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A volta do AC/DC ao básico e a números medíocres com “Flick of the Switch”

Gravado em menos de um mês e produzido pela própria banda, álbum interrompeu sequência de best-sellers; baterista foi mandado embora durante os trabalhos

Quer saber como um disco que vende mais de 2 milhões de cópias pode ser considerado um fracasso? Pergunte ao AC/DC.

Ok que a régua de comparação não foi nada justa com “Flick of the Switch”. Com os números vultuosos de “Back in Black” (1980) e “For Those About to Rock” (1981) fazendo sombra, o nono álbum de estúdio do grupo tinha uma missão mercadológica quase impossível a cumprir.

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Como se não bastasse toda a expectativa criada em torno, as decisões tomadas nos bastidores e as circunstâncias da concepção do disco em nada ajudaram a banda.

“Já estava todo mundo de saco cheio”

Quando 1982 chegou ao fim, “For Those About to Rock” tinha rendido ao AC/DC 27 Discos de Ouro e Platina em oito países e a Rolling Stone, que nunca teve lá muito boa vontade com rock mais pesado, foi categórica: o oitavo álbum de estúdio do grupo, à época composto por Brian Johnson (vocais), Cliff Williams (baixo), Phil Rudd (bateria) e os irmãos Angus e Malcolm Young nas guitarras solo e base, respectivamente, era o seu melhor até então.

Mas a custa de que tais números e tamanho prestígio haviam sido alcançados? A gravação de “For Those About to Rock” foi tão extenuante que não houve pódio de chegada nem beijo de namorada, como revela Malcolm à Metal CD:

“Quando terminamos o álbum, tinha levado um tempão. Acho que ninguém, nem a banda, nem o produtor [Robert John ‘Mutt’ Lange], poderia dizer se estava soando bem ou mal. Já estava todo mundo de saco cheio.”

Na sequência de uma parada no Ano-Novo, tiveram início os preparativos para o próximo disco. E mudanças radicais estavam para acontecer.

“Queríamos uma coisa crua”

O AC/DC iniciou os ensaios do que se tornaria “Flick of the Switch” em março de 1983, na Ilha de Man, no Reino Unido. No mês seguinte, a banda voltaria para Nassau, nas Bahamas, para gravar no mesmo Compass Point Studios usado no arrasa-quarteirão “Back in Black”. Só que desta vez sem Harry Vanda, George Young ou Robert John “Mutt” Lange para guiar os trabalhos: Angus e Malcolm decidiram produzir o disco eles mesmos.

À Guitar Player, Angus revelou o porquê:

“Queríamos uma coisa crua. Nosso som sempre foi cru, queríamos que ficasse mais livre dos reverbs e dos efeitos. O que se quer é o som natural da bateria — nada daquele eco enorme soando. Nossa tendência é manter a ideia crua da coisa toda, porque esse é o som do rock (…) Sempre fazemos todas as bases juntos — as duas guitarras, o baixo e a bateria. Só assim dá para sentir a coisa acontecer.”

Segundo depoimento do engenheiro de som Tony Platt a Mick Wall, autor de “AC/DC: A biografia” (Globo Livros, 2014), Malcolm lhe deu um ponto de referência para o novo disco:

“A gravação de B.B. King com Johnny Winter de ‘Mannish Boy’, aquela em que todo mundo está gritando na sala. Ele [Malcolm] queria que a sensação fosse a mesma.”

“Lábio cortado, olho roxo… uma p#ta briga”

Alguns meses antes da gravação de “Flick of the Switch”, em um show privado do AC/DC para a Atlantic Records, o baterista Phil Rudd não só apareceu atrasado, como ficou tão bêbado que não conseguiu terminar o bis. Seu apetite por álcool e várias substâncias piorou ainda mais em Nassau. A gota d’água, supostamente envolvendo a gravidez indesejada de uma parente de Malcolm, foi quando ele e o guitarrista chegaram às vias de fato, como relembra o tour manager Ian Jeffery:

“Algo aconteceu, e Malcolm ficou doido. Ele subiu, chutou a porta [do quarto do Phil] e foi pra cima dele. E foi isso. Lábio cortado, olho roxo (…) Foi algo muito pessoal. Se acontecesse comigo ou com você, provavelmente teríamos feito a mesma coisa. Não ajudou que tenha sido num momento em que nada estava andando direito. Foi o momento errado, enquanto estavam isolados em uma ilha. Malcolm cheio de álcool na cabeça, e foi isso, sabe? Foi uma p#ta de uma briga.”

Phil foi colocado no primeiro avião de volta para a Nova Zelândia, onde morava. Apesar de não terem terminado o álbum antes de o baterista deixar a banda, tudo o que ele gravou foi mantido. Barry J. Wilson, do Procol Harum, chegou até a refazer algumas baterias, que nunca foram utilizadas.

De volta à Inglaterra, o AC/DC colocou um anúncio anônimo na revista Sounds, que dizia: “Procura-se baterista de rock pesado. Se você não bate forte, melhor nem se candidatar”. Depois de dezenas de testes num estúdio em Londres, Simon Wright foi escolhido para a vaga. Para o jovem de 20 anos que havia tocado com o Tytan e estava na plateia em Manchester em 1979 quando o AC/DC tocou lá com abertura do Def Leppard, era um sonho realizado. Ele se lembra, em conversa com a autora de “Let There Be Rock” (Companhia Editora Nacional, 2009), Susan Masino:

“Li um anúncio que dizia ‘Banda de rock procura um baterista’. Eu nem sonhava que seria o AC/DC. Telefonei e, quando cheguei ao estúdio, lá estavam Brian, Angus, Malcolm e Cliff. Eu não conseguia acreditar no que estava vendo. Tocamos umas músicas e foi tudo bem. Fui convidado a voltar e, na segunda vez, estava tremendo dos pés à cabeça. Mas eles gostaram do que toquei, e acabai ficando com a vaga.”

“Gravamos o mais rápido que pudemos”

Apesar desse que foi um dos maiores percalços da carreira do AC/DC, “Flick of the Switch” ficou pronto em menos de um mês, conforme Malcolm relata a Brad Tolinski em fala impressa no encarte da edição remasterizada do álbum lançada em 2003:

“Gravamos o mais rápido que pudemos e acho que foi uma reação ao ‘For Those About to Rock’. A gente simplesmente pensou: ‘Que se dane! Já estamos cheios dessa m#rda!’ Ninguém estava a fim de passar outro ano inteiro fazendo um disco. Estávamos tentando voltar a ser uma banda simples. Isso era o que ‘Flick of the Switch’ era: um álbum básico, cru até dizer chega. Foi um tapa na cara de tudo que estava acontecendo naquela época. Decidimos eliminar 10 faixas e divulgá-las.”

Na verdade gravaram treze faixas, mas três delas nunca foram lançadas: as autorais “Out of Bonds” e “Tightrope” e um cover de “Messin’ with the Kid”, de Junior Wells.

O despojamento do AC/DC teve reflexo em outras frentes do projeto. A capa do disco, por exemplo — um desenho a lápis de um Angus pequenino tentando puxar para baixo uma enorme chave elétrica assinado por Brent Richardson — deu ao álbum a aparência de um bootleg.

Faltava cor, assim como faltavam a músicas como “Deep in the Hole” e “Bedlam in Belgium” — inspirada no quebra-quebra que se seguiu a um show da banda na Bélgica — o atrativo de lados B anteriores. Sem contar a ausência de um carro-chefe, como “Highway to Hell”, “Back in Black” ou “For Those About to Rock”, para servir de música de trabalho.

“Ninguém gostou, ninguém”

Vendo que o disco não tinha singles em potencial, a Atlantic Records não deu nenhuma prioridade a ele. Ainda assim, “Flick of the Switch”, lançado em 15 de agosto de 1983, alcançou o quarto lugar nas paradas do Reino Unido e o décimo quinto nas dos Estados Unidos; números imponentes, mas para o AC/DC, um fiasco.

Em outubro, com Simon Wright oficialmente ocupando o posto de baterista, a banda filmou os videoclipes de “Guns for Hire”, “Nervous Shakedown” e da faixa-título, e deu o pontapé inicial numa malfadada turnê pelos Estados Unidos. A fraca recepção a desencorajou tanto que os planos de um giro pela Europa foram cancelados. Para Jeffery, o motivo é um só:

“Ninguém gostou [do disco], ninguém. Nenhuma rádio, nenhum promoter… Estavam no auge, e, de repente, foi um completo desastre.”

Nos quarenta anos que se passaram desde o lançamento do álbum, a banda frequentemente se referiu a “Flick of the Switch” com orgulho, mas a ausência de músicas dele nos shows sugere justamente o contrário. Ainda assim, o que já não era tão bom ficaria ainda pior no álbum seguinte.

AC/DC – “Flick of the Switch”

  • Lançado em 15 de agosto de 1983 pela Albert / Atlantic
  • Produzido pelo AC/DC

Faixas:

  1. Rising Power
  2. This House Is on Fire
  3. Flick of the Switch
  4. Nervous Shakedown
  5. Landslide
  6. Guns for Hire
  7. Deep in the Hole
  8. Bedlam in Belgium
  9. Badlands
  10. Brain Shake

Músicos:

  • Brian Johnson (voz)
  • Angus Young (guitarra solo)
  • Malcolm Young (guitarra rítmica, backing vocals)
  • Cliff Williams (baixo, backing vocals)
  • Phil Rudd (bateria)

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Marcelo Vieira
Marcelo Vieirahttp://www.marcelovieiramusic.com.br
Marcelo Vieira é jornalista graduado pelas Faculdades Integradas Hélio Alonso (FACHA), com especialização em Produção Editorial pela Universidade Estadual Paulista (UNESP). Há mais de dez anos atua no mercado editorial como editor de livros e tradutor freelancer. Escreve sobre música desde 2006, com passagens por veículos como Collector's Room, Metal Na Lata e Rock Brigade Magazine, para os quais realizou entrevistas com artistas nacionais e internacionais, cobriu shows e festivais, e resenhou centenas de álbuns, tanto clássicos como lançamentos, do rock e do metal.

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