Os músicos do Red Hot Chili Peppers garantem que “Return of the Dream Canteen”, seu segundo álbum de 2022, não é um trabalho de “sobras”. À Billboard, o baterista Chad Smith explicou que a banda pôde compor material “sem restrição de tempo” após a volta do guitarrista John Frusciante, anunciada em 2019. Por isso, puderam produzir o suficiente para “Unlimited Love”, liberado no primeiro semestre, e este novo registro.
De fato, a pandemia – e o consequente cancelamento de toda turnê no planeta – pode ter permitido que o grupo trabalhasse de forma mais “relax” em estúdio. E é de conhecimento público que o Chili Peppers cria bastante. Não à toa, seus álbuns são sempre longos e geralmente ainda há sobras sendo reaproveitadas como B-sides, extras de coletâneas e coisas do tipo.
Contudo, também é fato que não existe imparcialidade na vida. A todo momento fazemos escolhas, mesmo que de forma inconsciente. Se essas mais de 30 faixas somadas foram todas criadas ao mesmo tempo e não há qualquer conceito claro separando as temáticas dos álbuns, inevitavelmente algumas canções entraram para “Unlimited Love” por serem “melhores” ou ao menos “mais urgentes”.
O discurso de que não há sobras em “Return of the Dream Canteen” funciona para fins de marketing ou para os fãs mais ávidos. Por outro lado, não cola para quem sabe minimamente como as coisas funcionam.
“Sobras” não são o problema
Só não dá para esquecer de uma coisa: “sobras” nem sempre são ruins. Quem nunca se deliciou com um mexidão feito das sobras do dia anterior? O mesmo se aplica ao mundo da música: quantas demos e B-sides de bandas que amamos não são melhores do que faixas que realmente foram lançadas nos discos? Recentemente o Iron Maiden até mudou a tracklist do relançamento em vinil de “The Number of the Beast” para tirar uma música que considerava ruim (“Gangland”) e incluir um B-side (“Total Eclipse”).
Talvez o grande mérito de “Return of the Dream Canteen” seja justamente não ter o objetivo de ser o primeiro álbum desde o novo retorno de John Frusciante. Em função disso, sua abordagem é um pouco (eu disse um pouco) mais experimental e ousada que a de “Unlimited Love”. Ouve-se mais do guitarrista – aliás, todo o instrumental está mais solto – e menos da fórmula contemporânea dos Chili Peppers que deu certo em “Californication” (1999) e quase sempre foi replicada nos trabalhos seguintes.
Faixas incluídas agora poderiam ser classificadas como “sobras” do disco anteriores simplesmente porque não se encaixariam ali. É o caso onde não dá para chamar de ruim uma faixa que não foi aproveitada em seu plano original.
Em contrapartida, “Return of the Dream Canteen” sofre no fim das contas do mesmo problema que “Unlimited Love”: é muito longo. Dá para ver que a partir de dado momento, as boas ideias começam a se dissipar. Até algumas introduções são parecidas às vezes. Contei nove faixas que começam com alguma levada de bateria de Chad Smith; outras quatro se iniciam com passagens calmas da guitarra de Frusciante.
No detalhe
O primeiro terço do trabalho é particularmente interessante. A abertura “Tippa My Tongue”, já conhecida do público, tem um groove que remete ao Red Hot de outros tempos. Enquanto isso, “Peace and Love” (que capricha na melodia) e “Reach Out” (que alterna da calmaria à tensão) dialogam diretamente com “Unlimited Love”.
“Eddie”, tributo a Eddie Van Halen e outro momento já divulgado aos fãs, é claramente um dos grandes destaques de ambos os discos, em especial pelo trabalho de guitarras fantástico de John Frusciante e pelos versos repletos de referências à famosa banda de hard rock. “Fake as F@ck” e “Bella”, guiadas pelo funk de formas distintas, também agradam, assim como a melódica “Roulette”.
A partir daqui, porém, as coisas ficam um pouco menos inspiradas. “My Cigarette” e “In the Snow”, por exemplo, parecem tentativas forçadas de abraçar o amor de Frusciante pela música eletrônica. Já faixas como “Shoot Me a Smile” e “The Drummer” soam mais como uma banda indie qualquer do que como o Chili Peppers. Por sua vez, “Bag of Grins” é daquelas que fica alternando entre momentos leves e pesados como se isso já não tivesse sido feito várias vezes neste álbum e no anterior.
Claro que nem tudo é descartável – na verdade, quase nada é. Mesmo as faixas menos inspiradas ainda são, no mínimo, curiosas de se ouvir no contexto do álbum. E os momentos finais nos reservam outras pérolas do porte de “La La La La La La La La”, guiada por piano e com aparições de um sax tímido; “Carry Me Home”, um inusitado alt-blues onde até Anthony Kiedis sai um pouco da zona de conforto; e “The Shape I’m Takin’”, onde os slaps de Flea comem soltos.
Melhor ou pior?
Quem leu este texto esperando uma comparação definitiva com “Unlimited Love” vai se decepcionar com a conclusão. Visivelmente são álbuns-irmãos, então fica difícil sugerir que um seja melhor do que o outro.
“Return of the Dream Canteen” é um pouco mais experimental e tem mais destaques isolados, enquanto seu antecessor soa mais uniforme e distribui mais os holofotes entre os músicos. Além disso, não dá para negar que algumas faixas deste segundo disco só entraram aqui porque não atenderiam aos padrões do primeiro.
Ainda assim, são dois trabalhos similares nas qualidades e deficiências – ao ponto de que não é possível analisar este novo trabalho sem citar o anterior diversas vezes. Até por isso, a melhor frase final possível para esta resenha é: leia o meu outro texto, sobre “Unlimited Love”.
Ouça “Return of the Dream Canteen” a seguir, via Spotify, ou clique aqui para conferir em outras plataformas digitais.
O álbum está na playlist de lançamentos do site, atualizada semanalmente com as melhores novidades do rock e metal. Siga e dê o play!
Red Hot Chili Peppers – “Return of the Dream Canteen”
- Tippa My Tongue
- Peace and Love
- Reach Out
- Eddie
- Fake as Fu@k
- Bella
- Roulette
- My Cigarette
- Afterlife
- Shoot Me a Smile
- Handful
- The Drummer
- Bag of Grins
- La La La La La La La La
- Copperbelly
- Carry Me Home
- In the Snow
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