O calor que tem castigado São Paulo e o país inteiro nos últimos dias deu uma trégua — e até uma leve garoa caiu — durante a noite em que Alanis Morissette fez sua única apresentação no Brasil. A ocasião contou com a participação da roqueira baiana Pitty na abertura e foi marcada pelo poder feminino e muito emoção.
Se você sobreviveu aos anos 1990 e estava neste show, provavelmente, foi transportado para um tempo de angústias, descobertas, medos e alegrias; algo que só a música pode te proporcionar.
Discurso via música
Alanis nunca foi de falar muito no palco. Nada de discursos ou frases que anos mais tarde poderão ser usados contra ela. Mulher, esposa, mãe, artista, ela é um exemplo de perseverança em um nicho dominado pelo masculino.
Nada foi diferente no show da noite de terça-feira (14) no Allianz Parque, em São Paulo — com ingressos esgotados em poucos dias ainda em junho. “Boa noite, São Paulo”, “Obrigada”, “Nós amamos vocês e sentimos sua falta”, “Obrigada por nos receberem”, foram as frases ditas pela artista. É isso.
O discurso de Alanis está na entrega que acontece ali, no palco, numa performance poderosa, nos falsetes, nos rodopios e nos braços nervosos. E principalmente naquela voz e nas músicas escritas por ela há 28 anos em um álbum emblemático para uma geração inteira.
Lançado em 1995, “Jagged Little Pill” arrebatou fãs no mundo inteiro e a canadense, no seu terceiro álbum, atingiu o estrelato. Com três anos de atraso, a turnê comemorativa dos 25 anos do álbum chegou ao Brasil. Para usar uma frase bem clichê, antes tarde do que nunca.
Iniciada no Japão em 20 de julho, na cidade de Niigata, a tour se encerra na sexta-feira (17) na Cidade do México. O show único em solo brasileiro mostra que a artista tem mesmo um carinho especial pelo país, onde tem se apresentado desde 1996, mas não retornava desde 2012.
Na plateia, muitos fãs eram seus contemporâneos, já mais próximos dos 50 do que dos 40 anos. Muitas mulheres, mães que levaram filhos e filhas e jovens que tiveram o primeiro contato com a artista na pandemia.
Viagem musical atemporal
Pouco depois das 21h as luzes do Allianz Parque se apagaram. No telão, muitos registros em vídeos de como “Jagged Little Pill” ganhou a crítica e como Alanis Morissette virou uma estrela pop, participando até de filmes e séries, e como sua música segue em momentos interpretadas por outros artistas e participantes de reality shows.
Às 21h10 Alanis entra no palco tocando gaita, abrindo com “All I Really Want”. Vestindo uma capa de paetês preta, logo deixada de lado, ela também usava camiseta e calça pretas. Seus característicos cabelos soltos deixariam muito headbanger com inveja.
A partir daí começa uma viagem musical atemporal seguindo com “Hand in My Pocket”, “Right to You” e “You Learn”. O setlist contou com as 12 músicas de “Jagged…” e também canções de outros álbuns da cantora como o sucessor direto “Supposed Former Infatuation Junkie” (1998), “Havoc and Bright Lights” (2012) e o recente “Such Pretty Forks in the Road” (2020).
Em alguns momentos as imagens exibidas no telão emocionaram o público e a própria Alanis. Primeiro, em “Ablaze”, música escrita para os filhos — ela é mãe de dois meninos e uma menina —, e depois em “Ironic”, o momento mais apoteótico do show. Cenas do baterista Taylor Hawkins, que antes do Foo Fighters tocava com a artista, trouxeram um misto de gratidão e tristeza. O músico morreu aos 50 anos, em 2022. “In memory of Taylor Hawkins” foi a inscrição que apareceu junto ao rosto do baterista antes que as luzes se apagassem novamente.
Alanis tem uma banda afinadíssima; alguns desses músicos estão com ela há bastante tempo para entender cada olhar, cada pedido, cada movimento. Se no show da Pitty o som estava perfeito, em alguns momentos na apresentação da Alanis, nem tanto. Mesmo assim, Jason Orme (guitarra), Julian Coryel (guitarra), Victor Indrizzo (bateria), Michael Farrel (teclados) e Cedric LeMoyne (baixo) forneceram tudo que ela precisava para brilhar.
Em “Losing the Plot” ela recebeu a guitarra no meio do palco, em movimento, em um momento totalmente guitar hero. Em outros momentos girou em volta do próprio eixo, mostrando equilíbrio, e atravessou o palco inúmeras vezes, para alegria da turma que estava nas laterais.
Outro momento apoteótico se deu durante “You Oughta Know”, que colocou todo mundo pra cantar e pular no estádio. Aqui, a cantora se despediu pela primeira vez.
Não demorou para voltar para o bis que começou com “Your House”, com a introdução tocada em diferentes ritmos, seguida por “Uninvited” e fechando com “Thank You”, pouco antes das 23h. Ela ofereceu a música a todos os fãs ali presentes e no telão vários depoimentos de fãs que usaram a hashtag “#thankyouJLP25” mostrando sua gratidão por algo ou alguém.
Os músicos se abraçaram em frente ao palco, se despediram, Victor sai da bateria e filma a plateia — que também deixa um agradecimento a Alanis Morissette por perseverar no show business sem perder em momento algum a conexão com a própria história.
Repertório — Alanis Morissette:
- All I Really Want
- Hand in My Pocket
- Right Through You
- You Learn
- Segue 1 (Hands Clean)
- Forgiven
- Segue 2 (Everything)
- Mary Jane
- Segue 3 (Diagnosis)
- Reasons I Drink
- Head Over Feet
- Segue 4 (So Unsexy)
- Ablaze
- Segue 4 1/2 (Nemesis)
- Perfect
- Segue 5 Mike (Losing the Plot)
- Wake Up (acústica)
- (Intro Julian) Not the Doctor
- Ironic
- Segue 6 (Sympathetic Character)
- Smiling
- Segue 7 (I Remain)
- You Oughta Know
Bis:
- Your House
- Uninvited
- Thank You
Pitty, escolha certa para a ocasião
Se tem alguém que merece estar no palco antecedendo Alanis Morissette em show que homenageia o “Jagged Little Pill”, é Pitty. A cantora foi a escolha certa. As duas artistas celebram álbuns que transformaram suas carreiras: a baiana, vale lembrar, está na estrada com a turnê de 20 anos do “Admirável Chip Novo”, a “ACNXX”.
O show apresentado no Allianz Parque contou com quase todas as músicas do álbum e, para completar, algumas dos sucessores diretos “Anacrônico” (2005) e “Chiaroscuro” (2009). Pitty abriu com “Teto de Vidro” às 19h30, e em uma hora fez uma performance dinâmica com o seu “power fucking trio”: Martin Mendonça (guitarra), Jean Dolabella (bateria) e Paulo Kishimoto (baixo).
A cantora agradeceu a oportunidade de estar ali em uma noite tão importante. Em inglês, deixou um recado para Alanis, dizendo o quanto ela é amada no Brasil. “É muito bom estar aqui com vocês celebrando músicas que atravessam os tempos, que são relevantes até hoje”, destacou.
O público aplaudiu e cantou junto com Pitty, a menina que virou “um mulherão da p****” diante dos olhos do seu público.
Repertório — Pitty:
- Teto de vidro
- Admirável chip novo
- Máscara
- Equalize
- O lobo
- Emboscada
- Temporal
- I Wanna Be
- Semana que vem
- Memórias
- Na sua estante
- Me adora
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