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Na batida do Discharge, para todos os gostos, com casa cheia

Turnê de três bandas reuniu lenda do hardcore, Havok e Midnight — todas em terceira passagem pelo Brasil — para data única em São Paulo

Já passava da meia-noite quando os músicos do Havok e do Midnight se juntaram ao Discharge, que encerrava seu show com o clássico “Decontrol”. Típica papagaiada de última data de uma longa turnê latino-americana, mas também um sinal de como a clássica banda punk inglesa é o mínimo múltiplo comum dos estilos mais pesados.

As apresentações, que começaram ainda no início da noite de sexta-feira (21) com os paulistas do Manger Cadavre?, atraíram público que encheu o Carioca Club, em São Paulo, e foram uma prova de que o “d” do d-beat segue unindo tribos.

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Basicamente uma obrigação nos Estados Unidos e na Europa após a pandemia, para otimizar custos logísticos e a escassa oferta de casas de shows que sobreviveram à parada necessária para conter o vírus, turnês com um pacote de bandas parecem começar a pegar aqui no Brasil. Quando bem pensado — como o que juntou Discharge, Midnight e Havok, de estilos diversos, mas longe de excludentes —, o custo-benefício no preço do ingresso vale a aposta.

Foto: Gustavo Diakov / @xchicanox

Manger Cadavre? aquece público ainda pequeno

Para dar início aos trabalhos, foi escalada a banda de São José dos Campos, interior de São Paulo, Manger Cadavre?, que subiu ao palco pontualmente às 19h30 com o tema instrumental arrastado “Insônia”, logo emendado com a pancadaria da faixa-título de seu último disco, “Imperialismo” (2023).

Foto: Gustavo Diakov / @xchicanox

Prestes a viajar para a sua primeira turnê europeia, a vocalista Nata “Nachthexen” de Lima, uma força da natureza em cima do palco, agradeceu à ajuda recebida dos fãs para bancar os custos da excursão. Também anunciou um álbum novo, a ser gravado em setembro, do qual foi executada uma música nova, “Retórica do Silêncio”.

Como não pode deixar de ser para uma banda que trabalha nos limites entre o grindcore e hardcore, com pitadas de death metal cada vez mais crescentes, sua mensagem política ficou clara ao anunciar “Tragédias Previstas”, do álbum “Decomposição” (2021), lembrando a atuação do governo federal durante a pandemia. Com “Encarceramento e Morte”, do trabalho mais recente, o quarteto encerrou seus intensos trinta minutos no palco, com uma pista ainda esvaziada, mas que já esboçava as primeiras rodas sem tanta timidez.

Repertório — Manger Cadavre?:

  1. Insônia
  2. Imperialismo
  3. Hostil
  4. Iconoclastas
  5. Retórica do Silêncio
  6. Peregrinos
  7. A Raiva Muda o Mundo
  8. Como Nascem os Monstros
  9. Tragédias Previstas
  10. Encarceramento e Morte

Havok acelera a noite com riffs e solos

A noite seria longa e o Havok não quis nem esperar as cortinas se abrirem para começar seu show de riffs com “Point of No Return”, faixa-título do EP de mesmo nome lançado em 2012. Thrash metal da velha guarda, do início ao fim, sem descanso nos cinquenta minutos em que o quarteto americano de Denver esteve no palco do Carioca Club.

A resposta? Pista se enchendo, mas já ocupando mais da metade do espaço na casa, obviamente um pouco estendida em virtude das rodas que começavam a se tornar maiores e incessantes.

Foto: Gustavo Diakov / @xchicanox

Tendo servido como fonte de músicos para outras bandas em anos recentes, impressionou o entrosamento da formação que se reuniu exclusivamente para a turnê da América Latina, marcando sua terceira passagem pelo Brasil. No lugar do baterista Pete Webber, hoje no Fear Factory, esteve Michael Ohlson (Vektor), enquanto Brett Rechtfertig (Psychosomatic), trajando uma camiseta do Sepultura da velha guarda, substituiu o guitarrista Reece Scruggs, excursionando com o Machine Head.

Foto: Gustavo Diakov / @xchicanox

Nenhum deles ficou tão empolgado quanto o baixista Nick Schendzielos, que correu o palco com sua camiseta da Whitney Houston e quase entregou seu instrumento musical aos fãs colados na grade. O vocalista, guitarrista e líder da banda David Sanchez sempre pedia maior participação do público e era atendido, até mesmo para imitar os gritos de dor de Arnold Schwarzenegger, que não parecia sério de início, mas teve resposta quando o músico ameaçou não continuar sem ouvir os urros no Carioca Club.

Foto: Gustavo Diakov / @xchicanox

Em geral, o Havok proporcionou a trilha sonora para o público abrir rodas que aumentavam ou diminuíam de intensidade conforme a velocidade das faixas executadas. O quarteto norte-americano foi a exceção da noite quando se tratou não apenas de solos mais técnicos e elaborados, como em variações de andamentos típicas do thrash metal.

Mesmo quando as canções entravam em andamentos menos rápidos, como as paradas sincronizadas de “Intention to Deceive”, do álbum “Conformicide” (2017) ou na quase cadenciada “D.O.A.”, de “Time Is Up” (2011), a relativa calmaria na pista durava pouco e logo vinha uma pancadaria, como a “canção realmente lenta”, na ironia de Sanchez, “Phantom Force”, do mais recente disco “V” (2020).

O repertório do grupo privilegiou os trabalhos do início de carreira, principalmente do citado “Time’s Up”, do qual a faixa-título e “Covering Fire” receberam coros do público na reta final da apresentação, intercaladas por “Give Me Liberty…or Give Me Death”, de “Unnatural Selection”, de 2013, que viu pela primeira vez uma invasão ao palco para pular de volta à pista.

Foto: Gustavo Diakov / @xchicanox

Repertório — Havok:

  1. Point of No Return
  2. Fear Campaign
  3. Hang ‘Em High
  4. Prepare for Attack
  5. D.I.A.I.
  6. D.O.A.
  7. Intention to Deceive
  8. Phantom Force
  9. From the Cradle to the Grave
  10. Covering Fire
  11. Give Me Liberty…or Give Me Death
  12. Time Is Up

Midnight cria um pandemônio no Carioca Club

Juntar o som de Motörhead e Venom parece uma coisa tão óbvia que seria difícil de entender porque Jamie Walters, ou para os íntimos Athenar, consegue atrair tanto fanatismo para um conceito sonoro tão simples quanto o de seu Midnight. Nesse caso, menos é mais.

A julgar pelas camisetas no Carioca Club, parecia até que a banda, em sua terceira passagem pelo Brasil, era a principal atração da noite. A pista já estava bem cheia de “violators”, como os seguidores de Midnight são conhecidos, quando o grupo subiu ao palco cerca de dez minutos antes da hora prevista com a instrumental soturna “Funeral Bell”, de sua demo de 2003.

Foto: Gustavo Diakov / @xchicanox

Se em estúdio Walters grava todos os instrumentos, ao vivo o Midnight se apresenta, com ele no baixo e nos vocais, acompanhado do baterista Ryan Steigerwald e do guitarrista Shaun Vanek. Encapuzados no palco, assim como o líder Athenar, eles assumem as alcunhas de Iron Possessor e Commandor Vanik, respectivamente, e formam um power trio, daqueles de fazer jus às óbvias influências em seus ápices.

Walters e Vanek não pararam por um minuto desde os primeiros acordes de “Black Rock’n’Roll”, lançada inicialmente no EP “Farewell to Hell”, de 2006, e anunciada aos urros pelo líder do grupo. O público transformou a pista do Carioca Club num pandemônio na quase uma hora na qual estiveram no palco, até porque as músicas não deram margem para respiros.

Não dava nem para duvidar da sinceridade de Athenar quando disse que a banda havia deixado o melhor público para o último show, lá pelo meio do set, pouco antes de anunciar a frenética “Fucking Speed and Darkness”, do disco “Rebirth by Blasphemy” (2020).

Sempre com refrãos fáceis de cantar junto, além de instrumental acelerado e sem firulas, a pista alternou rodas e cabelos chacoalhando. Apesar da velocidade quase incessante, as cabeças também balançavam ao acompanhar os momentos de riffs totalmente inspirados naquela então Nova Onda do Metal Britânico, caso de “Szex Witchery”, do penúltimo lançamento “Let There Be Witchery” de 2022, ou a faixa-título de “Satanic Royalty”, primeiro “álbum cheio” do grupo, de 2011.

Foto: Gustavo Diakov / @xchicanox

O trabalho mais recente, “Hellish Expectations”, lançado em março deste ano, teve três músicas bem recebidas, até porque não tinha como uma galera empolgada não gritar com vontade um refrão tão simples como o de “F.O.A.L.” depois de o ouvir uma vez. O foco do repertório esteve, no entanto, em faixas da fase inicial do Midnight, desde a demo de 2003 mencionada até “Satanic Royalty”, de 2011.

Assim, como a instrumental da abertura do show, a noite se encerrou com “Unholy and Rotten”, outra faixa da demo da banda, tocada com distorção cavalar e uma certa batida que estava prestes a ser acelerada e repetida à exaustão pela atração principal da noite. Antes, porém, Athenar e seus colegas ainda desceram à pista para saudar seus extenuados “violators” brasileiros.

Foto: Gustavo Diakov / @xchicanox

Repertório — Midnight:

  1. Funeral Bell
  2. Black Rock’n’Roll
  3. Lust Filth and Sleaze
  4. Endless Slut
  5. Expect Total Hell
  6. Mercyless Slaughtor
  7. F.O.A.L.
  8. Fucking Speed and Darkness
  9. Szex Witchery
  10. Evil Like a Knife
  11. Satanic Royalty
  12. Violence on Violence
  13. All Hail Hell
  14. You Can’t Stop Steel
  15. Who Gives a Fuck?
  16. Unholy and Rotten

Discharge enche a noite de clássicos e unifica a plateia em torno do d-beat

Se o Havok não quis esperar nem as cortinas se abrirem e o Midnight antecipou o início de seu show em uns dez minutos, os fãs do Discharge tiveram que esperar um tema de introdução de longos cinco minutos antes de a lenda britânica entrar no palco, exatamente na hora prevista. Pontualidade britânica, depois de tudo.

A pista não estava abarrotada, mas, como a estação de metrô próxima ao Carioca Club encerrava suas operações à meia-noite, a casa deu uma leve esvaziada durante a hora em que o Discharge se apresentou nesta sua terceira passagem pelo Brasil.

Foto: Gustavo Diakov / @xchicanox

Com ainda três membros de sua formação original — o baixista Tony “Bones” Roberts e os guitarristas Roy “Rainy” Wainright e Terry “Tezz” Roberts —, o Discharge fez um show que ofereceu um petardo atrás do outro, com pequenas variações na velocidade para a sua batida icônica. Com a letra inicial da banda carregada para seu nome do arranjo, ele influenciou praticamente todo o metal extremo, dos primórdios thrasheiros do Metallica à germinação do mal com o Hellhammer.

O repertório, como raras vezes é diferente para uma banda de tamanha importância, se focou nos clássicos lançamentos de sua primeira fase punk, a partir dos singles e EPs do início da década oitentista que culminaram no seminal disco “Hear Nothing See Nothing Say Nothing”, em 1982. A qualidade de som, pela primeira vez na noite, variava ao longo do Carioca Club, com o som da bateria soterrado abaixo das guitarras mais ao fundo da casa.

Foto: Gustavo Diakov / @xchicanox

Quando a interminável introdução finalmente acabou, o grupo começou o show com “The Blood Runs Red”, “Fight Back”, a faixa-título do álbum citado e “The Nightmare Continues”, uma atrás da outra, praticamente emendadas. Ok, não deve ter dado dez minutos, mas ainda assim, haja fôlego para a pista berrando o refrão enquanto pulava, dançava e se debatia nas rodas sem parar, quando não invadia o palco para cantar junto.

As pausas entre as músicas foram poucas, como a primeira saudação de Roberts antes de anunciar “A Look at Tomorrow”, do EP “Why” (1981). Enquanto isso, o vocalista JJ Janiak, no grupo desde 2014, corria o palco todo, parando às vezes para cantar agachado, mas sempre incentivando o público a participar mais.

Funcionou durante a primeira meia hora, porém, a intensidade das respostas deu uma diminuída, ainda que os músicos no palco estivessem a toda. Talvez tenha sido pelo cansaço do público, ou pela esvaziada na pista. Coincidência ou não, também foi quando a banda passou a tocar mais músicas dos discos lançados após sua reunião neste milênio, como “Hype Overload”, de álbum homônimo de 2001, ou “Hatebomb”, do mais recente disco “End of Days” (2016), único a contar com o atual cantor JJ Janiak.

Na retomada dos clássicos, com “Never Again”, single de 1981, as rodas voltaram a crescer, mas não chegariam mais ao nível da sequência inicial. Dado ao avançado da hora, o Discharge nem ameaçou sair do palco para o tradicional bis e ainda teve fôlego até para o baterista Dave “Proper” Caution, na banda desde 2004, disparar o bumbo duplo na metálica “Accessories by Molotov”, do disco de 2001.

Foto: Gustavo Diakov / @xchicanox

“The Possibility of Life’s Destruction”, do clássico álbum de 1982, veio para extrair as últimas gotas de suor do grupo e do público antes de todos os músicos subirem ao palco para acompanhar o Discharge em “Decontrol”, single de 1980, encerrar o show e a turnê latino-americana das três bandas.

No final, um pacote com quatro bandas de estilos diversos funcionou para atrair o público, mas, por ter ocorrido numa sexta-feira, dia útil, com limitação de horário para começar e término depois da diminuição drástica da oferta de transporte público na cidade, acabou prejudicando a lendária atração principal.

Foto: Gustavo Diakov / @xchicanox

Repertório — Discharge:

  1. The Blood Runs Red
  2. Fight Back
  3. Hear Nothing, See Nothing, Say Nothing
  4. The Nightmare Continues
  5. A Look at Tomorrow
  6. Drunk With Power
  7. A Hell on Earth
  8. Cries of Help
  9. Ain’t No Feeble Bastard
  10. Protest and Survive
  11. Hype Overload
  12. New World Order
  13. Corpse of Decadence
  14. Hatebomb
  15. Never Again
  16. State Violence/State Control
  17. Realities of War
  18. Accessories by Molotov
  19. War Is Hell
  20. You Deserve Me
  21. The Possibility of Life’s Destruction
  22. Decontrol

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Thiago Zuma
Thiago Zuma
Formado em Direito na PUC-SP e Jornalismo na Faculdade Cásper Líbero, Thiago Zuma, 43, abandonou a vida de profissional liberal e a faculdade de História na USP para entrar no serviço público, mas nunca largou o heavy metal desde 1991, viajando o mundo para ver suas bandas favoritas, novas ou velhas, e ocasionalmente colaborando com sites de música.

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