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O canto do cisne do The Police em “Synchronicity”

Sting, Stewart Copeland e Andy Summers chegaram ao topo do mundo e desbancaram "Thriller", mas se desintegraram no processo

O The Police precisou apenas de cinco anos para se firmar não só como uma das maiores bandas de sua era, mas também da história do rock. O trio formado por Sting (baixo e voz), Andy Summers (guitarra) e Stewart Copeland (bateria) explodiu graças a sua sonoridade combinando a energia do punk rock com reggae e jazz.

Era um grupo estranho no papel, formado por:

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  • um baterista americano saído de uma banda progressiva;
  • um baixista do norte da Inglaterra até então só interessado em jazz;
  • e, após a primeira escolha não dar certo por ser mais punk que músico, um guitarrista dez anos mais velho que o resto da banda, tendo tocado com o The Animals e Jimi Hendrix.

Deu certo. Ao longo de quatro álbuns, a banda foi crescendo cada vez mais, chegando ao topo das paradas no Reino Unido e nos Estados Unidos, além de encher estádios. O problema é que a briga de egos estava forte.

Desde o início, Sting havia se firmado como o principal compositor. Com o sucesso do grupo, ele havia se tornado não só um músico de sucesso, como também ator e sex symbol. Summers e Copeland não gostavam quando o vocalista trazia esse ego todo para a banda, diminuindo suas contribuições.

Entretanto, Sting estava prestes a chegar ao seu ápice como compositor. E isso acabou custando a existência do The Police.

Parapsicologia

Sting passava por uma fase criativa muito influenciada pela obra do autor húgaro Arthur Koestler, cujos livros a partir do final dos anos 60 discutiam psicologia através de uma lente filosófica.

“Ghost in the Machine”, álbum de 1981 do The Police, havia sido batizado em homenagem ao livro de 1967 do mesmo nome do autor, que tentava explicar a origem da violência causada por seres humanos explorando a dualidade entre mente e corpo.

O trabalho era o mais ambicioso da banda até então. Aqui, a banda trabalhou pela primeira vez com o produtor Hugh Padgham, responsável pela sonoridade de bateria com gated reverb usada por Phil Collins e Peter Gabriel no início dos anos 1980 e que acabou ditando o som da década.

Os arranjos se expandiram além do formato power trio do Police até então: havia teclados, metais e sintetizadores. O som tornou tornando muito mais denso comparado aos álbuns anteriores.

Essa densidade, contudo, não seria levada adiante, como Sting falou à Musician em 1983:

“Eu gostei de fazer ‘Ghost in the Machine’ e brincar com as ferramentas do estúdio, construindo coisas e botando mais vocais. Muito divertido. Mas escutando o disco, eu pensei: ‘ei, minha voz sozinha soa tão boa quanto 15 overdubs, então vou tentar ela sem nada’. E eu fiz a parte de saxofone já, estou de saco cheio dela, e Andy estava afim de só tocar uma parte de guitarra. Fico feliz de termos feito ‘Ghost’. Não me arrependo. Mas era hora de mudar o regime novamente.”

O álbum seguinte ia além na exploração da obra de Koestler e foi batizado em homenagem ao conceito de sincronicidade desenvolvido por Carl Jung, usado para descrever eventos que parecem relacionados em significado, mas não possuem conexão causal.

Enquanto Sting explorava esses temas, sua vida pessoal estava em frangalhos. O casamento com a atriz Francis Tomelty estava chegando ao fim, com os dois se separando logo após o nascimento da segunda filha dos dois, no ano de 1982. Eles oficializaram o divórcio um ano após o lançamento de “Synchronicity”.

As letras presentes nos maiores sucessos do disco – “Every Breath You Take”, “Wrapped Around Your Finger” e “King of Pain” – todas lidavam de alguma maneira com o estado emocional de Sting nessa época. O músico explorou os lados mais sombrios da obsessão amorosa para o público, depois, considerar isso romântico.

Cada um no seu quadrado

O The Police poderia ter sido o refúgio de Sting nesse período, mas havia um problema: a banda se odiava a esse ponto. O frontman sempre foi o compositor principal do grupo, mas nos primeiros discos a tensão criativa era positiva, com Andy Summers e Stewart Copeland tendo oportunidades de contribuir para arranjos e composições.

Em 1983, esse equilíbrio delicado havia ido para o brejo. O grupo havia gravado “Ghost in the Machine” no AIR Studios, na ilha caribenha de Montserrat, e durante suas sessões, cada integrante foi se distanciando um do outro, montando seus equipamentos em um cômodo diferente do estúdio para explorar a acústica do ambiente.

Em entrevista para o site Sound Vapors, Stewart Copeland fala sobre como a procura pelo som de bateria:

“Ele conseguiu esse som fantástico da bateria colocando o kit na sala de estar. Então ela soava ótima, mas algo que podemos ver em retrospecto é que colocar a bateria tão longe dos outros dois reduziu o elo humano entre a gente. Eu estaria lá olhando um monitor de TV dos outros dois. Bem, era o Andy na sala grande e Sting na sala de controle tocando baixo. Enquanto estávamos fazendo as faixas básicas, foi bem tenso. Eles impacientes porque querem gravar o básico rápido e se divertir fazendo overdubsde guitarra, vocais e o resto das coisas divertidas. Mas antes de poderem brincar, Stewart precisa acertar a porra da parte de bateria dele (risos).”

Quando chegou a hora de gravar “Synchronicity”, Sting chegou com demos arranjadas de quase todas as músicas do disco. Isso significava que Copeland e Summers não tinham tanto tempo para aprender suas partes ou sequer desenvolvê-las além do determinado pelo baixista.

O esquema de separar os integrantes agora servia um propósito social, pois as tensões nunca estiveram tão altas. Em entrevista para o Sound on Sound, Hugh Padgham descreveu o ambiente em Montserrat:

“No álbum anterior, as demos do Sting haviam dado uma boa ideia do que ele queria, então minha produção foi mais para conseguir um som coeso. Não houveram conversas profundas sobre a direção do disco, porque a música falava por si, e ainda que fossem em grande parte canções do Sting, os outros caras haviam feito suas marcas no produto final. Contudo, quando chegou a hora de ‘Synchronicity’, eles estavam de saco cheio um do outro – Sting e Stewart se odiavam, e apesar de Andy não ser tão venenoso, ele podia ser bem ranzinza – e haviam brigas verbais e físicas no estúdio. Quando essas aconteciam, eu tentava ser o senhor produtor e tentar apartar, falando: ‘Qual é, vocês precisam se encher de porrada?’, mas aí eles viravam pra mim e gritavam: ‘Não se mete! O que você tem a ver? Você não sabe nada da gente!’.”

O ápice do conflito entre Sting e Copeland se deu em “Every Breath You Take”. Na mesma entrevista, Padgham contou sobre como quase se demitiu:

“Sting queria que Stewart tocasse um ritmo bem simples sem viradas ou coisas assim, e isso era a antítese completa do estilo do Stewart. Stewart diria: ‘Eu quero colocar a minha parte de bateria nisso, p#rra!’. E Sting diria: ‘Eu não quero a sua parte de bateria nisso, p#rra! Eu quero que você coloque o que eu quero que você grave!’. E a briga continuava a partir disso. Foi bem difícil. Eu lembro de ligar para meu empresário, Dennis [Muirhead], e falar: ‘Eu não aguento isso’. Lembro de trabalhar por 10 dias em Montserrat tendo nada gravado que era usável.”

No fim, a bateria de Stewart Copeland foi construída a partir de overdubs de cada item individual do kit. O hi-hat tinha um delay de 300 milissegundos, o bumbo foi criado com um Oberheim, o gongo e os pratos tocados com marretas surgiram nas transições do refrão e o som de caixa bem característico foi criado tocando uma caixa com uma mão e um gong drum da Tama com a outra mão.

O riff imortal da canção foi criado por Andy Summers a partir de uma frase gravada por Sting na demo usando um órgão Hammond. O Oberheim usado no bumbo em “Every Breath You Take” também apareceu de maneira mais proeminente nas faixas “Walking in Your Footsteps” e “Synchronicity I”.

Uma característica forte do álbum “Synchronicity” em comparação com o resto da obra do The Police é o abandono do reggae na sonoridade. Aqui, o grupo executou algo muito mais próximo do art-pop de artistas como Peter Gabriel, fazendo uso de influências de world music prestes a se tornarem onipresentes na música ocidental.

Maior banda do mundo

Essa mudança de sonoridade se provou extremamente bem-sucedida. The Police sempre foi uma banda bastante popular no Reino Unido, e seus dois discos anteriores – “Zenyatta Mondatta” e “Ghost In The Machine” – ambos atingiram o Top 5 nos EUA, porém “Synchronicity” lançou o grupo um patamar além.

O disco, lançado em 17 de junho de 1983, chegou ao topo da Billboard 200 em julho daquele ano, interrompendo a dominação das paradas de “Thriller” (1982), trabalho recordista de Michael Jackson. Ao todo, o álbum passou 17 semanas não-consecutivas em primeiro lugar, uma marca assombrosa.

A turnê os viu tocarem em estádios esportivos nos EUA e Reino Unido, culminando numa apresentação para 70 mil pessoas no Shea Stadium de Nova York, palco de um lendário show dos Beatles 18 anos antes. 

Entretanto, Sting já estava nutrindo desde as gravações do disco uma vontade de deixar o grupo e encarar uma carreira solo (via Mental Floss).

“‘Every Breath You Take,’ ‘Wrapped Around Your Finger’ eram todas sobre a minha vida, e isso foi o fim do Police porque percebi não poder envolver esse tipo de trabalho pessoal num processo democrátivo, pelo menos não sobre essas questões. Então ficou bem claro para mim durante o processo desse fisco que era o fim do Police.”

Essa ideia veio à tona após o show no Shea Stadium, com Sting encarando esse feito como um sinal de que deviam parar (via Ultimate Classic Rock):

“Eu não havia decidido fazer nada sobre isso até tocarmos no Shea Stadium. Foi o ápice de tudo que havíamos nos proposto a fazer. Tudo que dá para fazer a partir daí é repetir. Eu virei para o Andy e falei: ‘Sabe, não tem como melhorar. A gente deveria parar’. Surpreendentemente, Andy disse: ‘Sim, a gente devia parar’. Todos sabíamos ao fim da turnê que era isso.”

Ao final da turnê de “Synchronicity”, a banda entrou em hiato e Sting gravou seu disco solo de estreia, “The Dream of Blue Turtles”. O The Police ficou num estado de animação suspensa, se reunindo em 1986 para shows beneficiando a Anistia Internacional e eventuais sessões de gravação para um disco novo.

Essas sessões foram atrapalhadas por um acidente de cavalo sofrido por Stewart Copeland, que fraturou a clavícula e não pode tocar bateria normalmente. No encarte do box set “Message in a Bottle”, Andy Summers descreveu a tentativa de gravar como amaldiçoada:

“A tentativa de gravar um álbum novo estava fadada ao fracasso desde o começo. Na noite anterior a nós entrarmos no estúdio, Stewart quebrou a clavícula caindo de um cavalo e isso significou que perdemos a última chande de recuperar um pouco de cumplicidade tocando juntos. De qualquer jeito, estava claro que Sting não tinha intenção alguma de compor novas canções para o Police. Foi um exercício vazio.”

O único resultado das sessões foi uma regravação do single “Don’t Stand So Close To Me”, originalmente lançado no disco “Zenyatta Mondatta”. Após isso, veio uma coletânea e o Police acabou.

Eles se reuniram para uma turnê extremamente bem-sucedida entre 2007 e 2008, mas nenhum material novo foi lançado desde “Synchronicity”.

The Police – “Synchronicity”

  • Lançado em 17 de junho de 1983 pela A&M
  • Produzido por The Police e Hugh Padgham

Faixas:

  1. Synchronicity I
  2. Walking in Your Footsteps
  3. O My God
  4. Mother
  5. Miss Gradenko
  6. Synchronicity II
  7. Every Breath You Take
  8. King of Pain
  9. Wrapped Around Your Finger
  10. Tea in the Sahara
  11. Murder by Numbers (bônus no K7 e CD)

Músicos:

  • Sting (voz e baixo)
  • Andy Summers (guitarra)
  • Stewart Copeland (bateria)

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Pedro Hollanda
Pedro Hollanda
Pedro Hollanda é jornalista formado pelas Faculdades Integradas Hélio Alonso e cursou Direção Cinematográfica na Escola de Cinema Darcy Ribeiro. Apaixonado por música, já editou blogs de resenhas musicais e contribuiu para sites como Rock'n'Beats e Scream & Yell.

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