É estatístico: nove em cada dez americanos acreditam em um poder superior, mas apenas uma pequena maioria acredita em Deus conforme descrito na Bíblia. Sem deixar claro a qual grupo pertence — embora seja enteado de um ministro pentecostal —, Scott Stapp chega a seu quarto álbum solo prestando um tributo de fé à força espiritual ou ser supremo que o tem mantido de pé e longe das drogas que chegaram tão perto de colocar um ponto-final na sua vida.
Não que pregações deem o tom do aptamente denominado “Higher Power”, mas as entrelinhas deixam claro que há, sim, um compromisso e uma gratidão a serem expressos, bem como uma necessidade de exorcizar demônios residuais. Nada de novo sob o sol, diga-se: basta ver algumas das letras do Creed para sacar que este é o meio através do qual o cantor propaga sua mensagem de sobrevivência e esperança.
Nesta empreitada, sua segunda pela gravadora austríaca Napalm Records, Stapp, 50, tem como braço direito o virtuosos guitarrista grego Yiannis Papadopoulos, que coassina três das dez faixas do repertório. Um repeteco da parceria firmada no excelente “The Space Between the Shadows”, que este jornalista elegeu como melhor álbum de 2019, sendo até alvo do escárnio alheio em razão disso.
Cria do fusion, Papadopoulos traz para as músicas um acento experimental, mas com restrições. Stapp conhece bem seu público e parece ter descoberto a fórmula para repelir o grosso das comparações com o material de sua banda titular. Numa curiosa sintonia com o que se ouve no Alter Bridge — projeto paralelo dos demais integrantes do Creed —, o som tem um peso adicional elucidado pela timbragem moderna e por uma gravação que não deixa espaço para respiros. É tudo, ao mesmo tempo, agora. E tome efeitos na voz e adornos de ambiência.
A autobiográfica faixa-título abre o trabalho revivendo a temática de sobrevivência previamente explorada por meio de versos como “The day I died was the day I came back to life” (“O dia em que morri foi o dia em que voltei à vida”) e o refrão que gruda de cara: “Now I’m alive / I walked through fire / I survived” (“Agora estou vivo / passei pelo fogo/ sobrevivi”).
Em “Deadman’s Trigger”, o que chama atenção de imediato é o riff principal, mas, novamente, é no refrão que a canção dá um salto para além do lugar-comum. “When Love Is Not Enough” é uma balada dark pontuada por licks de guitarra blueseiros e um solo curto e eficaz, nos moldes do que o Creed apresentou em seu até o momento último disco, “Full Circle” (2009). Perdão pela comparação, Scott.
Primeira das trinca a quatro mãos com Papadopoulos, “What I Deserve”, se escora mais no tom confessional da letra do que no conjunto em si. Dueto com a cantora Dorothy Martin, “If These Walls Could Talk” traz o violão para o primeiro plano. Em “Black Butterfly”, outro riff sinônimo de pedrada, mas sob o véu por vezes incapacitante do industrial. Yiannis volta para o coprotagonismo na insossa “Quicksand”, que seguida do ról de obviedades “You’re Not Alone”, sinaliza certa perda de gás que, infelizmente, as derradeiras “Dancing in the Rain” — a última com o grego — e “Weight of the World” fracassam em recuperar.
Batendo 39 minutos — seis a menos que “The Space Between the Shadows” —, “Higher Power” empalidece na comparação direta com seu antecessor, que segue como o melhor disco solo de Stapp e, quem sabe, o mais impressionante da carreira do vocalista. A impressão, no fim das contas, é de tanque esvaziando em surpreendente velocidade a partir da segunda metade. Mas a primeira é boa, tão boa, que dá até para sonhar com posição no top… 20 ou 30 de 2024.
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Scott Stapp — “Higher Power”
- Higher Power
- Deadman’s Trigger
- When Love Is Not Enough
- What I Deserve (feat. Yiannis Papadopoulos)
- If These Walls Could Talk (feat. Dorothy)
- Black Butterfly
- Quicksand (feat. Yiannis Papadopoulos)
- Youre Not Alone
- Dancing In The Rain (feat. Yiannis Papadopoulos)
- Weight Of The World
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