A discografia inédita de Vinnie Vincent

Guitarrista famoso por sua passagem pelo Kiss acumula obras inacabadas e álbuns condenados a nunca serem lançados oficialmente

É no mínimo gozado, para não dizer bizarro, a discografia oficial de Vinnie Vincent — considerando apenas os trabalhos que gravou na íntegra — ser tão magra. Numa carreira iniciada quase cinco décadas atrás, a priori como músico de estúdio amplamente requisitado, apenas “Lick It Up” (1983) do Kiss e os dois álbuns do Vinnie Vincent Invasion trazem a assinatura do guitarrista em todas as faixas.

Não quer dizer, porém, que Vinnie tenha produzido pouco. Pelo contrário: sempre que podia, estava lá ele ou gravando demos ou tentando materializar o próximo grupo que estouraria na cena hard rock estadunidense em vãs tentativas de sair da sombra da banda que o revelou e de sobressair em relação aos ex-colegas daquela que carregava seu nome e sobrenome.

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Sendo assim, confira abaixo quais os trabalhos de Vinnie Vincent que permanecem inéditos em caráter oficial — embora todos ou quase todos possam ser localizados numa singela busca na internet.

Engatinhando nos anos 1960 e 1970

De acordo com o banco de dados Kiss FAQ, a primeira gravação de Vinnie Vincent que se tem notícia é uma demo de três faixas financiada por seu pai e registrada sob a alcunha de Younger Generation em 1965.

Além de Vinnie, fazia parte do grupo o baixista Neil Stubenhaus, posteriormente integrante do Blood, Sweat & Tears e renomado músico de estúdio com mais de 600 álbuns do rock ao pop, frequentemente sob pseudônimos, no currículo.

Cinco anos mais tarde, à frente da banda Hunter, Vinnie gravaria uma demo de quatro músicas com produção de Dale Frasier. Seria o início da parceria responsável por conferir destaque ao guitarrista no universo dos hired guns: Frasier era proprietário do Connecticut Recording Studios, onde Vincent gravou para os grupos Black Satin e Hitchhikers (ambos em 1976), entre outros artistas. Neste caso, os materiais foram lançados.

https://www.youtube.com/watch?v=XnTZk6RERt0

No mesmo período, gravou guitarra e vocais para as músicas “Innocent Eyes” e “Turn Yourself Around”, do álbum homônimo do Treasure, projeto de Felix Cavaliere (The Young Rascals). O disco também foi lançado.

Iniciativas antecedendo o Kiss

Quando nem imaginava ser recrutado pelo Kiss, e depois de ter gravado álbuns completos de artistas como o cantor Dan Hartman — que bombou em 1984 com o hit “I Can Dream About You” da trilha sonora do longa-metragem “Ruas de Fogo” — e a cantora Laura Nyro, Vinnie Vincent resolveu apostar em músicas próprias. Em 1981, registrou a primeira leva delas numa demo na qual gravou todos os instrumentos.

Das nove faixas gravadas, destaque para as versões embrionárias de “Back on the Streets”, mais tarde aproveitada no álbum homônimo do Vinnie Vincent Invasion (1986), e “Tears”, que veria a luz do dia tanto em “Let Me Rock You”, voo solo do então ex-baterista do Kiss, Peter Criss, de 1982, e em “No Brakes”, do cantor John Waite, mais famoso por integrar os grupos The Baby’s na década de 1970 e Bad English na década de 1990.

Em 1982, foi a vez de Vinnie formar o Warrior, outra empreitada que não vingou além de uma quantidade considerável de demos feitas com o auxílio de Gary Shea (baixo), Jimmy Waldo (teclados) e Hirsch Gardner (bateria). Datam dessa época rafes das músicas “Boyz Are Gonna Rock”, “Shoot U Full Of Love” e “Baby-O”, de “Vinnie Vincent Invasion”. No ano seguinte, Shea e Waldo formariam o Alcatrazz com o vocalista Graham Bonnet (ex-Rainbow) e um jovem guitarrista sueco de nome Yngwie Malmsteen.

Passados trinta e cinco anos, toda a produção do Warrior receberia tratamento profissional e ganharia lançamento oficial em CD pela gravadora britânica Cherry Red Records.

Vinnie Vincent em banda com Jeff Scott Soto?

Enquanto trabalhava no sucessor de “Vinnie Vincent Invasion”, “All Systems Go” (1988), os caminhos de Vinnie Vincent e Jeff Scott Soto se cruzaram e os dois se tornaram bons amigos.

Desde aquela época conhecido por não saber dizer não, o vocalista havia sido contratado para gravar backing vocals no que se tornaria a saideira do Vinnie Vincent Invasion. Acabou convidado pelo guitarrista para emprestar seus talentos vocais na gravação de músicas que havia criado para honrar um contrato de composição.

Em entrevista a este autor, Soto descreveu em mais detalhes no que consistiu o trabalho e fez cair por terra o delírio coletivo de que ele e Vincent estiveram próximos de montar uma banda:

“Nos conhecemos quando fiz backing vocals no segundo álbum do Vinnie Vincent Invasion. Foi numa dessas sessões que Vinnie disse que eu tinha uma voz incrível e que ele tinha algumas músicas e que adoraria ver como eu me sairia cantando-as. Ele tinha um contrato de publicação que exigia que ele entregasse trinta ou quarenta músicas por ano; entre elas, as músicas que cantei. Ele tinha um home studio que não era dos melhores; é por isso que a qualidade dessas gravações não é tão boa. Mas pelo menos ele conseguiu fazê-las. Essas músicas não foram pensadas para o Invasion ou para mim, mas sim para o seu catálogo de publicações musicais. Ainda assim, as pessoas ouvem e pensam que era um projeto no qual estávamos trabalhando. Não era nada disso. Ele me contratou para cantar nessas demos e ponto-final. Gravamos tudo na casa dele. Ele foi muito gentil e elogioso. Éramos muito amigos naquela época.”

O cantor aproveitou a ocasião para destacar o talento musical de Vincent enquanto compositor.

“A maioria das pessoas não sabe, mas o Vinnie era um grande compositor. Ele escrevia músicas para Deus e o mundo; escreveu músicas para o Michael Bolton e para muitos artistas diferentes que não tinham ligação com o rock. Ele era um grande compositor de diferentes estilos de música.”

As cinco músicas de Vinnie gravadas por Jeff circulam pela internet com títulos como “Publishing Tape”.

https://www.youtube.com/watch?v=7wfzljGtsv4

Göran Edman e as guitarras do inferno

Depois de levar um pé-na-bunda da própria banda como parte do estratagema que deu origem ao Slaughter, Vinnie Vincent entrou em contato com o vocalista sueco Göran Edman. Sabe-se que a relação dos dois datava de tempos anteriores, existindo, inclusive, registros de Edman cantando músicas do primeiro álbum do Vinnie Vincent Invasion.

Vinnie acabou convencendo Göran, que ainda não havia assumido o microfone no Yngwie J. Malmsteen’s Rising Force, a tomar um avião para Los Angeles para gravar algumas demos. Nessa sessão, que contou com o baixista Chris Lee e o baterista Andre Labelle, foram gravadas três músicas, entre elas “Young Blood, Young Fire” e “My Love Goes With You”, oriundas da fita cantada por Jeff Scott Soto.

Em depoimento reproduzido no Kiss FAQ, Labelle compartilha o pouco de que se lembra:

“Me lembro de gravar com o Vinnie entre 1989 e 1992 em Los Angeles no Grandmaster Recording Studios, no Clear Lake Audio e no Corner Stone Studios. O título do álbum [de Vinnie] seria ‘Revenge’. Paralelo a isso, Vinnie também estava compondo músicas para o Kiss. Gene Simmons gostou tanto do título ‘Revenge’ que convenceu Vinnie a deixar o Kiss usá-lo. Vinnie então começou a usar o título ‘Guitars from Hell’ para se referir ao seu material próprio, mais tarde mudando novamente para ‘Guitarmageddon’.”

Mais ou menos nessa época, Vinnie Vincent chegou a assinar com a Enigma Records, que se prontificou a fazer o projeto “Guitars from Hell” sair do papel. Com Robert Fleischman (vocalista do primeiro álbum do Vinnie Vincent Invasion) substituindo Goran Edman, foram gravadas as seguintes faixas: “Euphoria”, “Get the Led Out”, “Wild Child”, “Full Shredd”, “Rocks on Fire”, “Nuke It”, “Shocker”, “Invincible”, “Truth”, “Heavy Metal Poontang” e as instrumentais “Genesis” e “Ride the Serpent”. Labelle cita ainda os títulos “Cock Teaser” e “Brainsaw”, mas sinaliza:

“Vinnie vivia mudando os títulos das músicas e os arranjos eram alterados com frequência, então é difícil dizer qualquer coisa com certeza.”

“Euphoria”, “Get the Led Out”, “Wild Child” e “Full Shredd” foram mixadas, masterizadas e lançadas pelo selo de Vinnie, Metaluna Records, em 1996, como o EP “Euphoria”. Seria a degustação de um álbum que até hoje permanece inédito. Ninguém sabe ao certo as razões para o disco não ter saído, mas é fato que, a partir daí, o guitarrista deixou a vida pública e se tornou bastante recluso, voltando a aparecer em eventos somente em 2018.

Vincent, por outro lado, garante: é apenas (mais) uma questão de tempo até que tudo isso venha a público com o devido tratamento de uma vez por todas. Resta seguir aguardando.

https://www.youtube.com/watch?v=JzJdn6vCcFQ

E a discografia oficial de Vinnie Vincent?

Neste artigo, apresenta-se o que pode ser citada como a discografia inédita de Vinnie Vincent. São materiais que nunca foram lançados oficialmente ou que demoraram bastante para sair (caso do Warrior).

Contudo, vários trabalhos do guitarrista foram lançados de forma oficial. Confira na lista abaixo.

  • Black Satin – “Black Satin featuring Fred Parris” (1976)
  • The Hitchhikers – “The Hitchhikers” (1976)
  • Treasure – “Treasure” (1977) – ao que tudo indica, apenas duas faixas
  • Laura Nyro – “Nested” (1978)
  • Dan Hartman – “Instant Replay” (1978)
  • Felix Cavaliere – “Castles in the Air” (1979) – três faixas
  • Heat – “Still Waiting” (1981)
  • Kiss – “Creatures of the Night” (1982) – seis faixas
  • Kiss – “Lick It Up” (1983)
  • Was Not Was – “Born to Laugh at Tornadoes” (1983) – uma faixa
  • Vinnie Vincent Invasion – “Vinnie Vincent Invasion” (1986)
  • Vinnie Vincent Invasion – “All Systems Go” (1988)
  • The Bangles – “Everything” (1989) – uma faixa
  • Vinnie Vincent – “Euphoria” (1996) – EP
  • Vinnie Vincent – “Archives, Volume 1: Speedball Jamm” (2002)
  • Warrior – “Warrior” (2017) – demos da década de 1980
  • Warrior – “Warrior II” (2019) – demos da década de 1980

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Marcelo Vieira
Marcelo Vieirahttp://www.marcelovieiramusic.com.br
Marcelo Vieira é jornalista graduado pelas Faculdades Integradas Hélio Alonso (FACHA), com especialização em Produção Editorial pela Universidade Estadual Paulista (UNESP). Há mais de dez anos atua no mercado editorial como editor de livros e tradutor freelancer. Escreve sobre música desde 2006, com passagens por veículos como Collector's Room, Metal Na Lata e Rock Brigade Magazine, para os quais realizou entrevistas com artistas nacionais e internacionais, cobriu shows e festivais, e resenhou centenas de álbuns, tanto clássicos como lançamentos, do rock e do metal.

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