Depois de estourar com o álbum “A Night at the Opera” (1975) e tentar repetir a fórmula sem tantos méritos com “A Day at the Races” (1976), o Queen foi forçado a sair de sua zona de conforto. O resultado disso foi o bem-sucedido “News of the World”, curiosamente no embalo da ascensão do punk rock.
Não é coincidência a aproximação do sexto álbum do Queen com a sonoridade punk. Foi justamente no período em que o gênero esteve em alta no Reino Unido, com a meteórica ascensão dos Sex Pistols.
Quando “A Day of the Races” foi criticado por parte da imprensa especializada por tentar emular o som de “A Night at the Opera”, o grupo refletiu sobre a ideia de gravar músicas mais diretas. A proposta era abdicar das complexas construções vocais e das melodias inspiradas na música erudita, como Freddie Mercury deixou claro em entrevista à NME.
“Sinto que o estilo do Queen de álbum bem produzidos ou produzidos dessa forma acabou. Fizemos harmonias multifaixas a exaustão e, por nós e pelo público, queremos ir para um tipo diferente de projeto. E o próximo álbum será isso.”
Queen e Sex Pistols
No estúdio Wessex, mesmo local em que “News of the World” era gravado, os já mencionados Sex Pistols produziam o seminal “Never Mind the Bollocks, Here’s the Sex Pistols”, seu primeiro e único disco de estúdio. Por coincidência, os dois trabalhos saíram no mesmo dia: 28 de outubro de 1977.
Um estúdio de gravação não é exatamente um lugar grande. Portanto, é claro que os integrantes se encontraram algumas vezes.
O guitarrista Brian May relatou ao biógrafo da banda, Mike Blake, que esteve nos corredores do local em alguns momentos com o vocalista John Lydon, então chamado de Johnny Rotten. Segundo May, eles conversaram sobre música e os diálogos foram sempre respeitosos.
Já a experiência de Freddie Mercury e com o baixista dos Pistols, Sid Vicious, não foi das melhores. Conforme narra Blake, Vicious teria invadido a sala onde o Queen se reunia e questionado Mercury sobre uma declaração recente, onde ele falava sobre a intenção de “trazer o ballet para as massas”.
O cantor, então, debochou do baixista: o chamou de “Simon Ferocious” e passou a provocá-lo mexendo nos bottoms da jaqueta de couro do músico.
O encontro terminou tenso, com o baixista encarando Mercury, que o empurrou perguntando o que ele pretendia.
Lydon também teve contato com o vocalista do Queen: o cantor dos Sex Pistols apareceu um dia de surpresa, ficou agachado atrás do piano em que ele tocava e disse apenas um: “olá, Freddie”.
News of the World: quase punk
Fato é que “News of the World” traz um Queen mais cru do que de costume, o que se nota em algumas de suas principais faixas. Uma delas é “Sheer Heart Attack”, que foi originalmente composta em 1974 para o disco de mesmo nome.
A canção parece trazer a atitude de uma grande banda de punk rock. O baterista Roger Taylor, compositor da música, negou que isso tenha sido proposital em uma entrevista de 1991.
“Surgimos com o título do álbum ‘Sheer Heart Attack’ e veio de uma música para a qual eu tive a ideia, mas não tinha ainda terminado de fato. Na época em que a terminei, estávamos dois álbuns depois, então ela acabou entrando no álbum ‘News of the World’. É interessante, porque estávamos fazendo o álbum na porta ao lado de uma banda punk, os Sex Pistols, e realmente se encaixou com aquela explosão do punk que estava ocorrendo na época.”
Por sua vez, a música “Sleeping on the Sidewalk” foi gravada direto do primeiro take – algo praticamente impensável para uma banda metódica em estúdio como o Queen. Outro reflexo da mentalidade punk adotada pelo grupo na ocasião.
Participação do público
Além do punk, o próprio público do Queen tem parte do crédito por tornar o som mais direto em “News of hte World”. Foi pensando nos fãs que a banda criou dois de seus maiores hits presentes no álbum: as clássicas “We Will Rock You” e “We Are the Champions”, construídas para contar justamente com a participação da plateia nos shows.
Os músicos do Queen se impressionaram com a resposta dos fãs em alguns shows da turnê anterior e pensaram em aproveitar isso nas novas músicas. Freddie Mercury se inspirou em cantos de torcidas de futebol para criar o marcante refrão de “We Are the Champions”, o que explica a conexão que a música tem até hoje com eventos esportivos em geral. Deu certo.
Já “We Will Rock You” contou com o conhecimento do físico Brian May para que as famosas batidas soassem da forma única como soam. O guitarrista se formou bacharel em física em 1968 e depois iria para o campo da astrofísica, onde é doutor.
Em 2010, ele explicou a Terry Gross, do NPR, a física por trás de um dos maiores clássicos do Queen.
“Estávamos trabalhando em uma antiga igreja sem uso no norte de Londres e ela já tinha um bom som. E havia algumas tábuas velhas jogadas em volta, mas elas pareciam ideais para bater com os pés. Então nós as empilhamos e começamos a pisar. E elas soavam ótimas de qualquer forma. Mas sendo um físico, eu disse: ‘suponha que houvessem mil pessoas fazendo isso, o que estaria acontecendo?’. Pensei ‘bem, você as ouviria pisando e ouviria um pouco de um efeito, que é por causa da distância que elas estão de você’.
Então eu coloquei várias repetições individuais nelas. Não um eco, mas uma única repetição a várias distâncias. E as distâncias eram todas números primos… quando gravamos cada pista, cada faixa, colocamos um delay de uma certa distância. Nenhuma delas tenha relação com a harmonia. Então não há eco nisso de qualquer forma, mas o som das palmas se espalha pelo estéreo, só que de uma certa distância de você – então, você se sente no meio de um grande número de pessoas batendo com os pés e batendo palmas.”
Apesar da produção, ainda era o Queen. Portanto, detalhes técnicos ainda se fariam presentes, a exemplo das camadas de vocalizações de “We Will Rock You e “We Are the Champions”, além de “Get Down, Make Love”.
Resultado
“News of the World” foi um grande sucesso, muito devido a “We Will Rock You” e “We Are the Champions”, que saíram como singles. O timing também foi essencial: além de aproveitar a ascensão do punk, o álbum recolocou a banda nos trilhos rapidamente após “A Day at the Races” não agradar tanto.
O trabalho alcançou o top 10 em dez países, incluindo o topo na França e nos Países Baixos. Nos Estados Unidos, vendeu mais de 4 milhões de cópias, conseguindo disco quádruplo de platina.
As ótimas “Spread Your Wings” e “It’s Late” também foram promovidas como singles, ainda que sem o impacto das duas primeiras.
Para o disco seguinte, “Jazz” (1978), o Queen até voltou a buscar uma extravagância sonora, mas um pouco mais comedida. Uma prova de que “News of the World” ensinou muito à banda.
* Texto redigido por André Luiz Fernandes com pauta e edição de Igor Miranda.