Sepultura se despede de Porto Alegre com show grandioso em auditório

Araújo Vianna recebeu apresentação marcada por peso e consistência, inclusive do novato baterista Greyson Nekrutman

All things must pass. E tudo tem um tempo certo para acabar. De trajetórias tragicamente interrompidas a consensuais fins prematuros, de projetos de curta duração a carreiras longevas que optam pela aposentadoria, o fato é que bandas acabam. Músicos de bandas vão curtir a vida, se dedicar a família ou mesmo continuar na estrada de formas diferentes, cada um à sua maneira.

No final do ano passado, foi a vez do Sepultura, em coletiva de imprensa, anunciar o encerramento das atividades para 2025, um ano após a banda completar 40 anos. Uma turnê mundial começou pelo Brasil. A primeira data, no dia 1º de março, se deu em Belo Horizonte. As principais cidades onde o grupo construiu sua carreira, incluindo Porto Alegre, seriam visitadas.

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Numa quinta-feira (21) de mau-tempo, chegou a hora da despedida para os fãs gaúchos.

Foto: Yndi Nunes @yndinunesfoto

Mudança de formação às vésperas da turnê

Nem tudo são flores, nem mesmo na vida de uma das mais influentes bandas de metal do mundo. A apenas três dias do início da tour, o desligamento de Eloy Casagrande foi anunciado sem aviso prévio nem grandes explicações a não ser “outros projetos”.

Circundado por boatos de sua ainda não confirmada entrada no Slipknot, o baterista apenas emitiu nota, na qual afirmou que a decisão foi “tomada pensando em novos ciclos que virão” — o que serviu para aumentar o burburinho e a especulação em torno desta possibilidade. Por outro lado, o Sepultura, que pareceu — dado o teor de sua nota oficial — não ter gostado nada da atitude, até por ter sido comunicado menos de um mês antes da tour começar, conseguiu às pressas um substituto.

O último baterista para a última tour

Quem toparia — e teria condições de topar — um desafio desse tamanho? Ser oficialmente o último baterista do Sepultura, sucedendo, além do próprio Eloy, outros dois grandes músicos — o excelente Jean Dolabella e o lendário Iggor Cavalera — certamente não é algo que qualquer um toparia, ainda mais a semanas do primeiro show.

No entanto, o desafio coube a Greyson Nekrutman, baterista de jazz que ganhou notoriedade também como integrante do Suicidal Tendencies. Fenômeno de apenas 21 anos, o americano veio ao Brasil para iniciar os trabalhos e fez em Porto Alegre seu quinto show com a banda formada em Minas Gerais.

Foto: Yndi Nunes @yndinunesfoto

O prelúdio dessa história já anunciava que Greyson estava à altura, mas o que se viu no Auditório Araújo Vianna foi um baterista versátil, musical e que substituiu muito bem seus antecessores. Destaque para a introdução de “Means to an End”, onde Nekrutman foi alvo principal dos holofotes.

Repertório e performance incríveis

Entre todas as passagens do Sepultura pela capital gaúcha, está foi a que mais trouxe características de um espetáculo.

  • A começar pela estrutura de palco, que, além do imenso telão ao fundo, contou com mais painéis onde eram projetadas imagens;
  • Também nas extremidades do palco — à esquerda de Andreas e à direita de Paulo — havia telas que exibiam imagens tanto para a frente quanto para o lado interno;
  • Existe também um quatro telão, este muito mais extenso, abaixo da bateria de Greyson (que ficou posicionada não sobre um praticável, como é habitual, mas uma passarela, o que, somada à cor branca do instrumento, deu bastante destaque visual à bateria).

A luz também chamou a atenção durante toda a apresentação, mas já prometia antes mesmo do primeiro acorde, na execução de “Polícia”, dos Titãs, no sistema de som.

Quando se trata de uma turnê derradeira, é sempre uma questão o repertório: o que viria? O que ficaria de fora? Haveria espaço para surpresas? Porém, além das dúvidas corriqueiras e previsíveis nessa situação, no caso dessa banda, os fãs se perguntavam o qual das duas fases receberia mais espaço: a fase mais clássica, dos primeiros álbuns, ainda com Max Cavalera, ou a mais longeva, com Derrick Green à frente do quarteto?

Foto: Yndi Nunes @yndinunesfoto

A resposta foi: ambas. Mesmo privilegiando “Chaos A.D.” (1993) e “Roots” (1996), houve espaço para a imensa maioria dos álbuns no repertório da noite.

Muitos fãs da banda elegem “Chaos A.D.” como o melhor disco do Sepultura e dele veio a trinca que deu início à performance. Em execuções brutais e impecáveis, tal qual na gravação original, a sequência de hits “Refuse/Resist”, “Territory” e “Slave New World” fez o Araújo Viana explodir. Já não havia mais público sentado e boa parte dele já se aglomerava em frente ao palco, o que a segurança do auditório não gostou, tampouco pôde evitar.

Foto: Yndi Nunes @yndinunesfoto

Em seguida, a viagem pela trajetória do Sepultura foi completa: de todos os álbuns, apenas “A-Lex” (2009) e “The Mediator Between Head and Hands Must Be the Heart” (2013) ficaram de fora. As performances foram sempre bastante concisas, com eventuais momentos onde os veteranos Andreas Kisser (guitarra) e Paulo Xisto (baixo) prestaram, através de olhares e sinais, todo o suporte ao novato Greyson Nekrutman. O público de Porto Alegre foi brindado com uma máquina azeitada, que, apesar do curto tempo de preparo, mostrou quatro músicos que pareciam subir ao palco juntos já há anos.

Para quem acompanha a repercussão de outros shows da tour, fica claro que a apresentação é muito bem estruturada — o que não deixa de ter seu lado burocrático. As interações que o setlist vinha apontando aconteceram exatamente da mesma forma: Derrick saúda o público após “Slave New World”, Andreas apresenta Greyson antes de “Means to an End” e mais uma fala de Derrick antes de “Mind War” vieram no tempo programado.

Foto: Yndi Nunes @yndinunesfoto

Já na reta final, Kisser anuncia uma torrente de clássicos. Após relembrar a primeira passagem pela capital gaúcha, ainda nos anos 1980, ele provoca: “Vamos tocar umas coisas velhas agora. Mais velhos que o Paulo. Olha que o Paulo é velho!”, disse o guitarrista, arrancando risos, em uma interação que também se repete toda noite. Uma convocação do público ao mosh-pit, apesar de o local não ser o ideal (o auditório é um espaço para shows com cadeiras), embalou “Escape to the Void”, do álbum “Schizophrenia” (1987). Foi uma das mais bem recebidas pelo público.

Foto: Yndi Nunes @yndinunesfoto

Logo depois, “Kaiowas” contou com parte da equipe da banda tocando tambores que reforçavam a batida marcante, além de um roadie no violão. Para encerrar a parte regular do set, quatro clássicos e uma faixa mais recente no meio: “Sepulnation”, “Biotech is Godzilla”, “Agony of Defeat”, “Troops of Doom” e “Inner Self”. Ainda rolou “Arise”, faixa-título do álbum de 1991. O grupo deixou o palco — logicamente, sob fortíssimos aplausos — para o tradicional intervalo antes da última vez em que teríamos um bis do Sepultura.

Foto: Yndi Nunes @yndinunesfoto

Adeus em grande estilo

Mesmo sem surpreender, o encore com “Ratamahatta” e “Roots Bloody Roots” fechou o último show do Sepultura em Porto Alegre em grande estilo. O peso, a agressividade e a energia sobre os quais a banda fez fama se mostraram ainda mais presentes do que antes nestas músicas. Ovacionado, o quarteto se despediu após duas horas de show ao som de “Easy Lover”, de Phil Collins.

Não podemos afirmar com exatidão se este foi de fato o último show do Sepultura em Porto Alegre; afinal, fora a possibilidade de a turnê repetir destinos antes de encerrar, bandas se reúnem do mesmo jeito que acabam. Tudo depende da vontade de produtores e músicos.

Até lá, já deixa saudades o Sepultura do Brasil, talvez o maior nome brasileiro na música mundial.

*Mais fotos ao fim da página.

Foto: Yndi Nunes @yndinunesfoto

Sepultura — ao vivo em Porto Alegre

  • Local: Auditório Araújo Vianna
  • Data: 21 de março de 2024
  • Turnê: Celebrating Life Through Death

Repertório:

  1. Refuse/Resist
  2. Territory
  3. Slave New World
  4. Phantom Self
  5. Dusted
  6. Attitude
  7. Kairos
  8. Means to an End
  9. Cut-Throat
  10. Guardians of Earth
  11. Mind War
  12. False
  13. Choke
  14. Escape to the Void
  15. Kaiowas
  16. Sepulnation
  17. Biotech Is Godzilla
  18. Agony of Defeat
  19. Troops of Doom
  20. Inner Self
  21. Arise

    Bis:
  22. Ratamahatta
  23. Roots Bloody Roots
Foto: Yndi Nunes @yndinunesfoto
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Marcel Bittencourt
Marcel Bittencourthttps://igormiranda.com.br/
Marcel Bittencourt é jornalista musical, produtor musical e baixista da banda Hit the Noise. Esteve presente em mais de 600 shows, sendo mais de 200 na qualidade de repórter dos hoje extintos sites PoaShow e Rockbox, dos quais também foi editor. Nas horas vagas joga poker e espalha a palavra dos suecos do Hellacopters.

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