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Avenged Sevenfold soa irreconhecivelmente prog em “Life is But a Dream…”

Festival de “esquisitices”, novo álbum do grupo possui acenos a King Crimson, Nine Inch Nails e um experimentalismo descaracterizador

Em última análise, a recepção de um álbum pelos fãs é sempre subjetiva e pode variar de pessoa para pessoa. No caso de “The Stage” (2016), sétimo e até então mais recente álbum de estúdio do Avenged Sevenfold, alguns, entusiastas da experimentação sonora, abraçaram as novas direções musicais e conceituais, enquanto outros tiveram uma reação mais hesitante, encarando a mudança para um som mais progressivo como um desvio indesejado.

Para desespero dos saudosistas, não foi desta vez que o grupo voltou ao estilo mais pesado que o consagrou em trabalhos como “Waking the Fallen” (2003) e “City of Evil” (2005), ou mesmo à abordagem mais direta e acessível de “Hail to the King” (2013). Numa miríade de aspectos, que vão do panorama geral às minúcias de cada canção, “Life is But a Dream…” é como se fosse um desdobramento potencializado de seu antecessor imediato.

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O processo de composição ter começado menos de dois anos após o lançamento de “The Stage” talvez justifique a similaridade — sim, “Life…” levou, basicamente, cinco anos para ficar pronto. Contudo, não se pode menosprezar o fato de que desde a morte do baterista e principal motor criativo da banda The Rev, em 2009, o Avenged vem tateando em busca de uma nova identidade; vide o quanto os discos posteriores a essa tragédia, a começar por “Nightmare” (2010), se diferem tanto um do outro.

Outro ponto que se faz notar em “Life…” é o registro vocal de M. Shadows. Sendo este o primeiro álbum após a lesão nas cordas vocais sofrida pelo cantor em 2017 — que, à época, obrigou o grupo a cancelar uma turnê europeia —, é esperado que sua performance soe mais contida. Felizmente, para o conjunto da obra, o encaixe com o instrumental regido pelos hábeis guitarristas Synyster Gates e Zacky Vengeance se dá com impressionante naturalidade.

A imprevisível vida

Natural também é que a pandemia tenha exercido sua influência no conteúdo lírico; ao menos, é o que pareceu. Se em “The Stage” o Avenged abordou temas como inteligência artificial, consciência e evolução por um viés filosófico, aqui é como se a banda versasse, ainda que de maneiras metafóricas e abstratas, acerca da mortalidade e de como imprevisibilidade e impermanência gerem o curso da vida — inspiração da escrita de Albert Camus, escritor franco-argelino militante da Resistência Francesa durante a Segunda Guerra Mundial e notório pelas reflexões existencialistas. Não que “Life…” seja um disco conceitual, mas a recorrência de alguns tópicos autoriza tal designação.

“Dias vêm, dias vão, até que não haja mais dias por vir”, anuncia um verso de “Game Over”, faixa de abertura que inicia suave feito uma trova medieval antes de explodir num rompante contestatório com a pergunta “Is it me?” (“É impressão minha?”) repetida à exaustão. Podendo encerrar aos 2 minutos e pouco, a faixa se estende por mais 1 e meio de forte carga dramática.

Na sequência, os segundos iniciais de “Mattel” ludibriam; “vem metal à moda antiga por aí”. Negativo. Da timbragem ultraprocessada ao vocal embebido em filtros — talvez para mascarar a evidente fragilidade de Shadows em tons mais altos —, tudo na faixa 2 é indicativo dos novos tempos. E, novamente, um falso final: no minuto derradeiro, sem que ninguém solicitasse, um piano se insinua sob batidas que parecem mecânicas de tão modificadas.

Em diversos momentos isolados, “Nobody” soa como um tributo ao que de mais pesado a cena grunge nos ofereceu, mas a pretensão ao tentar erguer um paredão sonoro — clique persistente, arranjo orquestral simulado e efeitos especiais diversos e simultâneos — deu-lhe mais a cara de colcha de retalhos. Curiosamente, ainda assim Gates entrega um solo que, mesmo pontuado por sobes e desces de escala, é dotado de certa melodia.

Do prog ao Nine Inch Nails

Aí vem a trinca mais longa em duração de todo o álbum, e o festival de “esquisitices” segue manifesto. O começo de “We Love You” (6:15) é puro prog setentista, experimental. Aí, como se mudássemos de estação, tem início um brado à Nine Inch Nails. Em novo contraste com sabor de quebra de expectativa, “Cosmic” dá as caras como o que de mais diferente o Avenged Sevenfold já fez e, ao longo de seus mais de 7 minutos, ganha contornos de suíte, um universo à parte do contexto do álbum. Última das três, “Beautiful Morning” (6:32) lança mão de um sarcasmo sem igual para entregar a mais dura das verdades: o mundo está uma m#rda.

Apresentada como um acróstico — dê um Google — da palavra “God” (“Deus”), a trinca composta por “G”, “(O)rdinary” e “(D)eath” é a comprovação de que muito King Crimson, e até grupos mais lado B do progressivo de outrora, foi ouvido pelos caras nos últimos tempos. Chega ao ponto de eles soarem irreconhecíveis, descaracterizados, imperdoáveis aos ouvidos dos que acharam “Bat Country” a oitava maravilha do mundo quando de seu lançamento.

“Life is But a Dream…” encerra com a faixa-título, um instrumental de piano que faria Rick Wakeman e Yoshiki brindarem, mas que, no disco, soa como uma bonus track daquelas gravadas por acaso pelo engenheiro de som do estúdio. Sem que uma palavra seja dita, o recado é dado: a esperança — no caso por uma volta à sonoridade dos álbuns clássicos — pode ser a última que morre, mas morre.

Ouça “Life is But a Dream…” a seguir, via Spotify, ou clique aqui para conferir em outras plataformas digitais.

O álbum está na playlist de lançamentos do site, atualizada semanalmente com as melhores novidades do rock e metal. Siga e dê o play!

Avenged Sevenfold – “Life is But a Dream…”

  1. Game Over
  2. Mattel
  3. Nobody
  4. We Love You
  5. Cosmic
  6. Beautiful Morning
  7. Easier
  8. G
  9. (O)rdinary
  10. (D)eath
  11. Life Is but a Dream…

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Marcelo Vieira
Marcelo Vieirahttp://www.marcelovieiramusic.com.br
Marcelo Vieira é jornalista graduado pelas Faculdades Integradas Hélio Alonso (FACHA), com especialização em Produção Editorial pela Universidade Estadual Paulista (UNESP). Há mais de dez anos atua no mercado editorial como editor de livros e tradutor freelancer. Escreve sobre música desde 2006, com passagens por veículos como Collector's Room, Metal Na Lata e Rock Brigade Magazine, para os quais realizou entrevistas com artistas nacionais e internacionais, cobriu shows e festivais, e resenhou centenas de álbuns, tanto clássicos como lançamentos, do rock e do metal.

5 COMENTÁRIOS

  1. Fora o vocal do Mr. Shadows, que me incomoda nas partes mais anasaladas, o timbre… O instrumental está bem interessante…. Esse álbum está muito Mr. Bungle.

  2. Eu acho que a partir do The Stage, eles pegaram o que fizeram no self-titled, e evoluíram. Nightmare e HTTK foram meio que desvios nesse plano, talvez por causa do falecimento do Rev. Mas creio eu que se não fosse o Rev falecendo em 2009, teríamos esses álbuns mais progs logo depois do self-titled

  3. Sobre a resenha, o disco Nightmare já estava 100% composto e com demos gravadas quando o The Rev se foi, dito isso, não acho que ele soaria muito diferente se o Rev estivesse vivo e gravado as baterias do disco….
    Sobre o disco novo, concordo que é uma “evolução” (ao quadrado, diga-se) do The Stage, tem que tirar o chapéu pros caras da banda pela coragem que tiveram, pois seria muito melhor financeiramente falando os caras gravarem algo na linha do Nightmare mesmo do que vir nessa nova proposta, bem experimental, por sinal; não achei tão prog o disco novo não, mas mais experimental propriamente dito; quem gostou do The Stage com o tempo vai gostar do “Life, agor aquem não gostoudo The Stage vai odiar o disco novo, simples assim…
    Eu dou uma nota 8 pra ele, pela coragem de sair do lugar comum, mas sei que no geral esse disco vai ser bem criticado e não vai vender nada….

  4. Marcelo, concordo completamente com tudo o que você escreveu, principalmente as analogias feitas. Imagino que você poupou palavras em alguns momentos – no fim, o album veio com uma mistura de óleo com água. Achei as faixas bastante parecidas, ou pelo menos com elementos em comum que tentam “temperar” praticamente todas da mesma forma. Além disso, não acredito que foram, de fato, esses tantos anos se dedicando na elaboração desse album – com certeza não sentaram a bunda no estúdio e levaram todo o processo com seriedade e dedicação como deveriam. Talvez tenha sido alguma estratégia de marketing. Enfim, é inacreditável como encerraram um ciclo de 6 anos sem albuns pra entregar isso… muitas decisões erradas nas elaborações.

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Avenged Sevenfold soa irreconhecivelmente prog em “Life is But a Dream…”

Festival de “esquisitices”, novo álbum do grupo possui acenos a King Crimson, Nine Inch Nails e um experimentalismo descaracterizador

Em última análise, a recepção de um álbum pelos fãs é sempre subjetiva e pode variar de pessoa para pessoa. No caso de “The Stage” (2016), sétimo e até então mais recente álbum de estúdio do Avenged Sevenfold, alguns, entusiastas da experimentação sonora, abraçaram as novas direções musicais e conceituais, enquanto outros tiveram uma reação mais hesitante, encarando a mudança para um som mais progressivo como um desvio indesejado.

Para desespero dos saudosistas, não foi desta vez que o grupo voltou ao estilo mais pesado que o consagrou em trabalhos como “Waking the Fallen” (2003) e “City of Evil” (2005), ou mesmo à abordagem mais direta e acessível de “Hail to the King” (2013). Numa miríade de aspectos, que vão do panorama geral às minúcias de cada canção, “Life is But a Dream…” é como se fosse um desdobramento potencializado de seu antecessor imediato.

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O processo de composição ter começado menos de dois anos após o lançamento de “The Stage” talvez justifique a similaridade — sim, “Life…” levou, basicamente, cinco anos para ficar pronto. Contudo, não se pode menosprezar o fato de que desde a morte do baterista e principal motor criativo da banda The Rev, em 2009, o Avenged vem tateando em busca de uma nova identidade; vide o quanto os discos posteriores a essa tragédia, a começar por “Nightmare” (2010), se diferem tanto um do outro.

Outro ponto que se faz notar em “Life…” é o registro vocal de M. Shadows. Sendo este o primeiro álbum após a lesão nas cordas vocais sofrida pelo cantor em 2017 — que, à época, obrigou o grupo a cancelar uma turnê europeia —, é esperado que sua performance soe mais contida. Felizmente, para o conjunto da obra, o encaixe com o instrumental regido pelos hábeis guitarristas Synyster Gates e Zacky Vengeance se dá com impressionante naturalidade.

A imprevisível vida

Natural também é que a pandemia tenha exercido sua influência no conteúdo lírico; ao menos, é o que pareceu. Se em “The Stage” o Avenged abordou temas como inteligência artificial, consciência e evolução por um viés filosófico, aqui é como se a banda versasse, ainda que de maneiras metafóricas e abstratas, acerca da mortalidade e de como imprevisibilidade e impermanência gerem o curso da vida — inspiração da escrita de Albert Camus, escritor franco-argelino militante da Resistência Francesa durante a Segunda Guerra Mundial e notório pelas reflexões existencialistas. Não que “Life…” seja um disco conceitual, mas a recorrência de alguns tópicos autoriza tal designação.

“Dias vêm, dias vão, até que não haja mais dias por vir”, anuncia um verso de “Game Over”, faixa de abertura que inicia suave feito uma trova medieval antes de explodir num rompante contestatório com a pergunta “Is it me?” (“É impressão minha?”) repetida à exaustão. Podendo encerrar aos 2 minutos e pouco, a faixa se estende por mais 1 e meio de forte carga dramática.

Na sequência, os segundos iniciais de “Mattel” ludibriam; “vem metal à moda antiga por aí”. Negativo. Da timbragem ultraprocessada ao vocal embebido em filtros — talvez para mascarar a evidente fragilidade de Shadows em tons mais altos —, tudo na faixa 2 é indicativo dos novos tempos. E, novamente, um falso final: no minuto derradeiro, sem que ninguém solicitasse, um piano se insinua sob batidas que parecem mecânicas de tão modificadas.

Em diversos momentos isolados, “Nobody” soa como um tributo ao que de mais pesado a cena grunge nos ofereceu, mas a pretensão ao tentar erguer um paredão sonoro — clique persistente, arranjo orquestral simulado e efeitos especiais diversos e simultâneos — deu-lhe mais a cara de colcha de retalhos. Curiosamente, ainda assim Gates entrega um solo que, mesmo pontuado por sobes e desces de escala, é dotado de certa melodia.

Do prog ao Nine Inch Nails

Aí vem a trinca mais longa em duração de todo o álbum, e o festival de “esquisitices” segue manifesto. O começo de “We Love You” (6:15) é puro prog setentista, experimental. Aí, como se mudássemos de estação, tem início um brado à Nine Inch Nails. Em novo contraste com sabor de quebra de expectativa, “Cosmic” dá as caras como o que de mais diferente o Avenged Sevenfold já fez e, ao longo de seus mais de 7 minutos, ganha contornos de suíte, um universo à parte do contexto do álbum. Última das três, “Beautiful Morning” (6:32) lança mão de um sarcasmo sem igual para entregar a mais dura das verdades: o mundo está uma m#rda.

Apresentada como um acróstico — dê um Google — da palavra “God” (“Deus”), a trinca composta por “G”, “(O)rdinary” e “(D)eath” é a comprovação de que muito King Crimson, e até grupos mais lado B do progressivo de outrora, foi ouvido pelos caras nos últimos tempos. Chega ao ponto de eles soarem irreconhecíveis, descaracterizados, imperdoáveis aos ouvidos dos que acharam “Bat Country” a oitava maravilha do mundo quando de seu lançamento.

“Life is But a Dream…” encerra com a faixa-título, um instrumental de piano que faria Rick Wakeman e Yoshiki brindarem, mas que, no disco, soa como uma bonus track daquelas gravadas por acaso pelo engenheiro de som do estúdio. Sem que uma palavra seja dita, o recado é dado: a esperança — no caso por uma volta à sonoridade dos álbuns clássicos — pode ser a última que morre, mas morre.

Ouça “Life is But a Dream…” a seguir, via Spotify, ou clique aqui para conferir em outras plataformas digitais.

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  1. Game Over
  2. Mattel
  3. Nobody
  4. We Love You
  5. Cosmic
  6. Beautiful Morning
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Marcelo Vieira
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Marcelo Vieira é jornalista graduado pelas Faculdades Integradas Hélio Alonso (FACHA), com especialização em Produção Editorial pela Universidade Estadual Paulista (UNESP). Há mais de dez anos atua no mercado editorial como editor de livros e tradutor freelancer. Escreve sobre música desde 2006, com passagens por veículos como Collector's Room, Metal Na Lata e Rock Brigade Magazine, para os quais realizou entrevistas com artistas nacionais e internacionais, cobriu shows e festivais, e resenhou centenas de álbuns, tanto clássicos como lançamentos, do rock e do metal.

5 COMENTÁRIOS

  1. Fora o vocal do Mr. Shadows, que me incomoda nas partes mais anasaladas, o timbre… O instrumental está bem interessante…. Esse álbum está muito Mr. Bungle.

  2. Eu acho que a partir do The Stage, eles pegaram o que fizeram no self-titled, e evoluíram. Nightmare e HTTK foram meio que desvios nesse plano, talvez por causa do falecimento do Rev. Mas creio eu que se não fosse o Rev falecendo em 2009, teríamos esses álbuns mais progs logo depois do self-titled

  3. Sobre a resenha, o disco Nightmare já estava 100% composto e com demos gravadas quando o The Rev se foi, dito isso, não acho que ele soaria muito diferente se o Rev estivesse vivo e gravado as baterias do disco….
    Sobre o disco novo, concordo que é uma “evolução” (ao quadrado, diga-se) do The Stage, tem que tirar o chapéu pros caras da banda pela coragem que tiveram, pois seria muito melhor financeiramente falando os caras gravarem algo na linha do Nightmare mesmo do que vir nessa nova proposta, bem experimental, por sinal; não achei tão prog o disco novo não, mas mais experimental propriamente dito; quem gostou do The Stage com o tempo vai gostar do “Life, agor aquem não gostoudo The Stage vai odiar o disco novo, simples assim…
    Eu dou uma nota 8 pra ele, pela coragem de sair do lugar comum, mas sei que no geral esse disco vai ser bem criticado e não vai vender nada….

  4. Marcelo, concordo completamente com tudo o que você escreveu, principalmente as analogias feitas. Imagino que você poupou palavras em alguns momentos – no fim, o album veio com uma mistura de óleo com água. Achei as faixas bastante parecidas, ou pelo menos com elementos em comum que tentam “temperar” praticamente todas da mesma forma. Além disso, não acredito que foram, de fato, esses tantos anos se dedicando na elaboração desse album – com certeza não sentaram a bunda no estúdio e levaram todo o processo com seriedade e dedicação como deveriam. Talvez tenha sido alguma estratégia de marketing. Enfim, é inacreditável como encerraram um ciclo de 6 anos sem albuns pra entregar isso… muitas decisões erradas nas elaborações.

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