Como “Master of the Rings” tirou o Helloween do fundo do poço

Primeiro álbum com o vocalista Andi Deris trouxe o grupo de volta ao sucesso e ao seu estilo musical mais tradicional

Após dois álbuns de estúdio altamente controversos — “Pink Bubbles Go Ape” (1991) e “Chameleon” (1993) —, o Helloween encerrou sua parceria com a EMI Records. Foi, de acordo com o guitarrista Michael Weikath, um “acordo mútuo”. A Dave Ling, da Classic Rock, em 2006, ele completa: “Do ponto de vista deles, não podiam fazer mais nada por nós e nós tínhamos feito tudo errado. Do nosso ponto de vista, a mesma coisa se aplicava a eles”.

Mas além de assinar com outra gravadora — a modesta Raw Power, um selo da inglesa Castle Communications —, o grupo passou por grandes mudanças na formação, incluindo a saída de um dos membros fundadores. Weikath afirma que, à época, havia a consciência de que o grupo estava no fundo do poço — ou vai, ou racha.

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É assim que começa a história de “Master of the Rings”.

A demissão que chocou a comunidade do metal

O Helloween e o vocalista Michael Kiske chegaram ao fim da linha durante a turnê de “Chameleon”. Kiske foi dispensado pouco antes de o quinteto começar os trabalhos em seu sexto álbum de estúdio.

Segundo Weikath:

“Ninguém conseguia mais lidar com Kiske (…) Todos sabíamos que era um grande risco dispensar uma parte tão significativa do som do Helloween. Mas as maneiras difíceis de Michael estressavam a todos.”

Kiske, por sua vez, também não suportava mais a situação. Em entrevista ao site oficial da banda, ele resumiu:

“O clima era simplesmente enlouquecedor. Compartilhei com Roland [Grapow, guitarrista] que estava pensando seriamente em não participar do próximo disco. Mas pedi para ele não comentar nada com os outros porque não queria desmotivar ninguém.”

O que Roland fez? Isso mesmo, contou a Weikath e ao baixista Markus Grosskopf sobre as ideias de Kiske. Além disso, explicou aos colegas que não tinha a intenção de gravar outro álbum com ele.

Todos concordaram que não fazia sentido esperar para serem jogados para escanteio pelo cantor e o despediram sem aviso prévio.

O triste fim de Ingo Schwichtenberg

Uma das causas da insatisfação de Kiske era a ausência de Ingo Schwichtenberg, o baterista que havia cofundado o Helloween e sugerido o nome da banda. Após um incidente relacionado a álcool e drogas no Japão, o músico foi afastado.

Em uma entrevista de 1999, enquanto promovia seu segundo álbum solo, “Kaleidoscope”, Grapow relembrou a fatídica noite de 2 de outubro de 1992, durante a turnê de “Pink Bubbles Go Ape”:

“Fomos tocar em Hiroshima, no Japão. Ingo se levantou da bateria no meio de uma música e caiu sobre os pratos. Tivemos que parar o show. Esse foi um dos últimos shows dele; levamos ele ao hospital e ele ficou internado por um tempo. Sempre esperávamos que ele melhorasse e voltasse a ser ele mesmo, mas o problema persistia.”

Embora geralmente alegre e sociável, Schwichtenberg sofria de esquizofrenia, o que às vezes o deixava mal sem motivo aparente. Esquecer de tomar seus remédios resultava em surtos, e o baterista não escondia sua frustração com a direção musical da banda. Segundo Weikath, ele costumava se referir à música “Windmill” [“Moinho de Vento”] como “Shitmill” [“Moinho de M#rda”].

Ingo foi substituído primeiro pelo músico de estúdio Richie Abdel-Nabi — que tocou na turnê de “Chameleon” — e depois, de forma permanente, pelo ex-baterista do Gamma Ray, Uli Kusch. Após seu desligamento do Helloween e a morte de seu pai, ele afundou ainda mais em seus episódios esquizofrênicos e infelizmente tirou a própria vida ao se jogar em frente a um trem em março de 1995. Ele tinha 29 anos.

Renovação e serenidade

O substituto de Michael Kiske foi Andi Deris, anteriormente do Pink Cream 69, que Michael Weikath tinha em mente desde a produção de “Chameleon”. Porém, o cantor não queria deixar sua banda naquela época. O guitarrista relembra:

“Eles estavam indo bem, eram todos amigos e estavam lançando bons discos. Mas, no fim, ele teve razões particulares para sair.”

Vocalmente, Kiske e Deris são como o dia e a noite — mas isso era exatamente o que Weikath procurava. O músico recorda:

“Deris tem muito mais uma voz de rock, enquanto Kiske é um cantor operístico que ama Elvis. Curiosamente, logo após o lançamento de ‘Master of the Rings’, recebemos uma ligação de Ritchie Blackmore interessado em ter Andi no Rainbow.”

A chegada de Deris e Kusch reinstalou a paz. Roland Grapow destaca:

“Na minha opinião, todos em um grupo devem estar no mesmo nível. Quando Kiske estava na banda, os empresários haviam decidido que ele deveria ganhar muito mais do que os outros, por ser o vocalista. Quando Andi chegou, a situação foi reequilibrada e isso trouxe serenidade.”

Andi também não tardou a botar a mão na massa. Michael definiu sua chegada ao Helloween como “muito eficaz”.

“Ele tinha algumas músicas sobrando dos dias do Pink Cream 69, pois eles estavam pensando em se tornar uma banda de grunge. Ficamos felizes em considerá-las para nós.”

À MariskalRock TV (em transcrição presente no livro “Helloween: A História Completa”), Deris afirmou ter sido “peremptório” ao sentar cara a cara com Weiki para descobrir onde o Helloween deveria ir.

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 “Nós dois estávamos de acordo em voltar para o metal, mas, ao mesmo tempo, tínhamos que esquecer os dois ‘Keeper of the Seven Keys’ [‘Part One’ (1987) e ‘Part Two’ (1988)]. A banda já tinha lançado suas duas obras-primas. Era impossível fazer outra. Tentar replicá-las só iria nos ferrar. Por isso voltamos ao metal de forma diferente do passado: queríamos preservar o legado sem copiá-lo.”

Sob pressão e diversão

Menos de um mês após a efetivação dos novatos, o novo Helloween se trancou no Chateau Du Pape Studios, em Hamburgo, para trabalhar a toque de caixa no álbum. Como não havia dinheiro sobrando após “Chameleon”, tudo foi feito com duas semanas de ensaio e outras duas de gravação.

Com o tempo escasso e a necessidade de voltar aos trilhos batendo à porta, a banda chamou de volta o produtor dos dois “Keeper of the Seven Keys”, Tommy Hansen. Ao biógrafo Massimo Longoni, ele comentou:

“Alguns podem dizer que foi um retrocesso, e talvez tenha sido. Mas isso também foi feito porque o momento permitia; a moda do grunge havia passado e nosso estilo ganhado espaço novamente. E, com esse retrocesso, eles voltaram para o caminho certo.”

Embora parecesse um cenário de muita pressão, Weikath define a gravação como “um tempo caótico, mas muito divertido”. Ele completa:

“Claro que havia [pressão], mas também nos divertimos um bocado (…) Ensaiávamos na área do café onde nosso equipamento ficava guardado. As pobres pessoas tinham que nos aguentar tocando em volume máximo, ou simplesmente não teríamos como ensaiar. Então compramos um bolo para pedir desculpas por ter molestado seus ouvidos.”

Como atestado desse clima de diversão, a banda aproveitou para gravar três covers: “I Stole Your Love” do Kiss, “Cold Sweat” do Thin Lizzy e “Closer to Home” do Grand Funk Railroad, aproveitadas em compilações e como B-sides.

De volta ao topo

“Master of the Rings” foi lançado em 8 de julho de 1994 e fez sucesso imediato no Japão. Estreou no topo da parada de álbuns internacionais do país e vendeu 120 mil cópias em duas semanas.

O primeiro single, “Mr. Ego (Take Me Down)”, foi “dedicado” a Michael Kiske. Escrita por Roland Grapow, a canção traz versos como “Don’t wanna hear you / Your slimy voice (…) / I don’t wanna feel you around me” (“Não quero ouvir você / Sua voz pegajosa (…) / Não quero sentir você perto de mim”) e “Separated ways now and forever / Is the only and only measure” (“Caminhos separados agora e para sempre / É a única saída”) que, diga-se, envelheceram como leite, dado o retorno do cantor em 2017.

Em seguida, foram trabalhadas “Where the Rain Grows” — escrita por Weikath para “Chameleon”, mas deixada de lado por desinteresse dos colegas —, “Perfect Gentleman” e “Sole Survivor”, nas quais o guitarrista contou com o mesmo toque de Midas de Deris que impulsiona a lenta “In the Middle of a Heartbeat” e “Why?”, sobra dos tempos de Pink Cream 69 que ele assina sozinho.

A Massimo Longoni, Tommy Hansen, que permaneceria a bordo no sucessor “The Time of the Oath” (1996), dá sua avaliação:

“Felizmente, tinham músicas boas, porque você pode fingir até certo ponto, mas, no final, é o conteúdo que conta para um álbum. Deris não era Kiske, mas fez um bom trabalho e o álbum teve bons resultados. Sem dúvida, o retorno a um som mais metal agradou, mas o ponto forte desse álbum é sua homogeneidade; ele tem uma lógica e uma coerência.”

Foi o “álbum Alice Cooper do Helloween, define Weikath.

“Foi comercial o suficiente para nos libertar de todo o período malsucedido de ‘Chameleon’, mas não a ponto de ser um álbum pop vendido. Ainda encontro pessoas que devoraram ‘Master of the Rings’ quando o lançamos e que ainda o amam. Definitivamente há algo especial nele (…) Foi um ótimo ponto de partida para o novo Helloween.”

Helloween – “Master of the Rings”

  • Lançado em 8 de julho de 1994 pela Raw Power
  • Produzido por Tommy Hansen e Helloween

Faixas:

  1. Irritation (Weik Editude 112 in C)
  2. Sole Survivor
  3. Where the Rain Grows
  4. Why?
  5. Mr. Ego (Take Me Down)
  6. Perfect Gentleman
  7. The Game Is On
  8. Secret Alibi
  9. Take Me Home
  10. In the Middle of a Heartbeat
  11. Still We Go

Músicos:

  • Andi Deris (vocais)
  • Michael Weikath (guitarra)
  • Roland Grapow (guitarra)
  • Markus Grosskopf (baixo)
  • Uli Kusch (bateria)

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Marcelo Vieira
Marcelo Vieirahttp://www.marcelovieiramusic.com.br
Marcelo Vieira é jornalista graduado pelas Faculdades Integradas Hélio Alonso (FACHA), com especialização em Produção Editorial pela Universidade Estadual Paulista (UNESP). Há mais de dez anos atua no mercado editorial como editor de livros e tradutor freelancer. Escreve sobre música desde 2006, com passagens por veículos como Collector's Room, Metal Na Lata e Rock Brigade Magazine, para os quais realizou entrevistas com artistas nacionais e internacionais, cobriu shows e festivais, e resenhou centenas de álbuns, tanto clássicos como lançamentos, do rock e do metal.

2 COMENTÁRIOS

  1. Baita matéria sobre o meu play preferido do Helloween! Na época soube do suicídio do Ingo, mas agora fiquei sabendo com detalhes. Parabéns!

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