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Mr. Big se despede em paz e curiosamente renovado com “Ten”

Décimo e, ao que tudo indica, último álbum traz banda solta e mais disposta a abraçar influências do que replicar passado

É puro exercício de especulação, mas se os integrantes do Mr. Big soubessem a quantidade de percalços que enfrentariam após o retorno em 2009, talvez nunca tivessem encerrado atividades em 2002. Quem sabe Paul Gilbert teria permanecido na banda em vez de sair em 1999.

A retomada das atividades com a formação clássica, composta por Gilbert, Eric Martin (voz), Billy Sheehan (baixo) e Pat Torpey (bateria) originou o bom álbum “What If…” (2011) e bastante atividade em turnê. Somente no ano em que o disco saiu, foram mais de 90 shows em todo o mundo — inclusive o Brasil, marcando um retorno ao país depois de 17 anos.

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Estava tudo bem… até que Pat descobriu e tornou público, em 2014, um diagnóstico de Parkinson, doença que o deixaria debilitado até sua morte, quatro anos depois. Neste período, ele seguiu excursionando com o grupo, mas apenas na função de percussionista e backing vocal. Matt Starr (Ace Frehley, Burning Rain, Beautiful Creatures etc) o substituiu na bateria.

O disco “…The Stories We Could Tell” (2014) foi gravado já em um cenário de indefinição — e foi parcialmente comprometido por isso. Já seu sucessor, “Defying Gravity” (2017), dividiu opiniões até mesmo dentro da banda, motivando críticas dos músicos à gravadora, Frontiers. Nem da capa eles gostaram. Tudo foi feito na pressa — o que rendeu um resultado abaixo da média para os padrões do grupo.

Findados os compromissos previamente agendados da turnê que promoveu “Defying Gravity”, a ideia era acabar com o Mr. Big ali mesmo. Ninguém queria seguir sem Torpey. Um triste fim para uma banda que, uma década antes, tinha ambições bem maiores.

Martin, Gilbert e Sheehan se ligaram nisso e resolveram voltar, mesmo que para dizer “adeus” de uma forma mais adequada. Nasceram assim a turnê de despedida “The Big Finish” — que passou pelo Brasil em abril último — e, meio que do nada, “Ten”, décimo e — ao que tudo indica — último álbum do grupo, agora completo por Nick D’Virgilio (Genesis, Tears for Fears, Big Big Train, Spock’s Beard), já que Starr era visto como um substituto incompleto por não ser tão bom nos backing vocals.

“Ten”, felizmente, não carrega melancolia alguma. É uma despedida em estado de paz. Apresenta até mesmo uma banda renovada, seja pela presença de D’Virgilio, seja por reinventar-se como um grupo de bluesy hard rock com capricho extra na melodia. O virtuosismo que os notabilizou segue presente, mas em doses menores, com redução da clássica dinâmica cruzada de Gilbert e Sheehan. Além disso, como nos shows, os timbres são mais secos, menos “cortantes”.

A abertura “Good Luck Trying” é, talvez, o melhor reflexo de tudo isso. Claramente inspirada pelo groove de “Manic Depression” (The Jimi Hendrix Experience), a faixa é enraizada no blues, mas ao estilo Mr. Big. A sequência com a pop-rock “I Am You” e a ligeiramente alternativa “Right Outta Here” — esta, remetendo ao nem sempre apreciado álbum “Hey Man” (1996) — soa curiosamente ousada, já que o pedaço inicial do disco toca em diferentes territórios de uma vez só.

Tal alternância marca o restante da tracklist. “Sunday Morning Kinda Girl” meio que agrega tudo isso no mesmo lugar: tem riffs bluesy com um andamento pop-rock marcado por violão ao fundo, arranjos Beatlescos e até palminhas. Faz até a faixa seguinte, a arrastada balada “Who We Are”, soar monocromática.

Outra com marcação de violão ao fundo, “As Good As It Gets” volta a canalizar influências das antigas: meio Beatles, meio The Who, com guitarras à la Brian May. Saiu daí um dos melhores trabalhos de bateria do detalhista Nick D’Virgilio em todo o disco. “What Were You Thinking” talvez seja a faixa mais Mr. Big de todo o disco. Ainda que baseada no blues, traz linhas de guitarra mais soltas e ritmo ligeiramente mais acelerado.

O encerramento de “Ten” fica a cargo de duas faixas previsíveis — “Courageous”, com um incômodo pé no freio, e “Up on You”, que ao menos capricha nos ganchos melódicos — e, agora sim, uma balada com o padrão de qualidade do grupo: a linda “The Frame”, uma prima estrutural de “Dancin’ Right Into the Flame”. A versão disponível no streaming ainda conta com a faixa bônus “8 Days On The Road”, despojado cover de Foghat com Paul nos vocais.

Fãs que ainda não se acostumaram com o Mr. Big de 2024 podem estranhar “Ten” em uma primeira audição. Na posição de um possível álbum final, não são repetidos vários padrões notados nos discos mais populares do grupo.

Mas o charme está justamente aí. Um cantor de 63 anos, um baixista de 71 e um guitarrista de 57 mostrando que não soam — e nem tentam soar — como caricaturas de si. Limitações técnicas precisam ser consideradas, mas, especialmente, gostos e ambições artísticas mudam. É o que transforma “Ten” numa audição gostosa e deixa a positiva impressão de que, inelutabilidade do tempo à parte, havia mais lenha para se queimar.

*Ouça “Ten” a seguir, via Spotify, ou clique aqui para conferir em outras plataformas digitais.

*O álbum está na playlist de lançamentos do site, atualizada semanalmente com as melhores novidades do rock e metal. Siga e dê o play!

Mr. Big — “Ten”

  1. Good Luck Trying
  2. I Am You
  3. Right Outta Here
  4. Sunday Morning Kinda Girl
  5. Who We Are
  6. As Good As It Gets
  7. What Were You Thinking
  8. Courageous
  9. Up On You
  10. The Frame
  11. See No Okapi (Instrumental – Japan Bonus Track)

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Igor Miranda é jornalista formado pela Universidade Federal de Uberlândia (UFU), com pós-graduação em Jornalismo Digital. Escreve sobre música desde 2007. Além de editar este site, é colaborador da Rolling Stone Brasil. Trabalhou para veículos como Whiplash.Net, portal Cifras, revista Guitarload, jornal Correio de Uberlândia, entre outros. Instagram, Twitter e Facebook: @igormirandasite.

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Décimo e, ao que tudo indica, último álbum traz banda solta e mais disposta a abraçar influências do que replicar passado

É puro exercício de especulação, mas se os integrantes do Mr. Big soubessem a quantidade de percalços que enfrentariam após o retorno em 2009, talvez nunca tivessem encerrado atividades em 2002. Quem sabe Paul Gilbert teria permanecido na banda em vez de sair em 1999.

A retomada das atividades com a formação clássica, composta por Gilbert, Eric Martin (voz), Billy Sheehan (baixo) e Pat Torpey (bateria) originou o bom álbum “What If…” (2011) e bastante atividade em turnê. Somente no ano em que o disco saiu, foram mais de 90 shows em todo o mundo — inclusive o Brasil, marcando um retorno ao país depois de 17 anos.

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O disco “…The Stories We Could Tell” (2014) foi gravado já em um cenário de indefinição — e foi parcialmente comprometido por isso. Já seu sucessor, “Defying Gravity” (2017), dividiu opiniões até mesmo dentro da banda, motivando críticas dos músicos à gravadora, Frontiers. Nem da capa eles gostaram. Tudo foi feito na pressa — o que rendeu um resultado abaixo da média para os padrões do grupo.

Findados os compromissos previamente agendados da turnê que promoveu “Defying Gravity”, a ideia era acabar com o Mr. Big ali mesmo. Ninguém queria seguir sem Torpey. Um triste fim para uma banda que, uma década antes, tinha ambições bem maiores.

Martin, Gilbert e Sheehan se ligaram nisso e resolveram voltar, mesmo que para dizer “adeus” de uma forma mais adequada. Nasceram assim a turnê de despedida “The Big Finish” — que passou pelo Brasil em abril último — e, meio que do nada, “Ten”, décimo e — ao que tudo indica — último álbum do grupo, agora completo por Nick D’Virgilio (Genesis, Tears for Fears, Big Big Train, Spock’s Beard), já que Starr era visto como um substituto incompleto por não ser tão bom nos backing vocals.

“Ten”, felizmente, não carrega melancolia alguma. É uma despedida em estado de paz. Apresenta até mesmo uma banda renovada, seja pela presença de D’Virgilio, seja por reinventar-se como um grupo de bluesy hard rock com capricho extra na melodia. O virtuosismo que os notabilizou segue presente, mas em doses menores, com redução da clássica dinâmica cruzada de Gilbert e Sheehan. Além disso, como nos shows, os timbres são mais secos, menos “cortantes”.

A abertura “Good Luck Trying” é, talvez, o melhor reflexo de tudo isso. Claramente inspirada pelo groove de “Manic Depression” (The Jimi Hendrix Experience), a faixa é enraizada no blues, mas ao estilo Mr. Big. A sequência com a pop-rock “I Am You” e a ligeiramente alternativa “Right Outta Here” — esta, remetendo ao nem sempre apreciado álbum “Hey Man” (1996) — soa curiosamente ousada, já que o pedaço inicial do disco toca em diferentes territórios de uma vez só.

Tal alternância marca o restante da tracklist. “Sunday Morning Kinda Girl” meio que agrega tudo isso no mesmo lugar: tem riffs bluesy com um andamento pop-rock marcado por violão ao fundo, arranjos Beatlescos e até palminhas. Faz até a faixa seguinte, a arrastada balada “Who We Are”, soar monocromática.

Outra com marcação de violão ao fundo, “As Good As It Gets” volta a canalizar influências das antigas: meio Beatles, meio The Who, com guitarras à la Brian May. Saiu daí um dos melhores trabalhos de bateria do detalhista Nick D’Virgilio em todo o disco. “What Were You Thinking” talvez seja a faixa mais Mr. Big de todo o disco. Ainda que baseada no blues, traz linhas de guitarra mais soltas e ritmo ligeiramente mais acelerado.

O encerramento de “Ten” fica a cargo de duas faixas previsíveis — “Courageous”, com um incômodo pé no freio, e “Up on You”, que ao menos capricha nos ganchos melódicos — e, agora sim, uma balada com o padrão de qualidade do grupo: a linda “The Frame”, uma prima estrutural de “Dancin’ Right Into the Flame”. A versão disponível no streaming ainda conta com a faixa bônus “8 Days On The Road”, despojado cover de Foghat com Paul nos vocais.

Fãs que ainda não se acostumaram com o Mr. Big de 2024 podem estranhar “Ten” em uma primeira audição. Na posição de um possível álbum final, não são repetidos vários padrões notados nos discos mais populares do grupo.

Mas o charme está justamente aí. Um cantor de 63 anos, um baixista de 71 e um guitarrista de 57 mostrando que não soam — e nem tentam soar — como caricaturas de si. Limitações técnicas precisam ser consideradas, mas, especialmente, gostos e ambições artísticas mudam. É o que transforma “Ten” numa audição gostosa e deixa a positiva impressão de que, inelutabilidade do tempo à parte, havia mais lenha para se queimar.

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  2. I Am You
  3. Right Outta Here
  4. Sunday Morning Kinda Girl
  5. Who We Are
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