À primeira vista, Rod Stewart e Ivete Sangalo se apresentarem juntos soa como algo improvável. No entanto, isso aconteceu no Allianz Parque, em São Paulo, no último sábado (30).
Nacionalmente conhecida, entre outras razões, pelos enormes shows nos carnavais brasileiros, a cantora baiana abriu o evento e retornou para participar das duas últimas canções do setlist do artista inglês. Acabou por mostrar como é que se conquista um público que muitos, erroneamente, supuseram que não estaria tão interessado em sua performance.
Mundialmente estabelecido desde a segunda metade da década de 1960 em virtude da participação em supergrupos como Jeff Beck Group e The Faces, além de uma profícua carreira solo mais orientada ao pop que já ultrapassa quatro décadas e meia, o artista britânico entregou a todos um animado e bem produzido espetáculo. Clássicos oriundos de sua própria trajetória na música dividiram espaço com sucessos da carreira de artistas americanos consagrados ao longo da segunda metade do século 20, como Etta James, Tom Waits e Tina Turner.
Ainda que tenham origens distintas — a primeira no axé, a segunda no rock —, Ivete e Rod são artistas pop. Cada um à sua maneira. Mesmo assim, foram comuns as caretas reações negativas à colaboração entre os diferentes artistas, como ocorre também em grandes festivais a exemplo do Rock in Rio.
Por isso, era natural o questionamento: esses dois poderiam dar certo juntos? Não só pode, como deu.
*Fotos de Gustavo Diakov / @xchicanox.
Quando a chuva passar (não passou)
Usando um macacão e polainas prateadas e acompanhada por uma banda toda vestida de branco, Ivete Sangalo subiu no palco quando o Allianz Parque ainda não estava majoritariamente ocupado pelo público — com o qual ela se comunicou desde o início, seja contando histórias e piadas ou simplesmente fazendo comentários sobre as músicas. O setlist da baiana de Juazeiro buscou contemplar, desigualmente, duas diferentes marcas de sua carreira: uma, em que se destacam os hits de axé músic e as músicas de carnaval, e outra mais “romântica”, centrada mais na fabulosa voz de Ivete e nas teclas do piano.
Com uma banda relativamente grande — contendo baixo, bateria, dois backing vocals, guitarra, teclado, metais, percussão e dançarinos —, Ivete cantou, do repertório mais agitado, as canções “Abalou”, “Sorte Grande”, “Festa”, “Acelera Ae”, “Me abraça” e “Arêrê”. Várias delas tiveram participação da audiência, que ao longo da apresentação foi chegando e ocupando os diferentes setores do estádio, mas principalmente a parte central do campo, composta por cadeiras.
Da fase romântica, Ivete privilegiou duas de suas maiores canções: “Se eu não te amasse tanto assim” e “Quando a chuva passar”, que também levaram as pessoas a cantar junto, em pé e em coro. Um atestado de que a artista definitivamente conseguiu inculcar sua produção artística na cabeça do público, até mesmo quem não é conhecedor de seus trabalhos.
Além de músicas de sua carreira solo propriamente dita, a cantora também resgatou números do tempo em que ocupava o posto de vocalista da Banda Eva, ainda nos anos 1990. Também executou versões de outros colegas oriundos da Bahia, como Margareth Menezes e a BamdaMel — algo que, como visto com Rod Stewart, faz parte do formato Legends in Concert, em que as e os artistas, além de suas próprias obras, adicionam canções de outros músicos a seus repertórios.
Ao final do concerto de abertura, fica evidente o porquê de Ivete estar, merecidamente, há 30 anos fazendo espetáculos Brasil e mundo afora.
Repertório — Ivete Sangalo:
- Cria da Ivete
- Tempo de alegria
- Abalou
- Sorte grande
- Festa
- Acelera aê (Noite do bem)
- Muito obrigado Axé
- Faraó, divindade do Egito (Margareth Menezes cover)
- Prefixo de verão / Baianidade nagô (cover de BamdaMel)
- Me abraça (Banda Eva)
- Beleza rara (Banda Eva)
- Rua Da Saudade
- Eva (cover de Umberto Tozzi)
- Dançando
- A galera
- O doce
- Céu da boca
- Se eu não te amasse tanto assim
- Quando a chuva passar
- Arerê (Banda Eva)
Da ya think I’m sexy? (Sim)
Pouco mais de uma hora após do fim do show de Ivete Sangalo e com um intervalo regado a clássicos do pop e do rock internacional no som mecânico, Rod Stewart pessoalmente iluminou o estádio do Palmeiras com uma apresentação que durou cerca de uma hora e trinta minutos. Logo de cara, fez todas as pessoas se levantarem das cadeiras que ocupavam o centro do campo.
Esbanjando carisma e sensualidade, o astro de 78 anos, usando calças apertadas, paletós espalhafatosos (uma de suas marcas registradas) e o mesmo corte de cabelo de 50 anos atrás, cantou vários de seus hits da década de 1970 e 1980, como “Young turks”, “Baby Jane”, “Forever Young” e “I Don’t Want to Talk About It” — esta última, presente em quase todo DVD pirata de temática “flashback” e responsável por fazer o estádio inteiro cantar.
Os covers também fizeram parte do repertório do concerto e, de modo geral, funcionaram bem — especialmente no caso de “I’d Rather Go Blind”, da já mencionada Etta James, em que Rod, além de dedicar a canção a Christine McVie, ex-Fleetwood Mac falecida em novembro último, demonstra ainda possuir uma voz com bastante vigor. Stewart, aliás, manifestou recentemente seu desejo de não realizar mais turnês, mas essa decisão certamente não possui nenhuma relação com sua voz ou sua capacidade de seguir como um grande frontman, um mestre de cerimônias de destaque.
A banda que acompanha Stewart estava toda trajada de branco e era formada por nada menos que três backing vocals, guitarra, violão de 12 cordas, baixo, sax, dois violinos, piano, bateria, percussão, harpa, duas meias-luas e dois chocalhos. Sua composição mudava a cada ato do espetáculo, a depender do que cada canção pedia. Tal dinâmica lembra bastante a origem do evento Legends in Concert, na cidade americana de Las Vegas, conhecida por seus shows teatrais em cassinos. Trocando em miúdos, todos os músicos do conjunto, inclusive o próprio Rod Stewart, estavam ali jogando para o espetáculo, para a performance, excluindo qualquer possibilidade de exageiros pessoais.
Como já antecipado, as duas últimas canções do longo repertório contaram com a participação de Ivete Sangalo. São elas “Da Ya Think I’m Sexy”, faixa especialíssima na trajetória de Rod Stewart (ainda mais quando tocada no Brasil) e “Sailing”, cover do The Sutherland Brothers Band. Ivete cantou com segurança e firmeza enquanto Stewart, demonstrando grande generosidade, estava completamente confortável e curtia o momento.
Uma pena que nessa parte final da apresentação, com a chuva mais intensa, uma quantidade razoável de pessoas abandonou as cadeiras no centro do estádio para se abrigar nas rampas de acesso aos banheiros e demais setores da arena, estas cobertas.
*Fotos de Gustavo Diakov / @xchicanox. Mais imagens ao fim da página.
Repertório — Rod Stewart:
Just Can’t Get Enough (Depeche Mode) – abertura, anunciando o início do show
- Addicted to Love (cover de Robert Palmer)
- You Wear It Well
- Ooh La La (The Faces)
- Infatuation
- Young Turks
- Baby Jane
- Forever Young
- The First Cut Is the Deepest (cover de Cat Stevens)
- You’re in My Heart (The Final Acclaim)
- Maggie May
- I’d Rather Go Blind (cover de Etta James; dedicada a Christine McVie, ex-Fleetwood Mac)
- Downtown Train (cover de Tom Waits)
- Rhythm of My Heart (cover de Marc Jordan; dedicada à Ucrânia)
- I’m Every Woman (cover de Chaka Khan; Rod faz apenas backing vocals)
- I Don’t Walk to Talk About It (cover de Crazy Horse
- Have I Told You Lately (cover de Van Morrison)
- Lady Marmalade (cover de The Eleventh Hour; Rod faz apenas backing vocals)
- Some Guys Have All the Luck (cover de The Persuaders)
- It Takes Two (cover de Kim Weston; dedicada a Tina Turner)
- Da Ya Think I’m Sexy? (com Ivete Sangalo)
- Sailing (cover de The Sutherland Brothers Band cover; com Ivete Sangalo)
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