Ao longo de seus quatro discos solo, William Tyler criou uma sonoridade própria, aliando elementos country com psicodelia, post-rock e ambient music. Influenciado tanto por Willie Nelson quanto por Brian Eno, seus trabalhos criam paisagens gigantescas da mítica estrada americana, o vazio e o isolamento de alguém no meio de uma jornada.
Músicas se desenrolam lentamente ao longo de vários minutos, meditando em torno de linhas melódicas límpidas. Não é à toa que o guitarrista foi recrutado em 2019 pela diretora Kelly Reichardt, um dos expoentes do movimento cinematográfico apelidado slow cinema, para fazer a trilha sonora de seu filme “First Cow”. Ela viu alguém com uma proposta artística semelhante à sua.
Ao longo dos anos, Tyler se apresentava ao vivo sozinho, construindo as texturas usando um pedal de delay looper e vários tipos de modulação. Em “Secret Stratosphere”, Tyler pega toda sua obra e pergunta a si mesmo: “O que aconteceria se eu tocasse isso com uma banda de bar?”.
A resposta, caro ouvinte: funciona muito bem. Acompanhado do grupo batizado The Impossible Truth – homenagem ao seu segundo disco solo de mesmo nome –, Tyler mostra que saturação não diminui em nada a beleza de suas composições.
Na realidade, o que faz é mostrar como essas são construídas em cima de dois elementos essenciais para rock de qualidade, riffs e melodia. Um dos momentos mais excepcionais do disco, aliás, é como a banda transiciona entre a excelente “Highway Anxiety”, do álbum “Modern Country” (2016), para o cover de “Radioactivity”, clássico do Kraftwerk.
Ouvir uma versão eletrificada de Kraftwerk, com direito a pedal steel – cortesia de Luke Schnieder, um dos destaques sonoros do disco – e ver como fica legal é uma daquelas revelações capazes de trazer um sorriso ao rosto de qualquer um. E quando Tyler faz uma piada ao final sobre ser a música preferida deles do Blue Öyster Cult, não tem como não dar risada.
O repertório de “Secret Stratosphere” abrange principalmente três discos de Tyler. O LP solo mais recente do guitarrista, “Goes West” (2019), tem sua “Our Lady of the Desert” abrindo os trabalhos. “Modern Country”, seu trabalho mais conhecido, tem três faixas: a já mencionada “Highway Anxiety”, “Gone Clear” e “I’m Gonna Live Forever (If It Kills Me)”. “Lost Colony”, um EP de 2014, é representado por “Whole New Dude” e “We Can’t Go Home Again”.
A única crítica que poderia oferecer é a ausência de músicas do belíssimo EP “New Vanitas” (2020), mas isso é catar pelo em ovo. O álbum termina com a inédita “Area Code 601”, apresentada por Tyler como uma mistura entre Hawkwind e a Charlie Daniels Band. A música, batizada em homenagem ao DDD de Jackson, no Mississippi, e um grupo lendário de músicos de estúdio em Nashville chamado Area Code 615, é uma jam incandescente de quase nove minutos, cavalgando num groove hipnótico reminiscente de outros medalhões do rock caipira, a Allman Brothers Band.
E nisso retornamos ao grande atrativo de “Secret Stratosphere” e de Tyler como músico. Suas experimentações não vem de um desprezo por um gênero, e sim surgem a partir de um amor verdadeiro e profundo. Ele enxerga possibilidades ao mesmo tempo que mantém o essencial para apreciação popular intacto.
Ouça “Secret Stratosphere” a seguir, via Spotify.
William Tyler & the Impossible Truth – “Secret Stratosphere”
- Our Lady of the Desert
- Highway Anxiety / Radioactivity
- Whole New Dude
- I’m Gonna Live Forever (If It Kills Me)
- Gone Clear
- We Can’t Go Home Again
- Area Code 601
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