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Como o Blink-182 deu um pula-pirata no pop com “Enema of the State”

Receita de melodias grudentas e humor irreverente encontrou seu momento ideal no mainstream do final dos anos 1990

Antes do estouro do Blink-182, o pop punk se tornou o subgênero dominante do rock pós-Nirvana, mas no que o século 20 chegava ao seu final, o mainstream vivia um de seus períodos mais caóticos. O nu metal experimentava sucesso comercial, assim como grupos do apelidado post-grunge – movimento também chamado ou butt rock por seus detratores.

Entretanto, o pop reinava absoluto de um jeito sem precedentes. Boy bands e cantoras plastificadas tinham um controle tão forte sobre a cultura que os bastiões da imprensa musical mudaram sua linha editorial para acomodar artistas antigamente execrados.

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No meio disso, dois garotos da Califórnia com senso de humor digno do Ensino Fundamental e talentos absurdos para melodias arrumaram um novo baterista. Eles já tinham um hit nas mãos, mas estavam prestes a explodir de um jeito inimaginável. Tudo porque deram voz a uma parcela do público cansada da estética pop.

Ajudou que as canções eram excelentes, também.

Dois moleques

Tom DeLonge era um skatista meio delinquente. Expulso da escola por aparecer bêbado num jogo de basquete, ele começou a frequentar um colégio diferente em San Diego. Lá, o jovem conheceu duas pessoas: Scott Raynor e Kerry Key, com quem formou amizade baseado no amor dos três por punk.

Key namorava uma garota chamada Anne. O irmão mais velho dela era um estudante universitário sem rumo que abandonou a faculdade comunitária para trabalhar numa loja de discos. O nome dele era Mark Hoppus, que queria formar uma banda.

Sua irmã sabia alguém que ele poderia procurar, como o próprio Mark contou a Dan Ozzi no livro “Sellout The Major Label Feeding Frenzy That Swept Punk, Emo, and Hardcore (1994–2007)”:

“Ela disse: ‘ei, o melhor amigo do meu namorado toca guitarra e quer montar uma banda’. Então no dia que me mudei para San Diego, fui na casa do Tom com meu baixo. A gente começou a compor músicas na garagem dele naquele dia. Tom e eu nos demos bem de cara. Nós dois amávamos Descendents, Bad Religion, Pennywise – todas essas bandas punk mais pop da Costa Oeste. A gente já completava as ideias musicais um do outro desde o começo.”

Além de punk, o grande elo entre os dois era o senso de humor. Filmes de comédia, piadas e pegadinhas se tornaram tão parte do cotidiano da dupla quanto compor ou tocar canções de bandas que eles adoravam. Raynor era o baterista. Após operarem sob uma série de nomes diferentes no começo, DeLonge propôs o nome Blink. Pegou.

Entretanto, o trio sofreu um baque logo no seu começo. A namorada de Hoppus estava infeliz que ele não se dedicava à relação dos dois com o mesmo afinco da banda e baixou um ultimato: Blink ou ela. Mark escolheu a garota.

Isso até ele descobrir que o Blink ia gravar uma demo. Hoppus terminou com a namorada e resolveu dar tudo de si pela banda. O ano era 1993 e o pop punk ainda estava a um ano de estourar. Eles tocavam em bares e clubes de San Diego enquanto disseminavam a fita gravada no quarto de Scott Raynor.

Logo, gravaram outra demo, um pouco melhor em termos de qualidade. O dinheiro para o estúdio veio do gerente de Hoppus na loja de discos. Batizada de “Buddha”, a fita é considerada pelo grupo hoje em dia como o primeiro lançamento de verdade deles.

A esse ponto, as coisas começaram a pegar um embalo. Nem mesmo a mudança de Scott Raynor para outro estado podia impedir a banda, que decidiu arcar com os custos dele viajar para cada show até o baterista retornar de vez à Califórnia.

Dilema, que dilema

Logo, o trio estava no radar da Cargo Records, o selo punk local de San Diego. É pouco dizer que as expectativas deles com relação ao Blink-182 eram baixas. O grupo na realidade só foi contratado porque o filho do dono era fã e pentelhou o pai com a fita demo.

Quando o primeiro álbum deles, “Cheshire Cat” (1995) saiu, ninguém esperava nada. Hoppus contou a Dan Ozzi em “Sellout The Major Label Feeding Frenzy That Swept Punk, Emo, and Hardcore (1994–2007)”:

“O dono chegou a apostar com funcionários que a gente não venderia mais do que mil cópias. Até o dono não acreditou na gente o suficiente. Mas ele lançou o álbum de qualquer jeito e a gente vendeu o estoque inteiro bem rápido. Acho que o selo ficou surpreso. Algumas das pessoas que trabalhavam no selo eram legais com a gente, enquanto outras achavam que a gente era um bando de idiotas imaturos. A gente tocava música rápida que não era legal o suficiente pra eles. Sendo justo, a gente meio que era uma merda.”

O sucesso de “Cheshire Cat” foi ainda maior que o demonstrado por vendas por causa de pirataria. O hype em torno do grupo chamou a atenção do empresário Rick DeVoe, cujo currículo contava com algumas das maiores bandas punks da Califórnia. 

Não era apenas DeVoe de olho no Blink. Eles também chamaram a atenção de um grupo irlandês também chamado Blink, que ameaçou processo caso não mudassem o nome. Eles tacaram 182 no final – um número aleatório que depois alegaram uma série de origens cômicas – e ficou nisso: Blink-182.

O sucesso do álbum também atraiu a indústria musical mainstream. Gravadoras major começaram uma batalha para assinar a banda, com a Epitaph Records representando a alternativa aprovada pela cena. Ao contrário de muitos outros artistas punk que alcançaram sucesso nessa década, Hoppus e DeLonge não tinham problemas com a ideia de assinar com uma gigante. Além disso, eles já estavam desiludidos com a falta de fé da Cargo no grupo, além da contabilidade inconsistente.

O grupo fechou com a MCA sob a condição de controle criativo total. Mesmo assim, houve um efeito colateral: Scott Raynor queria assinar com a Epitaph e permanecer independente. A decisão final o desiludiu, como o baterista contou a Joe Shooman no livro “Blink-182: The Bands, the Breakdown & the Return?”:

“Olhando pra trás, eu considero a decisão de assinar com uma major ao invés da Epitaph como o momento no qual cortei meu investimento no Blink pela metade. É que nem aquela canção que diz, ‘I left my heart in San Francisco’ [‘Deixei meu coração em San Francisco’]. Deixei meu coração no escritório da Epitaph. Após esse sacrifício, achei difícil fazer outros subsequentes, e achei que estavam me pedindo pra fazer um monte deles. No fim das contas, não tinha muito de mim na banda para justificar eu continuar. Eu me afastei. Eu era peso morto.”

Raynor lidou com isso da maneira que garotos da sua idade geralmente fazem: bebendo demais e não comunicando sua insatisfação. Nisso, o Blink continuou na sua rotina frenética de turnês.

A banda na época ganhou um nível de exposição enorme devido a dois fatores. Primeiro, Rick DeVoe usou suas conexões para associá-los à indústria de esportes radicais. Após uma década na qual vídeos de surfe e skate se tornaram sucessos enormes de vendas, a cultura americana via o surgimento dos X Games. O epicentro disso tudo era o sul da Califórnia, onde as principais produtoras audiovisuais do segmento eram baseadas. A cidade natal do Blink-182. Eles eram jovens, carismáticos e skatistas.

Além disso, eles foram indicados por seus amigos do Pennywise para o empresário Kevin Lyman, que estava montando a segunda edição de um festival itinerante prestes a se tornar um dos fatores mais importantes para a popularização do pop punk nos EUA: Warped Tour. O evento ao longo de sua história ficou famoso por lançar bandas ao estrelato.

Há um argumento que explica o Blink-182 ter sido um dos primeiros grupos a estourar graças ao seu período na turnê. Quando o segundo álbum “Dude Ranch” saiu em junho de 1997, eles não eram simplesmente grandes para uma banda de pop punk. Também havia um hit nas rádios rock, com “Dammit”, e um disco de ouro iminente.

Infelizmente, também precisavam lidar com exaustão de tantos shows e um baterista bebendo muito além da conta. Raynor foi demitido um ano após o álbum ser lançado. Seu substituto calhou de ser o melhor baterista da Califórnia.

A forma final do Blink-182

Travis Barker era um prodígio da bateria. Ganhou seu primeiro kit aos quatro anos, começou a ter aulas aos cinco e apesar de estudar outros instrumentos na época, sempre voltava ao banquinho acolchoado, como contou à Ultimate Guitar em 2006:

“Sempre migrei de volta para a bateria, apesar de tudo. Era a única direção que eu parecia ter uma conexão, e que podia entender um pouco. Podia me expressar melhor através da minha bateria do que qualquer outra coisa.”

No Ensino Médio, o jovem tocava no conjunto de jazz da escola, assim como a banda marcial. A variedade entre os dois estilos acabou informando como viria a abordar a bateria no seu primeiro grupo de ska punk, The Aquabats. Foi ali que ele assegurou sua reputação como um dos melhores bateristas da cena punk californiana

Quando o Blink precisava de um substituto às pressas para Scott Raynor, Barker foi chamado. A urgência do convite não é exagero: segundo a lenda, Travis precisou aprender o setlist de 20 canções em 45 minutos antes de um show. Ele tocou tudo perfeitamente e conseguiu o trabalho.

Em entrevista de 2022 ao Music Radar, Tom DeLonge não mediu palavras para descrever o impacto da entrada de Travis Barker no grupo:

“Era tipo: ‘agora tudo é possível, a gente pode tocar todo tipo de música’. Mark e eu de cara melhoramos porque estávamos acompanhando um cara que tocava tudo perfeito, então melhoramos muito nessa época. Não éramos remotamente do nível do Travis, mas a gente ficou bem melhor.”

As coisas se alinhavam de maneiras até não relacionadas ao grupo diretamente. O final dos anos 90 viu a ascensão ao mainstream justamente do estilo de humor pueril dos integrantes. Seja com “South Park”, as comédias dos irmãos Farrelly ou “American Pie” – filme no qual os membros do Blink curiosamente fizeram uma ponta – escatologia era a moeda do reino.

Foi com esse ambiente que o Blink entrou no estúdio, em outubro de 1998, para gravar o sucessor de “Dude Ranch”. Sob a batuta de Jerry Finn – responsável pela mixagem de “Dookie”, do Green Day –, os três integrantes criaram todo o material em duas semanas. O produtor também teve uma mão na hora de incentivar temas de canções, como revelou à MTV News em 1999:

“Muita gente com quem conversei, especialmente as garotas, gostavam das canções que Mark escrevia sobre relacionamentos terminando. Quando fomos trabalhar no disco, não havia muitas dessas, então pedi para Mark compor outra canção de término. Ele voltou no dia seguinte com ‘Going Away to College’.”

Além dessas, Hoppus demonstrou um nível de maturidade até então não visto com duas músicas em particular. “Adam’s Song” lida com temas de suicídio e surgiu a partir de sua solidão nas turnês anteriores do Blink, como contou à Rolling Stone em 2000:

“Tom e Travis sempre tinham namoradas esperando por eles em casa, então tinham algo além da turnê. Mas eu não tinha, então era sempre um caso de me sentir solitário na strada, mas aí chegava em casa e nada mudava porque não tinha nada lá para mim.”

Enquanto isso, “What’s My Age Again” mostrava o baixista consciente de como seu comportamento não condizia com sua idade. Ambas as canções se tornaram hits enormes, mas uma composição de DeLonge se tornaria um monolito.

Pelados na MTV e estouro de “Enema of the State”

“All the Small Things” tem uma origem doce. Tom DeLonge achava que o álbum precisava de uma música direta para capturar a atenção da plateia e agradar a gravadora. Ele decidiu então unir o útil ao agradável e fazer da letra uma homenagem à sua então namorada, Jennifer Jenkins, com direito a coro estilo Ramones.

Em entrevista à Kerrang! em 2005, o guitarrista descreveu o clima no estúdio quando gravaram a faixa:

“Foi uma das últimas canções que gravamos, porque era tão simples que não era tão divertida de tocar. Mas uma vez que juntamos todos os elementos e tocamos juntos como banda a gente se olhou e falamos: ‘essa música é enorme!’. […] Uma vez que gravamos e ouvimos, a gente ficou com arrepios. Só olhamos uns para os outros e sabíamos que tínhamos esse negocinho mágico. Sabíamos que seria um troço gigantesco, não sei como, mas a gente sentiu na hora.”

Ajudou que o clipe é uma das melhores sátiras já feitas. Dirigido por Marcos Siega, o vídeo conta com imagens da banda correndo pelada por Los Angeles intercaladas com os integrantes reencenando momentos de vídeos de boy bands como Backstreet Boys, ‘NSYNC e 98 Degrees, além de cantoras pop. Tudo para efeito cômico.

Estamos falando de 1999, quando Britney Spears, Christina Aguilera e boy bands eram onipresentes na MTV. A combinação da paródia com a canção alavancou o Blink para outro nível de estrelato. Numa entrevista à Spin em 2016, Hoppus resumiu a situação:

“Acho que quebrar a barreira do mainstream foi apenas o ciclo musical certo para a gente. Pessoas estavam meio cansadas de boy bands, princesas pop e sensibilidade fabricada. Estavam empolgados para ouvir guitarras, angústia, energia e entusiasmo, que é o nosso negócio.”

“Enema of the State”, com uma capa contendo a atriz pornô Janine Lindemulder colocando uma luva de maneira sugestiva – especialmente considerando o nome do álbum –, saiu no dia 1º de junho de 1999. A esse ponto, “Dude Ranch” já se aproximava de 2 milhões de cópias comercializadas. As expectativas para esse disco eram ainda maiores. Foram 100 mil unidades vendidas na primeira semana.

Quando o clipe de “All the Small Things” saiu, em 28 de setembro de 1999, o álbum estava prestes a atingir 1 milhão de cópias vendidas nos EUA, marca superada em outubro. Dois meses depois, “Enema of the State” passou de 3 milhões, recebendo seu terceiro disco de platina.

Apesar de só ter chegado à 9ª posição na Billboard 200 e o 15º lugar nas paradas inglesas, “Enema of the State” ainda assim conseguiu vender uma quantidade assustadora de cópias. 15 milhões de cópias no mundo todo. O quarto grupo punk a chegar nesse patamar nos anos 90.

Entretanto, enquanto Nirvana acabou de maneira trágica, Green Day ficou sério e o Offspring nunca conseguiu replicar o mesmo sucesso após a virada do milênio, aqui está o Blink-182 em 2024. Tão relevante como nunca, fazendo piadas escatológicas.

Blink-182 — “Enema of the State”

  • Lançado em 1º de junho de 1999 pela MCA
  • Produzido por Jerry Finn

Faixas:

  1. Dumpweed
  2. Don’t Leave Me
  3. Aliens Exist
  4. Going Away to College
  5. What’s My Age Again?
  6. Dysentery Gary
  7. Adam’s Song
  8. All the Small Things
  9. The Party Song
  10. Mutt
  11. Wendy Clear
  12. Anthem

Músicos:

  • Mark Hoppus (vocais, baixo)
  • Tom DeLonge (vocais, guitarra)
  • Travis Barker (bateria)

Músico adicional:

  • Roger Joseph Manning, Jr. (teclados nas faixas 5, 7, 8, 11 e 12)

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Pedro Hollanda
Pedro Hollanda
Pedro Hollanda é jornalista formado pelas Faculdades Integradas Hélio Alonso e cursou Direção Cinematográfica na Escola de Cinema Darcy Ribeiro. Apaixonado por música, já editou blogs de resenhas musicais e contribuiu para sites como Rock'n'Beats e Scream & Yell.

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