Para além de seu talento singular na música, Nina Simone entrou para a história como um símbolo da luta antirracista. Em meio a cena do jazz novaiorquino do início da década de 1960, a então jovem cantora se envolveu com o Movimento dos Direitos Civis que clamava pelo fim das leis de segregação racial que tomavam conta dos Estados Unidos.
A partir desse ponto, Simone dedicou sua carreira à militância. Participou ativamente de movimentos como o Black Power e usou sua voz como ferramenta para a revolução. Com canções como “Four Women” e “Mississipi Goddamn”, a artista abordou a força da mulher preta e os absurdos da segregação no sul do país.
Foi imersa nessa realidade que Nina Simone definiu seu papel como artista. Em registro presente no YouTube, a cantora enfatizou o dever de todos os artistas perante a sociedade.
“O dever de um artista, no que me diz respeito, é refletir o momento. Acho que isso vale para pintores, escultores, poetas, músicos. No que me diz respeito, a escolha é deles – mas escolho refletir os momentos e as situações em que me encontro. Isso, para mim, é o meu dever. Neste momento crucial de nossas vidas, quando tudo é tão desesperador, quando todos os dias são uma questão de sobrevivência, acho que você não pode deixar de se envolver. Os jovens – negros e brancos – sabem disso, por isso estão tão envolvidos na política. Vamos moldar este país, ou ele não será mais moldado. Como você pode ser um artista e não refletir os tempos? Essa, para mim, é a definição de artista.”
Um preço a ser pago
Porém, assim como todo grande porta-voz de uma luta, Nina Simone sofreu boicotes devido aos rumos que deu a sua carreira. Ao longo da década de 1960, a artista se apoiou quase integralmente no tema antirracista, o que desagradou a indústria musical. Como resultado, vendas de seus discos foram sabotadas e suas músicas foram impedidas de tocarem rádios.
Em entrevista de 1980, presente no documentário de 2015 “What Happened, Miss Simone?” (via Andscape), Nina comenta o boicote e aborda, sem esperança, a relevância de seu legado para uma geração passiva perante a luta racial.
“Eu não mudaria de fazer parte do movimento dos direitos civis. Eu não mudaria isso. Mas algumas das canções que cantei prejudicaram minha carreira. Todas as músicas controversas, a indústria decidiu me punir e eles boicotaram todos os meus discos e é difícil para mim incorporar mais essas músicas porque elas não são relevantes para a época. Não há direitos civis. Não há razão para cantar essas canções. Nada está acontecendo. Não há movimento pelos direitos civis. Todo mundo se foi.”
O ponto de virada
Em 15 de setembro de 1965, membros do grupo supremacista branco Ku Klux Klan bombardearam uma igreja batista em Birmingham, Alabama. O ato racista matou quatro garotas, de idades entre 11 e 14 anos, que participavam de um estudo bíblico no local. Três meses antes, em 12 de junho, Medgar Evers, ativista dos direitos civis, foi executado em sua casa em Jackson, Mississippi, também por um membro da Klan.
Os crimes impactaram Nina Simone, que a partir desse ponto entendeu a situação da comunidade negra nos Estados Unidos. Em sua autobiografia “I Put a Spell on You” (1991) – via Wax Poetic – a artista comentou o momento.
“Todas as verdades que eu neguei a mim mesmo por tanto tempo se levantaram e me deram um tapa na cara. O bombardeio [de 1963] das garotinhas no Alabama e o assassinato de Medgar Evers foram como as peças finais de um quebra-cabeça que não fazia sentido até que você encaixasse tudo junto. De repente, percebi o que era ser negro na América em 1963, mas não era uma conexão intelectual do tipo que Lorraine [Hansberry] vinha repetindo para mim – veio como uma onda de fúria, ódio e determinação.”
Nina canalizou sua fúria na composição de “Mississippi Goddam”, primeira canção de protesto da longa carreira como militante.
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