozinha os vocais a partir de “Tom & Jerry” e a coisa fica séria. É dessa música que vem o lema “seja punk, mas não seja burro”, título do vindouro documentário e frase estampada na ecobag disponível na banca de merchandising. É punk da velha escola, que sabia que bater na esquerda é tão saudável quanto na direita: “Capitalismo e comunismo são disfarces do fascismo (…) Anarquia é utopia faça uma todo dia”.

É clima de confronto pero no mucho. Júlia é brava, mas não poupa elogios aos outros vocalistas, não se limitando a chamá-los ao palco quando chegasse a vez deles. O que leva um tempo para acontecer. Ela, que é a vocalista atual, permanece sozinha durante oito músicas, a parte maior e mais ácida do setlist. Tem para todo mundo: “Libertà” (“por Deus culpados e por fardas ameaçados”), “Censor” (“Na bandeja com couve-flor / eu quero a cabeça do censor”) e, principalmente, “Punk de Boutique” (“Não quero ser um fascista (…) Eu prefiro ser punk de boutique / Eu prefiro ser Socióloga de boutique”, e ainda acrescentou: “se bem que toda socióloga é de boutique”).

Foto: Gustavo Diakov / @xchicanox

É no bis que a tão esperada junção de todos os poderes acontece. Tal qual o Abba, as duas mulheres e os dois homens se dividem para cantar os grandes clássicos “Festa Punk” e, pela segunda vez, “Surfista Calhorda” — aí sim, do jeito que deveria ser. O palco ficou pequeno para tanta energia, a ponto de Gerbase descer para pogar e pular no meio da plateia.

Foto: Gustavo Diakov / @xchicanox

Não era impressão: a overdose de frontmen e frontwomen de qualidade deveria ter sido usada a favor da banda desde o começo do show. Uma solução tipo Titãs viria bem a calhar para o Replicantes.

Ainda assim, foi um privilégio para São Paulo presenciar em primeira mão o passeio pela discografia de uma banda tão original e que ainda tem muita contribuição a dar ao rock brasileiro.

Foto: Gustavo Diakov / @xchicanox

Replicantes — ao vivo em São Paulo

  • Local: Sesc Avenida Paulista
  • Data: 5 de julho de 2024

Repertório:

  1. Nicotina
  2. Sandina
  3. Surfista Calhorda
  4. O Futuro é Vórtex
  5. Boy do Subterrâneo
  6. Negócios à Parte (Catarina)
  7. Só Mais Uma Chance (Pin Up)
  8. Hippie, Punk, Rajneesh
  9. Astronauta
  10. África do Sul
  11. Ele Quer Ser Punk
  12. Tom & Jerry
  13. Libertà
  14. Censor
  15. Punk de Boutique
  16. One Player
  17. Chernobil
  18. Maria Lacerda
  19. Mentira

Bis:

  1. Festa Punk
  2. Surfista Calhorda
Foto: Gustavo Diakov / @xchicanox
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Rolf Amaro
Rolf Amarohttps://igormiranda.com.br
Nasceu em 83, é baixista do Mars Addict, formado em Ciências Sociais pela USP. Sempre anda com o Andreas no braço, um livro numa mão e a Ana na outra.

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