Depois de uma apresentação histórica na primeira edição do Summer Breeze Brasil, em abril, o Blind Guardian retornou a São Paulo com o sarrafo lá no alto e uma árdua tarefa: fazer não apenas um, mas dois novos shows tão impactantes quanto o do festival, quando executou o álbum “Somewhere Far Beyond” (1992) na íntegra.
Só que basta olhar para a discografia e o leque de músicas disponíveis no repertório da banda alemã para saber que isso seria plenamente possível. E que os fãs sairiam de mais duas datas na cidade, desta vez no Terra SP, não menos do que extasiados.
Inspirados, os quatro bardos — Hansi Kürsch (vocal), André Olbrich (guitarra), Marcus Siepen (guitarra) e Frederik Ehmke (bateria) —, acrescidos do baixista Johan van Stratum e do tecladista Kenneth Berger, tocaram os clássicos obrigatórios, os destaques do disco novo, “The God Machine” (2022), e até músicas raras, contempladas ao vivo pouquíssimas vezes, como “Guardians of the Blind”, “Wizard’s Crown”.
Ou seja, o Blind Guardian “entregou tudo”, como se diz hoje em dia.
*Fotos de Gustavo Diakov / @xchicanox somente do segundo dia.
O que se viu, tanto no sábado (25) como no domingo (26), foram shows excelentes e com setlists que se complementaram. Ao todo, mudaram oito músicas.
A primeira noite deu sold out, com ingressos esgotados há meses; a segunda encheu, mas não lotou, o que permitiu um conforto maior. Além disso, o som estava ainda melhor, com mais definição, e foram tocadas 18 canções, uma a mais que no dia anterior. Em ambos, a abertura ficou a cargo da banda Trend Kill Ghosts.
A primeira noite
Após a abertura apoteótica com “Imaginations From the Other Side”, Hansi Kürsch travou logo o primeiro contato com o público e, em tom de brincadeira, agradeceu a todos por terem ido assistir ao Blind Guardian em vez de Taylor Swift. O vocalista prometeu que seria uma grande noite e que os fãs não iriam se arrepender.
“Blood of the Elves” foi a primeira de “The God Machine” e deixou claro por que o novo disco tem sido apontado como o trabalho mais pesado e agressivo do Blind Guardian em décadas. Um autêntico caso de retorno às raízes, com guitarras incendiárias como há tempos não se via na banda veterana de power/speed metal.
Em seguida, três músicas que não voltariam a ser executadas no dia seguinte: “Nightfall”, “The Script for My Requiem” e “Deliver Us From Evil”, essa última talvez a que teve recepção menos calorosa dentre as novatas do repertório.
Na primeira das três baladas da noite, Hansi citou a referência de “Skalds and Shadows” a deuses escandinavos e avisou que logo iria cantar também sobre “deuses americanos”, dando a deixa para “Secrets of the American Gods”, sem dúvida a melhor do último álbum e um clássico instantâneo. Que refrão!
Em “Banish From Sanctuary”, houve uma leve trombada entre Hansi e Marcus Siepen durante a movimentação no palco, com o vocalista aproveitando a ocasião para dizer que o guitarrista estava “banido de seu santuário”. Nada como o bom humor para lidar com eventuais percalços, por menores que sejam.
A essa altura, o som no Terra SP, que havia se mostrado um pouco embolado no começo da apresentação, já havia melhorado bastante. Três velhas canções — “The Bard’s Song – In the Forest”, cantada quase toda pela plateia, “Majesty” e “Traveler in Time” — encerraram a primeira parte do set. Mas era só o começo do saudosismo.
No bis, além das aguardadas “Lord of the Rings” e “Valhalla”, a banda ressuscitou “Guardians of the Blind”, do disco de estreia “Battalions of Fear” (1988). Muitos sequer a conheciam, mas os fãs die hard se deleitaram. Após “Mirror Mirror”, ainda quebraram o protocolo e tocaram mais uma: “Time Stands Still (At the Iron Hill)”.
A façanha de se superar
No domingo, o Blind Guardian conseguiu o que parecia impossível: fazer um show ainda melhor. Para além da subjetividade e do gosto pessoal em relação ao setlist, o fato é que o repertório foi maior (18 músicas x 17 no sábado), a qualidade do som beirou a perfeição do início ao fim e a execução foi precisa e avassaladora, sobretudo na reta final, quando brotaram vários circle pits na pista.
Após “Imaginations From the Other Side” e “Blood of the Elves”, Hansi anunciou que haveria algumas modificações pontuais no set, e as primeiras foram “Ashes to Ashes” e “Violent Shadows”, que se mostrou uma escolha bem melhor do que “Deliver Us From Evil”. “Time Stands Still (At the Iron Hill)”, que havia fechado a noite anterior, foi antecipada e trazida para o início, mantendo-se prestigiada.
Ciente do risco de soar repetitivo, Hansi encurtou os discursos e conversou menos, o que certamente ajudou a abrir espaço para uma música a mais em relação ao sábado. O que definitivamente não se alterou foram os gritos de “Olê, olê, olê, olê… Blindêêê, Blindêêê” a cada pausa. Esses permaneceram constantes.
Ao invés de “Skalds and Shadows”, talvez a banda pudesse ter tocado “Lord of the Rings” numa noite que contou com apenas duas baladas. Foi a única ausência mais sentida em relação ao sábado. Isso porque depois veio uma avalanche de novidades que foram muito bem recebidas e uma surpresa que ninguém imaginava.
“Born in a Mourning Hall”, “The Quest for Tanelorn”, “Lost in the Twilight Hall”, “Blood Tears” e “Welcome to Dying” fizeram a alegria de quem acompanhou e ama o período áureo do Blind Guardian na década de 1990, quando a banda teve ascensão meteórica e atingiu o ápice da carreira, entre os álbuns “Tales from the Twilight World” (1990) e o aclamado “Nightfall in Middle-Earth” (1998).
Se não bastasse tal sequência de tirar o fôlego, no bis sacaram mais uma improvável carta da manga: a pérola escondida “Wizard’s Crown”, outra que foi desenterrada do debut. De acordo com o site Setlist.fm, essa foi apenas a 10ª vez que a música foi tocada ao vivo ao longo dos 35 anos de história do Blind Guardian.
O privilégio vivido pelos fãs em São Paulo já estava evidente, mas foi escancarado com a trinca final, quando a banda emendou seus três maiores hinos, um atrás do outro: “Valhalla”, “Mirror Mirror” e “Majesty”, novamente quebrando o protocolo e atendendo a pedidos de “one more song”, já que ela não esteve prevista no setlist.
De certa forma, o show de domingo foi mais “sangue nos olhos”. Menos power, e mais speed metal. E ficou nítido que a banda tem curtido fazer esse resgate de seu lado mais “metálico” após anos carregando a promessa e a responsabilidade (que virou fardo) de lançar um disco totalmente orquestrado, “Legacy of the Dark Lands” (2019).
Sem esse peso nas costas, o Blind Guardian se reconectou com seu passado. Está mais leve e à vontade. Principal força criativa, o guitarrista André Olbrich ostentava um sorriso de orelha a orelha durante toda a apresentação, orgulhoso de cada riff e solo executado com maestria. Até o palco modesto, com um simples backdrop da arte de “The God Machine”, evita pomposidade e vai ao encontro dessa fase novamente orgânica da banda, que deixa a música em si ser a principal grandiosidade.
Quem esteve no Terra SP, saiu com a certeza de que o Blind Guardian ampliou com louvor e dois novos “integrantes” seu rol de shows inesquecíveis no país.
*A turnê The God Machine Tour 2023, que no Brasil já passou por Rio de Janeiro (18 de novembro), Belo Horizonte (19), Curitiba (21), Porto Alegre (23) e São Paulo (25 e 26), segue agora para Brasília, terça-feira (28), e Manaus (30), na quinta.
**Fotos de Gustavo Diakov / @xchicanox. Mais imagens ao fim da página.
Blind Guardian – ao vivo em São Paulo
- Local: Terra SP
- Data: 25 de novembro de 2023
- Turnê: The God Machine Tour 2023
Repertório:
- Imaginations From the Other Side
- Blood of the Elves
- Nightfall
- The Script for My Requiem
- Deliver Us From Evil
- Skalds and Shadows
- Banish From Sanctuary
- Secrets of the American Gods
- The Bard’s Song – In the Forest
- Majesty
- Traveler in Time
Bis:
- Sacred Worlds
- Lord of the Rings
- Guardian of the Blind
- Valhalla
- Mirror Mirror
- Time Stands Still (At the Iron Hill)
- Local: Terra SP
- Data: 26 de novembro de 2023
- Turnê: The God Machine Tour 2023
Repertório:
- Imaginations From the Other Side
- Blood of the Elves
- Time Stands Still (At the Iron Hill)
- Ashes to Ashes
- Violent Shadows
- Skalds and Shadows
- Born in a Mourning Hall
- Secrets of the American Gods
- The Bard’s Song – in the Forest
- The Quest for Tanelorn
- Lost in the Twilight Hall
Bis:
- Sacred Worlds
- Blood Tears
- Wizard’s Crown
- Welcome to Dying
- Valhalla
- Mirror Mirror
- Majesty
Trend Kill Ghosts
Repertório de 25 de novembro de 2023:
- Intro: Marching To The Light
- Puppets Of Faith
- Rebellion
- Deceivers
- Prisoners In Our Minds
- Poisoned Soul
- Phoenix
Repertório de 26 de novembro de 2023:
- Intro: Marching to the Light
- Puppets of Faith
- Rebellion
- Deceivers
- Prisoners In Our Minds
- Poisoned Soul
- Ghost’s Revolution
Trend Kill Ghosts:
Blind Guardian:
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A típica resenha pra te deixar grilado…
Como perdi um show desse? Rsrs