Sid Vicious, desde o primeiro momento em que subiu num palco, se tornou o garoto-propaganda da autodestruição como performance no rock. Nada mais punk, vários dizem. Ele não sabia tocar seu instrumento, mal sabia existir como um membro da raça humana.
O jovem era uma destilação tão pura da alienação sofrida por uma geração de jovens ingleses que não é surpreendente ter morrido tão cedo — em 2 de fevereiro de 1979, aos 22 anos. Seu fim era anunciado quase desde seu nascimento.
Então, para falar da morte de Sid Vicious, é preciso voltar à pessoa que ele queria a todo custo evitar: ele mesmo.
Garoto solitário
John Simon Ritchie nasceu em 10 de maio de 1957, filho de Anne e John. Sua mãe havia largado a escola pelo exército, enquanto seu pai trabalhava de guarda no Palácio de Buckingham e abandonou a família logo após seu nascimento, deixando mulher e bebê o esperando na ilha de Ibiza, crentes num recomeço para a família.
Anne vendeu maconha para tentar sustentar a si e seu filho em Ibiza antes de conseguir auxílio da embaixada britânica. Ao retornar pro Reino Unido, ela entrava e saía de empregos, com os dois vivendo no limite da pobreza. Ela também se tornou viciada em heroína. Quando não ignorava a criança, tentava apresentá-la às mesmas drogas que a consumiam.
Quando adolescente, ele finalmente fez amigos no Ensino Médio: John Lydon, John Gray e John Wardle. Os quatro se aproximaram em grande parte pelo amor comunal por glam rock e o desejo de confrontar autoridades.
Eles criaram apelidos um para o outro. Lydon virou Johnny Rotten pela personalidade cáustica e o estado dos dentes. Wardle se tornou Jah Wobble. E Ritchie foi batizado Sid Vicious após ser mordido pelo hamster de Lydon, batizado em homenagem a Syd Barrett do Pink Floyd.
No livro “Rotten: No Irish, No Blacks, No Dogs”, o pai de John Lydon falou sobre sua impressão de Sid:
“Ele era um idiota sofrendo. Era tipo um animal de circo. Se ele estava sentado no canto e ninguém prestava atenção nele, ele cortava a própria mão ou coisa assim para atrair atenção. Era preciso parar de pensar em qualquer outra coisa e prestar atenção nele. Tudo que Sid fazia era isso.”
Garoto perigoso
O primeiro sinal de preocupação apareceu durante uma reunião com um orientador da escola. Jah Wobble contou sobre esse episódio numa entrevista ao The Guardian em 2009:
“Eu percebi o lado sombrio dele por volta de 1975. Ele tinha um orientador dele no colégio: eles obviamente identificaram ele como um garoto problemático. Ele já tinha dito que ia se matar. O orientador tinha pedido para ele trazer um amigo junto, então nós dois fomos, pela zoeira.
O orientador falou: ‘John disse que ele vai se matar’. Eu respondi: ‘ele bem que podia mesmo’. Sid fez que sim com a cabeça, sério. O orientador era um cara bem sincero de Hampstead e não sabia com que estava lidando. Ele estava boquiaberto. Era pra ser divertido, mas no que saí da sala, eu pensei: ‘meu Deus.’”
Logo após esse episódio, Lydon entrou para os Sex Pistols. Reza a lenda que ele foi chamado por confusão. O escolhido era pra ser Sid.
De qualquer jeito, a banda aos poucos ganhou forma e Vicious se tornou um dos fãs mais notórios do grupo. Era a pessoa mais empolgada em shows: pulava de um lado pro outro da plateia, frequentemente se metendo em confusão.
Sid tentou formar bandas nessa época e participou do grupo The Flowers of Romance com vários integrantes do The Slits e Siouxsie and the Banshees — do qual ele, como baterista, veio a fazer parte por apenas um show, o primeiro da carreira da banda. Quando Malcolm McLaren o recrutou para substituir Glen Matlock como baixista nos Sex Pistols, Sid pulou na oportunidade.
A esse ponto, todo mundo sabia que ele não tinha talento, não era dos mais inteligentes e tinha temperamento explosivo. Sob o conceito situacionista de McLaren, isso o fazia o avatar perfeito para as ideias sendo transmitidas pelos Sex Pistols.
Como Jah Wobble caracterizou ao The Guardian em 2009:
“Sid foi oferecido como sacrifício pelas pessoas em volta dos Pistols. Nenhuma delas teria feito nada daquilo. Ele era o piloto kamikaze e eles todos ficavam felizes de dar as ferramentas para ele fazer m#rda.”
Garoto sem saída
E aí os Sex Pistols acabaram. Após uma turnê americana desastrosa, John Lydon deixou o grupo, largando o amigo à própria sorte numa tentativa própria de sobreviver. Sid a esse ponto havia voltado a usar heroína, reapresentado à droga por Nancy Spungen, sua namorada.
Os dois tinham uma relação tempestuosa, imortalizada no cinema e literatura. Ela era a primeira mulher a mostrar qualquer tipo de carinho a Sid, então ele fazia tudo que mandasse. Mesmo assim, o baixista frequentemente a agredia, fato relativizado por pessoas da cena devido à personalidade desagradável de Nancy e o fato dela abusar verbalmente dele tanto quanto.
Tudo que ele fazia, das brigas em público a escrever as palavras “GIMME A FIX” [“me dá uma dose”] no próprio peito com uma faca antes de um show, alimentava a imagem dos Pistols. Malcolm McLaren colocou a banda, agora com ele de vocalista, para gravar um cover galhofa de “My Way” (Frank Sinatra) destinada à trilha de “The Great Rock’n’Roll Swindle”. O single chegou ao Top 10 do Reino Unido em junho de 1978.
Sid e Nancy deixaram a Inglaterra de vez no segundo semestre daquele ano em favor de Nova York. Os dois começaram a morar no Chelsea Hotel, e consumiam heroína como se fosse água. Era um conto de fadas decadente — e terminou numa tragédia.
Na noite de 11 de outubro de 1978, o casal deu uma festa no quarto de hotel deles, durante a qual Sid ingeriu 30 comprimidos de Tuinal e passou a maior parte do tempo praticamente em coma. A manhã seguinte raiou e ele foi encontrado vagando pelos corredores do Chelsea, incoerente. No banheiro da suíte, Nancy estava morta a facadas.
Inicialmente, Sid confessou ter matado Nancy à polícia, mas sua história frequentemente mudava para autodefesa, acidente ou total inocência. Na Inglaterra, Malcolm McLaren usava o caso como golpe de marketing, angariando fundos para auxílio legal — advogados foram pagos pela gravadora Virgin, o que faz essa campanha suspeita — através da venda de camisetas que sensacionalizavam o ocorrido.
Após receber fiança, um psiquiatra contratado por seu advogado, F. Lee Bailey, aconselhou sua mãe, Anne, a não deixá-lo sozinho. No mesmo dia desse aviso, ele tentou cortar os pulsos com uma lâmpada quebrada e foi internado em um hospital psiquiátrico.
Após receber alta no dia 26 de novembro, ele retornou à cena punk novaiorquina e não demorou muito para encontrar problema com a polícia de novo. Em 3 de dezembro, ele atacou Todd Smith, irmão da cantora Patti Smith, com uma garrafa quebrada. O juiz considerou isso uma violação de sua fiança e o enviou para a penitenciária de Riker’s Island, onde ele permaneceu até 1º de fevereiro de 1979 em um programa de desintoxicação forçada.
Ao sair, ele orientou um amigo a comprar US$ 200 de heroína para usar. Outros o encontraram no bairro do Village para uma festa. Entre eles estava Jerry Caiafa, que viria a adotar o sobrenome Only enquanto baixista dos Misfits. Em entrevista à Metal Hammer, ele contou sobre o estado de Sid naquela noite, a última de sua vida:
“Eu tive que dar uns tapas no Sid algumas vezes. Eu falei: ‘isso é ridcídulo’. E a mãe dele disse: ‘bem, acontece direto.’ Eu respondi: ‘não deveria acontecer nunca!’. Eu fui embora e deixei eles pras drogas.”
Não se sabe até hoje se Sid Vicious cometeu suicídio. Especula-se que sua tolerância para heroína havia diminuído durante a desintoxicação forçada em Riker’s. Mas é fato que ele está morto.
Não se sabe até hoje quem realmente matou Nancy Spungen ou o motivo. Mas é fato que ela está morta.
Eles nunca tiveram a menor chance.
* No Brasil, o Centro de Valorização da Vida (CVV), associação civil sem fins lucrativos, oferece apoio emocional e prevenção do suicídio, gratuitamente, 24 horas por dia. Qualquer pessoa que queira e precise conversar, pode entrar em contato com o CVV, de forma sigilosa, pelo telefone 188, além de e-mail, chat e Skype, disponíveis no site www.cvv.org.br.
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