Era 25 de agosto de 1959. Miles Davis estava do lado de fora de uma casa de shows com seu nome na fachada. Nem mesmo o ambiente mostrando a importância do trompetista de jazz e bandleader impediu que ele fosse brutalmente atacado por policiais.
A agressão ocorreu quando ele estava no auge da fama. O músico havia acabado de lançar “Kind of Blue”, um dos álbuns mais importantes da história do jazz.
A situação trouxe consequências que acompanharam o músico por toda a vida. Em sua autobiografia “Miles”, lançada em 1989, o saudoso músico relembrou a noite em detalhes. O material foi resgatado pelo site Far Out Magazine.
“Eu tinha acabado de fazer uma transmissão do Dia das Forças Armadas, você sabe, Voice of America e todas essas besteiras. Levei uma linda garota branca chamada Judy para pegar um táxi. Ela entrou no carro e eu fiquei parado na frente de Birdland, ensopado de suor porque era uma noite quente, fumegante e úmida de agosto.
Um policial branco vem até mim e me diz para seguir em frente. Eu disse: ‘Siga em frente, para quê? Eu estou trabalhando lá embaixo. Esse é o meu nome lá em cima, Miles Davis’, e apontei para o meu nome na marquise todo iluminado. Ele respondeu: ‘Não me importa onde você trabalha, eu disse para seguir em frente! Se você não obedecer, vou prendê-lo’.
Eu só olhei para o rosto dele bem direto e duro, sem me mexer. Então ele me deu voz de prisão, estendeu a mão para pegar as algemas no cinto e recuou. Eu meio que me inclinei para mais perto porque não iria dar a ele nenhuma distância para que pudesse me bater na cabeça. Uma multidão se juntou de repente, do nada. Esse detetive branco entrou correndo e BAM!, me acerta na cabeça. Não o vi chegando. O sangue escorria pelo traje cáqui que eu vestia.”
Em seguida, Miles Davis foi levado à delegacia. De acordo com suas lembranças, continuou sendo provocado enquanto detido, para ver se reagia. Foi solto horas após ser fichado.
O ocorrido é detalhado no documentário “Miles Davis: Inventor do Cool”, disponível na Netflix.
O trauma de Miles Davis
Pessoas próximas a Miles Davis, incluindo músicos que trabalharam com ele após o incidente, notaram como o artista parecia ter flashbacks daquela noite de 1959. O tema também foi abordado em entrevistas.
Em outro material resgatado pelo site Far Out Magazine, Davis disse à revista Spin, em 1985, que enfrentou racismo em diversos momentos de sua vida adulta apenas por ser “um negro que morava em uma casa à beira-mar em Malibu”.
“Uma vez minha esposa, Cicely, estava dormindo ao meu lado no carro quando me pararam. Quando ela acordou, ouviu me acusarem de estar bêbado. Ela disse a eles que eu não bebia. Mas eles não se importam com isso. É por racismo. Mas nós, negros, sabemos disso. Acontece todos os dias com um negro. Acontece aqui como na África do Sul.”
Ódio racial
Na ocasião, o músico foi ainda mais específico ao ressaltar o ódio racial sistematizado na polícia dos Estados Unidos.
“Um policial que tem que trabalhar todos os dias realmente fica bravo quando o que estou dirigindo custa mais do que o que ele ganha em um ano inteiro. Um policial, depois de me pedir para encostar, me disse: ‘Você não me viu atrás de você?’. Eu disse: ‘Não’. Eu não estava olhando para trás, ele que estava me observando. Eu não sabia que ele estava atrás de mim. Eu não me importo se ele está atrás de mim. F#da-se ele! Os policiais são estranhos. Eles fazem coisas estranhas. Eles são como tropas de choque. Eles vão até a Alemanha em excursões para aprender a fazer mais dessas m#rdas esquisitas.”
Miles Davis nos deixou em 28 de setembro de 1991, aos 65 anos de idade. Foi internado no St. John’s Hospital, perto de Santa Mônica, na Califôrnia, Estados Unidos, após sofrer um AVC. Teve pneumonia e um quadro de insuficiência respiratória, o levando a óbito.
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