A história de “Holy Diver”, o cartão de visitas da banda Dio

Capitaneado pelo vocalista Ronnie James Dio, grupo fez em seu disco de estreia um clássico do heavy metal

No início de 1983, quando a notícia de que Ronnie James Dio estava planejando um álbum “solo” se espalhou, poucos duvidaram que o vocalista recém-saído do Black Sabbath tinha os predicados necessários para criar uma obra-prima.

No entanto, houve os que temiam que o disco fosse um apanhado de músicas que Ronnie manteve guardadas dos tempos de Rainbow e Sabbath, por soarem inadequadas para ambas as bandas. Lançamentos do tipo, convenhamos, não costumam ser lá grande coisa.

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Então veio “Holy Diver”. Não apenas não era um álbum solo — o que temos aqui é Dio, a banda, em vez de apenas Dio, o cantor —, como foi concebido dentro da integridade artística que se poderia esperar de Ronnie.

Tendo sido protagonista em dois dos maiores discos de heavy metal em todos os tempos — “Rising” (1976), do Rainbow, e “Heaven and Hell” (1980), do Black Sabbath —, ele agora protagonizava em um terceiro.

“Uma nova banda, construída à minha própria imagem”

Depois de experiências perto de traumáticas com Ritchie Blackmore, no Rainbow, e depois com Tony Iommi, no Black Sabbath — o qual havia acabado de deixar na esteira de diversas tretas envolvendo a mixagem do ao vivo “Live Evil” (1982) —, Ronnie James Dio decidiu que tomaria as rédeas do próprio destino. Ele montaria seu próprio grupo.

O primeiro recrutado foi o baterista Vinny Appice, que saiu do Sabbath para se juntar a Ronnie em sua nova grande aventura. O cantor considerou tal jogada ousada para o músico de vinte e poucos anos, conforme escreveu na autobiografia “Rainbow in the Dark” (Estética Torta, 2021):

“Ficar com uma banda mundialmente famosa ou se arriscar em uma situação totalmente nova comigo? Levei-o para jantar e contei-lhe tudo. Ele era como um irmão mais novo para mim, e eu não o teria culpado, caso tivesse escolhido ficar onde estava. Vinny disse que queria entrar e ponto-final.”

Com Vinny à bateria, Ronnie empunhou o baixo e os dois começaram a trabalhar em duas músicas: “Holy Diver” — que era para ter sido apresentada ao Sabbath — e “Don’t Talk to Strangers”, gravando-as em fita cassete.

Mesmo tendo um contrato solo em mãos, Ronnie não estava interessado numa carreira como cantor solo. Por causa disso, escolheu Dio como o nome da banda. A gravadora não apoiou a ideia em tudo. Segundo ele:

“O pessoal da gravadora, originalmente, queria que [o disco] saísse como Ronnie James Dio, mas isso não parecia certo para mim. A escolha deles assegurava que pudesse constar da capa ‘ex-cantor do Black Sabbath’ ou ‘o cantor que esteve no Rainbow’. Eu não queria ser conhecido a partir dos lugares em que estive. Queria estar em uma nova banda, construída à minha própria imagem, não a de outra pessoa, para mostrar aos fãs do Rainbow e do Black Sabbath do que eu era realmente capaz quando finalmente me livrasse das algemas criativas.”

Foi nessa época que Wendy Dio se tornou oficialmente empresária do marido e, portanto, empresária da banda Dio. Ela já havia se ramificado como empresária da banda Rough Cutt e…

“[Wendy] tornou-se minha voz longe do microfone. Eu dirigia a música. Ela, os negócios. Como esposa, sempre cuidou de mim como uma mãe-loba protegendo a matilha. Como empresária, tornou-se um cão de ataque.”

“Um tremendo choque cultural”

Precisando do resto da banda, um dos primeiros músicos testados foi um garoto de 25 anos chamado Jakey Lou Williams, do supracitado Rough Cutt, mas não deu certo. Usando o nome Jake E. Lee, o guitarrista ficaria famoso como braço direito de Ozzy Osbourne nos álbuns “Bark at the Moon” (1983) e “The Ultimate Sin” (1986).  

Por sugestão de Jimmy Bain, baixista com o qual Ronnie havia tocado no Rainbow e com o qual retomaria a parceria nesta nova etapa da carreira, outros dois nomes fizeram teste: John Sykes, então no Thin Lizzy e futuro integrante do Whitesnake, e Vivian Campbell, do desconhecido Sweet Savage, que acabaria conseguindo a vaga.

Em questão de semanas, Ronnie, Vinny, Jimmy e Vivian estariam juntos em Los Angeles compondo e gravando. Ao My Global Mind, o guitarrista lembrou como eram as sessões mistas no estúdio:

“[Vinny, Jimmy e eu] nos reuníamos no início da tarde e trabalhávamos em ideias para mostrar ao Ronnie à noite. Às vezes, Ronnie dava sugestões, outras vezes ele só ouvia, pegava seu caderninho de letras e, 30 minutos depois, ia até o microfone para começar a cantar alguma coisa.”

Na mesma entrevista, Campbell dividiu com o repórter Robert Cavuoto o nervosismo que lhe tomou conta na época:

“Tudo aquilo era muito novo para mim. ‘Holy Diver’ foi meu primeiro álbum e tendo vindo da Irlanda ainda houve um tremendo choque cultural. A coisa toda foi surreal. Fazer esse álbum com Ronnie, que eu ouvia álbuns há anos, pois era um verdadeiro astro do rock; dividir um apartamento com Jimmy e ir para o estúdio à noite para gravar um disco. Por melhor que fosse, foi dureza também.”

“Rock, mas não apenas barulho”

O resultado final, que Ronnie chamou de “Holy Diver”, por ter sido essa a primeira música trabalhada para o álbum, foi gravado em pouco mais de um mês, e também foi um dos momentos de maior orgulho da sua carreira até aquele ponto por ser…

“Rock, mas não apenas barulho. Havia ótimas canções lá e ótimas interpretações também. E, espero, um bom canto. Para mim, ‘Holy Diver’ voltou à era clássica do rock dos anos 1970 e, ao mesmo tempo, abraçou toda a velocidade e equilíbrio dos anos 1980.”

Lançado em 25 de maio de 1983, “Holy Diver” foi bem recebido pelos fãs e pela crítica. Ficou entre os cinco melhores álbuns do ano na votação da Kerrang! — a revista especializada em rock e metal mais importante do Reino Unido na época — e, com o passar dos anos, tornouse-se reconhecido como um dos maiores álbuns de heavy metal já feitos.

Num momento em que o hard rock e o heavy metal estavam se movendo rapidamente para uma nova era cujas regras seriam estabelecidas pela MTV — lançada no ano anterior —, Ronnie sabia exatamente o que queria fazer com o Dio como banda e para onde queria que fosse.

Ele já tinha feito vídeos promocionais no Sabbath e no Rainbow, mas a vasta exposição que o canal especializado em música dava aos artistas exigia produtos mais elaborados; ou que, pelo menos, parecessem ser. Sobre os clipes de “Holy Diver” e “Rainbow in the Dark”, Ronnie comenta em seu livro:

“Esbanjamos no primeiro, com tema de espada e feitiçaria, e contamos centavos no segundo; eu posando em um telhado durante uma visita a Londres.”

Ambos os singles chegaram às 20 mais nas rádios de rock dos Estados Unidos, e os dois clipes obtiveram destaque na programação da MTV.

“Estaria mentindo se dissesse que não estava sendo fantástico”

A primeira turnê do Dio pelos Estados Unidos começou em julho, com um show para 3 mil pessoas na Califórnia. Logo depois disso, veio o convite para ser banda de abertura de um Aerosmith ainda na espiral descendente do vício em drogas. Passadas algumas apresentações caóticas, para não dizer lamentáveis, dos headliners, o grupo pulou fora.

Em agosto, foram a segunda atração a subir ao palco do Monsters of Rock, na Inglaterra, onde 107 mil pessoas os receberam calorosamente. A segunda etapa norte-americana, com abertura do Queensrÿche, começou em outubro em pequenos teatros, mas logo passou para arenas. O ápice veio em dezembro, quando tocaram para 10 mil pessoas na Long Beach Arena, em Los Angeles. Na autobiografia, Ronnie confessa:

“Fiquei especialmente satisfeito por poder promover aquele primeiro álbum do Dio tão rapidamente depois de deixar o Sabbath. Era importante mostrar que, para mim, o Dio estava pronto para seguir.”

Com o Dio tendo decolado como um foguete e “Holy Diver” no top 10 do Reino Unido e a caminho se vender 1 milhão de cópias nos Estados Unidos, o cantor escreve que sempre se lembrará do Natal de 1983 como uma das épocas mais felizes de sua vida:

“Cinco estrelas aqui, cinco estrelas ali, e eu estaria mentindo se dissesse que não estava sendo fantástico. Claro que estava. Tudo o que aconteceu foi a partir da realização da minha visão. Foi o máximo da autoexpressão, era uma corrida para finalmente ser livre como um artista.”

Dio — “Holy Diver”

  • Lançado em 25 de maio de 1983 pela Warner / Vertigo / Mercury
  • Produzido por Ronnie James Dio

Faixas:

  1. Stand Up and Shout
  2. Holy Diver
  3. Gypsy
  4. Caught in the Middle
  5. Don’t Talk to Strangers
  6. Straight Through the Heart
  7. Invisible
  8. Rainbow in the Dark
  9. Shame on the Night

Músicos:

  • Ronnie James Dio (vocais, teclados)
  • Vivian Campbell (guitarra)
  • Jimmy Bain (baixo, teclados)
  • Vinny Appice (bateria)

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Marcelo Vieira
Marcelo Vieirahttp://www.marcelovieiramusic.com.br
Marcelo Vieira é jornalista graduado pelas Faculdades Integradas Hélio Alonso (FACHA), com especialização em Produção Editorial pela Universidade Estadual Paulista (UNESP). Há mais de dez anos atua no mercado editorial como editor de livros e tradutor freelancer. Escreve sobre música desde 2006, com passagens por veículos como Collector's Room, Metal Na Lata e Rock Brigade Magazine, para os quais realizou entrevistas com artistas nacionais e internacionais, cobriu shows e festivais, e resenhou centenas de álbuns, tanto clássicos como lançamentos, do rock e do metal.

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