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Quando o Black Sabbath sentiu o gosto do fracasso em “The Eternal Idol”

Processo do disco que marcou a estreia do vocalista Tony Martin foi conturbado; baixa expressão em vendas resultou em turnê breve e desastrosa

Ao lado de Deep Purple e Led Zeppelin, o Black Sabbath completava o triunvirato do rock pesado nos anos 1970. A influência que hinos como “Paranoid”, “War Pigs” e “Iron Man” exerceram e ainda exercem na música contemporânea é impossível de ser calculada ou definida. De Pantera e Body Count a Ghost e Avenged Sevenfold: todos que vieram depois devem um bocado a Ozzy Osbourne, Tony Iommi, Geezer Butler e Bill Ward.

Só que os anos 1980 não foram nada fáceis para o Sabbath. Com apenas Iommi restante da célebre formação clássica, a desconfiança tomou conta. Sucessivas mudanças no lineup resultaram em piadas na imprensa. Até mesmo os fãs mais obstinados se viram sem saber ao certo quem estava ou não na banda.

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Embora a qualidade não tenha sido impactada — tenhamos em mente que Iommi é o pai dos riffs do heavy metal —, o estilo muitas vezes não agradou. Dessa forma, álbuns como “The Eternal Idol”, lançado em 23 de novembro de 1987, levaram tempo até finalmente caírem nas graças dos adeptos.

Black Sabbath vai ao Caribe

Passados cinco shows ruins — o quinto deles com o tecladista Geoff Nicholls cantando durante a maior parte —, Glenn Hughes foi demitido do Black Sabbath. Para a sorte da banda, Ray Gillen, 24 anos de idade na época, tomou a frente e terminou a turnê do álbum “Seventh Star” (1985).

Finalizada a turnê, Tony Iommi, o baixista Dave “The Beast” Spitz, o baterista Eric Singer, Nicholls e Gillen se estabeleceram em Birmingham para ensaiar as músicas do vindouro álbum de estúdio, que viria a ser o último do Sabbath a ser lançado pela Warner nos Estados Unidos e pela Vertigo na Europa. Após mudar de empresário — Don Arden deu lugar a Patrick Meehan Jr. —, o grupo fez as malas e partiu rumo ao Caribe para iniciar as gravações.

O local escolhido para gravar foi o luxuoso e caríssimo estúdio da Associated Independent Recording (AIR), na ilha de Montserrat, onde Duran Duran gravou “Rio” (1982), The Police fez “Synchronicity” (1983) e Dire Straits concebeu “Brothers in Arms” (1985), três clássicos do rock dos anos 1980. A produção foi delegada a Jeff Glixman, que também foi coautor de algumas letras de “Seventh Star”.

Sai o boi parceiro

Uma vez em Montserrat, Dave Spitz descobriu através da imprensa que sua então namorada o traíra com Eric Carr, baterista do Kiss. Foi a gota d’água para o baixista, que tinha uma relação ruim tanto com Glixman quanto com Meehan, decidir dar o fora e voltar para os Estados Unidos.

Por ideia de Jeff, Bob Daisley, que tocou no Rainbow e na banda solo de Ozzy, foi chamado. Compositor muito talentoso, Daisley foi de grande ajuda também nesse âmbito, lapidando e fazendo acréscimos às ideias de Gillen para as letras.

Naturalmente, Iommi convidou Daisley para se juntar ao Black Sabbath. Por estar feliz ao lado de Gary Moore, o baixista recusou a oferta.

Em entrevista ao autor Martin Popoff reproduzida em “Black Sabbath: A história completa” (DarkSide Books, 2013), Daisley comentou tanto o trabalho quanto o convite recusado:

“Estava trabalhando com Gary Moore na época; isso foi em outubro de 1986. Recebi um telefonema de Jeff Glixman. Ele havia feito alguns discos do Gary. Eles estavam em Montserrat, e o baixista Dave Spitz teve de voltar para os Estados Unidos. Daí nós discutimos a parte financeira e dentro de dois dias eu estava no Caribe. Foi ótimo trabalhar com Tony Iommi, eu gosto dele. Eles me chamaram para entrar para a banda várias vezes; tanto Tony como Patrick Meehan. Mas ouvi coisas a respeito do empresário e fiquei inseguro. E eu estava feliz com o Gary, então disse que não, que ia ficar onde estava. Então fiz o álbum e foi isso.”

Mais uma baixa

Durante as gravações, ficou evidente para todos que Ray Gillen havia se deixado levar pelo estrelato repentino. O vocalista ficava acordado a noite inteira, bebendo, e virou outra pessoa. Glixman quis tirá-lo de cara, mas Gillen acabou concluindo todas as suas partes.

O produtor, por sua vez, não ficou até o fim: com a mudança das operações de Montserrat para Londres, Chris Tsangarides, que foi engenheiro assistente de alguns discos dos primórdios do Sabbath, assumiu os trabalhos.

Hoje se sabe que, por baixo dos panos, Gillen e Singer vinham orquestrando, com o guitarrista Jake E. Lee, egresso da banda solo de Ozzy, um grupo de nome Badlands. Para a sorte de Iommi, a dupla esperou as gravações terminarem para anunciar sua saída.

Em uma das suas primeiras entrevistas depois que o Badlands foi formado — reproduzida em “Black Sabbath: A biografia”, de Mick Wall (Globo Livros, 2014) —, Gillen falou:

“O último guitarrista com quem trabalhei [Iommi] era um pouco estranho, a banda [Sabbath] não era estranha, mas eles tinham um jeito próprio de como queriam trabalhar e não se abriam a novas ideias. Com Sabbath e Ozzy, Jake e eu tínhamos de nos encaixar, e não dava para realmente projetar seus sentimentos internos sobre o que se queria fazer, você tinha que seguir as diretrizes da banda. Agora estou cantando mais as minhas próprias melodias e escrevendo minhas próprias letras e fazendo o que quero. Não é que quero fazer isso ou aquilo. O estilo da banda é esse.”

O disco já tinha até data de lançamento anunciada quando Iommi decidiu regravar os vocais originalmente registrados por Gillen. Mas quem poderia fazê-lo?

Um zé-ninguém ao resgate

Calhou de um amigo dos tempos de escola de Iommi empresariar um cantor nem tão jovem chamado Tony Martin. Nascido Anthony Martin Harford, ele já beirava os trinta e o mais perto que chegara do estrelato tinha sido numa sessão com sua banda, The Alliance, na rádio BBC.

Não obstante tenha sido efetivado como vocalista do Black Sabbath em 28 de maio de 1987, Tony Martin já vinha sendo cortejado pelo management da banda um ano antes. Em entrevista ao BraveWords, ele declarou:

“O empresário do Tony [Iommi] na época me pediu para ficar de prontidão porque a banda estava tendo problemas com Glenn Hughes durante a gravação do álbum ‘Seventh Star’. Não sei quais problemas eram esses, mas fiquei com medo porque não sou páreo para Glenn Hughes – ninguém é. Daí eles resolveram o que precisava ser resolvido com o Glenn, e no comecinho da turnê o Ray Gillen entrou em cena.”

Cenas seguintes foram descritas pelo vocalista ao Vinyl Music Writer:

“Ele [o empresário] me pediu para ficar a postos novamente. Primeiro, me deram uma música para cantar, ‘The Shining’, e depois me mandaram para casa. Dois dias depois, o Tony ligou e disse: ‘A vaga é sua. Você tem uma semana para regravar os vocais do álbum’, então tome pressão.”

Martin topou e sua estreia em disco no Black Sabbath foi gravando por cima dos vocais de Gillen, seguindo à risca as métricas e melodias registradas originalmente. Anos mais tarde, em entrevista a Popoff, ele comentou o desempenho de seu antecessor:

“Pelo que entendi, Ray não estava dando certo. Ele era meio preguiçoso; não estava lá quando eles precisavam gravar. Tenho as gravações de Ray cantando ‘The Eternal Idol’ e elas eram razoáveis. O problema de Ray é que sua voz era ótima, mas não dava para entender o que ele estava dizendo; as palavras, a dicção dele.”

“É bem erótico”

O título “The Eternal Idol” e a reprodução com dois modelos pintados de tinta cor de cobre da estátua de Auguste Rodin foi sugestão de Patrick Meehan. Embora nunca tivesse ouvido falar no escultor francês, Tony Iommi confiou no faro do empresário e assentiu.

Antes de saber que nem estaria no disco, Ray Gillen comentou a arte da capa à imprensa:

“É bem erótico e muito bonito. Provoca reações muito fortes nas pessoas, e isso é exatamente o que queremos fazer com nossa música.”

Além da supracitada “The Shining” — originalmente concebida como “No Way Out”, de quando David Donato, do White Tiger, era o cantor do Sabbath e que Iommi define como “uma ‘Heaven and Hell’ mais rápida” —, destacam-se no repertório “Nightmare”, que o guitarrista compôs para ser trilha sonora do filme “A Hora do Pesadelo” e “Glory Ride”, que traz um dos melhores refrães da banda na década de 1980.

Nada erótico e longe, muito longe de provocar reações muito fortes em qualquer um.

Os números não mentem

Quando foi lançado em novembro de 1987, “The Eternal Idol” tornou-se o disco menos vendido na história da banda. Chegando apenas ao 66º lugar no Reino Unido, onde ficou por apenas uma semana, quase nem entrou no top 200 nos Estados Unidos.

Como resultado desse fiasco em vendas, pela primeira vez em sua carreira, o Sabbath não faria uma turnê pela América do Norte, onde a demanda pelo grupo era tão baixa que nenhum promoter quis se arriscar a contratá-lo.

Depois de um show de aquecimento num estádio na Grécia e de uma breve residência num resort na África do Sul, a breve e desastrosa “Eternal Idol Tour” teve início na Alemanha e chegou até a Itália. Datas previstas para Bélgica, França, Holanda e até mesmo Reino Unido foram canceladas por razões diversas.

De certa forma isso foi bom, pois permitiu a Iommi refazer a banda, preservando Martin a bordo, e adiantar os trabalhos para o álbum seguinte, um dos melhores que já gravou.

https://www.youtube.com/watch?v=ZlP2aKGrigA

Demanda atendida com tributo tardio

Em 2010, após imensa demanda dos fãs, “The Eternal Idol” foi relançado em formato deluxe trazendo, pela primeira vez de maneira oficial, o repertório na ordem original e com a voz de Ray Gillen. Para Tony Iommi, o relançamento “serviu como uma homenagem agradável a Ray também”.

O vocalista morreu de complicações relacionadas à Aids em 3 de dezembro de 1993.

Black Sabbath – “The Eternal Idol”

  • Lançado em 23 de novembro de 1987 pela Vertigo
  • Produzido por Jeff Glixman, Vic Coppersmith-Heaven e Chris Tsangarides

Faixas:

  1. The Shining
  2. Ancient Warrior
  3. Hard Life to Love
  4. Glory Ride
  5. Born to Lose
  6. Nightmare
  7. Scarlet Pimpernel (instrumental)
  8. Lost Forever
  9. Eternal Idol

Músicos:

  • Tony Martin (vocal)
  • Tony Iommi (guitarra)
  • Eric Singer (bateria)
  • Bob Daisley (baixo)
  • Geoff Nicholls (teclados)
  • Ray Gillen (risada na faixa 6)

Músico adicional:

  • Bev Bevan (percussão, overdubs de pratos nas faixas 7 e 9)

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Marcelo Vieira
Marcelo Vieirahttp://www.marcelovieiramusic.com.br
Marcelo Vieira é jornalista graduado pelas Faculdades Integradas Hélio Alonso (FACHA), com especialização em Produção Editorial pela Universidade Estadual Paulista (UNESP). Há mais de dez anos atua no mercado editorial como editor de livros e tradutor freelancer. Escreve sobre música desde 2006, com passagens por veículos como Collector's Room, Metal Na Lata e Rock Brigade Magazine, para os quais realizou entrevistas com artistas nacionais e internacionais, cobriu shows e festivais, e resenhou centenas de álbuns, tanto clássicos como lançamentos, do rock e do metal.

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