Ao final do primeiro dia do festival MITA 2023 no Rio de Janeiro, a sensação que fica é de ter sido uma grande corrida contra o tempo por parte da produção. Shows em palcos diferentes começavam com mínimos atrasos e estourar o limite de horário não era tolerado. Isso ficou evidente em dois momentos, um sutil e outro nem um pouco.
*Fotos cedidas pela assessoria do evento, ou registradas de celular, devido ao não-credenciamento de fotógrafo do site para cobrir as apresentações.
Lana Del Rey em torno da persona
Lana Del Rey fez seu primeiro show no Brasil desde 2018. Desde antes das portas se abrirem, era claro como o dia pertencia a ela. A fila continha milhares de pessoas com coroas de flores, maquiagem pesada e/ou camisetas contendo seu rosto ou alguma referência à sua obra.
A antecipação antes de sua apresentação era tamanha que qualquer movimento no palco Corcovado — fosse um roadie, uma luz ou até uma rajada de vento — era capaz de causar furor no público. Quando finalmente chegou a hora, Lana surgiu de peruca loira estilo Marilyn Monroe, cantando o outro de “A&W”, a melhor canção de “Did You Know That There’s a Tunnel Under Ocean Blvd”, seu disco mais recente.
Esta foi seguida de “Young and Beautiful” e, após isso, uma troca de guarda roupa em pleno palco. A manobra foi um pouco desastrada, demorando o suficiente para afetar o ritmo de qualquer outro artista, mas a plateia presente parecia absorta.
A grande diferença entre os shows dela desde a última vez dela por aqui é que, além de ter lançado a obra-prima “Norman Fucking Rockwell”, ela parece construir sua performance em torno da persona Lana Del Rey ao invés da cantora por trás. Isso deu ao set o mesmo ar melodramático de seus discos, permitindo os presentes a perdoar qualquer defeito na performance, pois a imersão na vibe era tamanha para o resto não importar.
O show contou com estreias ao vivo de várias canções de “There’s An Ocean…”, incluindo “The Grants”, “Candy Necklace” e a faixa-título, além de “Arcadia”, do disco “Blue Bannisters”. O encerramento chegou antes que a cantora estreasse uma canção nova, porque o festival foi irredutível com seu limite de horário. Felizmente, isso não afetou a performance de Lana.
Repertório – Lana Del Rey:
- A&W
- Young and Beautiful
- Bartender
- The Grants
- Flipside
- Cherry
- Pretty When You Cry
- Ride
- Born to Die
- Burnt Norton (Interlude)
- Blue Jeans
- Norman Fucking Rockwell
- Arcadia
- Ultraviolence
- White Mustang
- Candy Necklace
- Play Video
- Venice Bitch (Com elementos de “Taco Truck x VB”)
- Diet Mountain Dew
- Summertime Sadness
- Did You Know That There’s a Tunnel Under Ocean Blvd
- Video Games
Grosseria com Jorge Ben Jor
O parágrafo final sobre o show de Lana Del Rey nos traz ao destaque negativo do dia. Após uma performance super animada em que o público do palco Deezer cantava todas as canções, Jorge Ben Jor teve seu som cortado sem a menor cerimônia. Ele continuou a cantar, sem perceber o ocorrido, enquanto a banda se olhava confusa.
Segundo fontes do festival, houve uma falha de comunicação entre a produção de Ben Jor: o cantor chegou a tocar uma música a mais do que era esperado – no caso, “Mas que Nada”. Ainda assim, há maneiras menos desagradáveis de lidar com a situação.
O público presente claramente queria a continuação do show, a ponto de puxarem um canto de “Ponta de Lança Africano”. Não era como se precisassem liberar o palco imediatamente, pois o DJ australiano Flume estava começando sua apresentação do outro lado do festival.
Em um momento especialmente embaraçoso, o vídeo de Flume tocando no palco Corcovado começou a passar nos telões laterais do palco Deezer enquanto a banda de Jorge Ben Jor ainda tentava entender o que havia acontecido. No mesmo momento, o cantor, claramente irritado, distribuía bonés e camisetas para a multidão.
Uma pena. Não fosse isso, a imagem que ficaria marcada do show seria de Jorge dançando junto com seu percussionista, Neném da Cuíca: um momento encapsulando toda a alegria e descontração da performance.
Repertório – Jorge Ben Jor:
- Jorge da Capadócia
- A banda do Zé Pretinho
- Santa Clara Clareou / A minha menina / Zazueira
- Que Maravilha / Magnólia / Ive Brussel
- Quero toda noite
- Por causa de você, menina / Chove, chuva
- País Tropical / Spirogyra Story
- Do Leme ao Pontal (original de Tim Maia)
- Zumbi / Bebete Vambora / Take it Easy My Brother Charlie
- Mas que Nada
Planet Hemp e rodinha hardcore
O Planet Hemp foi talvez o melhor show da noite em termos de pura performance. O lendário grupo carioca não só desfilou hits como sempre, mas mostrou, antes mesmo de entrar no palco, seu lado político. No telão, imagens mostravam como os músicos, por falarem de maconha, foram vítimas de perseguição — para não dizer abuso de autoridade por parte da polícia contra qualquer jovem não-branco nesse país.
Quando começaram, foi já no clima do disco novo, “Jardineiro”, com “Distopia”, “Marcelo Yuka” e “Taca Fogo” uma atrás da outra. A mensagem estava dada para qualquer um achando que a banda estava falando apenas da legalização das drogas.
Marcelo D2 e BNegão estavam em forma no palco Deezer. Trocaram rimas, incitaram uma rodinha no meio da multidão e pilharam o público em meio a gritos para girarem cada vez mais ao som de “Deixem a gira girá”, d’Os Tincoãs.
Ao trazer o Tropkillaz para o palco, o grupo teve a oportunidade de mostrar sua homenagem ao funk carioca em “Ainda”, cuja batida é bem reminiscente dos clássicos da Furacão 2000 e claramente influenciada por nomes como Kraftwerk, referenciado por BNegão ao final de uma música.
O set ainda contou com um cover de “Cadê o Isqueiro?”, de Mr. Catra, e terminou com a trinca “Samba Makossa” – homenagem deles a Chico Science –, “A culpa é de quem” e “Mantenha o respeito”, encerrando o palco Deezer com chave de ouro.
Planet Hemp – repertório:
- Distopia
- Marcelo Yuka
- Taca Fogo
- Dig Dig Dig (Hempa)
- 100% Hardcore
- Deixa a gira girá (cover d’Os Tincoãs)
- Deisdazseis
- Contexto
- Boa Noite (com Tropkillaz)
- Ainda (com Tropkillaz)
- Jardineiro (com Tropkillaz)
- Zerovinteum (com Tropkillaz)
- Hip Hop Rio (com Tropkillaz)
- Cadê o isqueiro? (cover de Mr. Catra)
- Quem tem seda?
- Stab
- Samba makossa / Monólogo Ao Pé do ouvido (cover de Nação Zumbi)
- A culpa é de quem?
- Mantenha o respeito
Quanto ao restante
Cantora de som com pitadas neo-soul, Melly (pronunciado Melí) teve a posição ingrata de abrir o festival quando sequer haviam aberto os portões direito. Felizmente, ela conseguiu atrair ao longo do seu set pessoas suficientes para que não se repetisse a cena de Alice Caymmi na edição 2022 do MITA, ou Gab Ferreira no Lollapalooza Brasil deste ano.
Já Larinhx fez um set bastante divertido. Abriu com um mix de funks clássicos antes de apresentar cada uma das suas convidadas. Ebony, a primeira, faz um trap mais americanizado, com várias palavras em inglês aparecendo nas letras. O flow é confiante e a presença de palco, forte. Slipmami, a próxima, tem talvez as canções mais chulas que já ouvi na vida — e isso é um elogio. A MC ainda protagonizou um momento bonito ao fim de sua participação, quando foi surpreendida com um disco de ouro por ter atingido 10 milhões de streams. Claramente emocionada, foi aplaudida pelo público.
Quanto ao palco Corcovado, ficaram evidentes ao longo do dia como as decisões de programação foram estranhas. Jehnny Beth deu início às atividades com uma apresentação forte – seu som é influenciado por bandas industriais tal qual Nine Inch Nails –, capaz de chamar a atenção do público ainda aos poucos se formando, a maioria marcando lugar para a headliner. Pode ter saído do Rio com alguns fãs novos, pois a cada música, era possível ouvir os gritos de aprovação aumentando.
Gilsons trouxe seu som que mistura pop, soul, samba e MPB para o Palco Deezer depois disso, com a plateia sabendo grande parte das canções graças ao sucesso do disco “Pra Gente Acordar”, de 2022. O Badbadnotgood, segunda atração do palco, era talvez mais apropriada como banda de abertura. Por mais que eles tivessem trazido Arthur Verocai ao palco e demonstrado enorme destreza como músicos, jazz instrumental após duas atrações energéticas representa uma mudança de marcha estranha.
Isso nos leva ao Flume, no palco Corcovado. O DJ australiano tem hits, um show de luz e visuais bonitos nos telões. Só não parecia ter o interesse do público, assistindo à apresentação de maneira um tanto apática. O fato de ter sido envolvido, sem saber, na polêmica do Jorge Ben Jor só atrapalhou as coisas para ele.
*O festival MITA 2023 continua no Rio de Janeiro neste domingo (28), com shows de Florence + The Machine, The Mars Volta, HAIM, NX Zero, entre outros. Haverá transmissão no canal de TV por assinatura Multishow. O evento também terá uma edição em São Paulo, repetindo as atrações internacionais e o NX Zero, mas com outros artistas nacionais no geral, entre os dias 3 e 4 de junho.
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