O ato democrático que causou o fim do Creedence Clearwater Revival

Após saída de Tom Fogerty, banda fracassou ao distribuir processo criativo entre seus integrantes e rachou de vez

É seguro afirmar que o Creedence Clearwater Revival era uma das maiores bandas do mundo na virada dos anos 1960 para os 70.

Cinco dos seis álbuns de estúdio do grupo chegaram ao Top 10 na parada americana, com todos alcançando premiação de platina. O quarteto foi um dos destaques do festival de Woodstock, em 1969, e realizou naquele período sua primeira turnê europeia, divulgando seu quarto disco, “Willy And The Poor Boys”.

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Porém, nem tudo ia bem nas relações internas, o que ficou claro após Tom Fogerty se retirar. O guitarrista estava cansado da centralização do trabalho na figura de seu irmão, o vocalista e também guitarrista John Fogerty. Foi aquele momento tradicionalmente conhecido como “o início do fim”.

Sequência como trio e mais democracia

Após algumas ponderações, os remanescentes decidiram que o melhor a fazer seria continuar como um trio. Ao mesmo tempo, o baixista Stu Cook e o baterista Doug Clifford usaram a saída do antigo colega como um trunfo para exigir maior participação no processo de composição.

Restou a John Fogerty ceder e se comprometer a um novo esquema criativo. No próximo álbum da banda, cada integrante teria direito a compor, arranjar e cantar uma trinca de canções como bem entendesse, enquanto ele se resumiria a tocar guitarra de acordo com o que fosse criado.

Assim saiu “Mardi Gras”, lançado em abril de 1972 com nove composições, além de uma versão para “Hello Mary Lou”, música de Gene Pitney imortalizada por Ricky Nelson.

Fracasso e fim do Creedence Clearwater Revival

“Mardi Gras” chegou ao 12º lugar na parada norte-americana, ganhando disco de ouro. O que seria um grande sucesso para outras bandas se constituiu em fracasso retumbante quando comparado ao que o Creedence havia conquistado até aquele momento.

Como esperado, o resultado melou de vez as relações internas. Além das disputas com os companheiros, John Fogerty passou a acusar a gravadora Fantasy Records de sustentar um contrato totalmente desvantajoso para os interesses dos músicos. A parceria foi rompida seis meses após “Mardi Gras” chegar às lojas.

Capa de “Mardi Gras”, o último álbum do Creedence Clearwater Revival

Com este cenário, não foi surpresa que a banda tenha encerrado atividades logo após uma curta turnê de divulgação que sequer saiu dos Estados Unidos.

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Ao contrário de quase todos os colegas de geração, o Creedence Clearwater Revival jamais se reuniu – exceto por algumas situações que ocorreram quase que na informalidade. Doug e Stu mantiveram a parceria com o Creedence Clearwater Revisited, enquanto John seguiu carreira solo. Tom morreria em 1990, aos 48 anos, vítima de tuberculose e insuficiência respiratória agravadas pelo HIV.

Reflexões de John Fogerty

Líder criativo do Creedence Clearwater Revival, John Fogerty refletiu sobre o funcionamento interno da banda e a produção de “Mardi Gras” em diferentes ocasiões. À Rolling Stone, em 1976, ele chegou a dizer que não considera esse disco como parte da obra do grupo.

“Lançamos seis discos. Não considero ‘Mardi Gras’, onde não tive controle sobre qualquer aspecto. O resultado foi um estrume de cavalo.”

Em outra entrevista, concedida em 1997 à revista sueca Pop, o vocalista e guitarrista foi ainda mais incisivo ao falar sobre seu papel preponderante no sucesso alcançado.

“Eu estava sozinho quando fiz as músicas, os arranjos, os vocais de fundo, guitarras e todo o resto. Estava sozinho quando produzi e mixei os álbuns. Os outros caras apareciam apenas para os ensaios e nos dias em que fazíamos as gravações de verdade. Para mim, o Creedence foi como sentar em uma bomba-relógio. Tivemos um sucesso decente com nosso cover de ‘Susie Q’ e o primeiro álbum.”

Os problemas internos com o Creedence, segundo ele, começaram a surgir quando os músicos passaram a ter uma estrutura maior de gravação.

“Quando fomos gravar ‘Proud Mary’, foi a primeira vez que estivemos em um estúdio real de Hollywood, o da RCA em Los Angeles. Ali os problemas começaram imediatamente. Os outros caras da banda insistiram em compor, tinham opiniões sobre os arranjos, queriam cantar. Chegaram a adicionar vocais de fundo em ‘Proud Mary’ e ficou horrível. Usaram pandeiros e não soou melhor. Foi quando entendi que tinha uma escolha a fazer.

Naquela época, tínhamos apenas um sucesso que nem tinha realmente sido tão grande. Ou o novo disco estourava ou poderíamos muito bem voltar a trabalhar lavando carros. Houve uma grande briga.”

Foi quando John, segundo ele, propôs assumir o controle criativo da banda – o que deu certo em boa parte da existência do projeto.

“Fomos a um restaurante italiano e lembro de ter dito muito claramente aos outros que eu, pelo menos, não queria isso. Tínhamos que fazer o possível, não importando quem fazia o quê, contanto que o resultado fosse o melhor. E é claro que era eu quem deveria assumir o comando. Não acho que os outros realmente entenderam o que quis dizer, mas pelo menos eu poderia administrar a situação da maneira que queria.

O resultado foi a venda de oito milhões de singles e seis discos que ganharam platina. A revista Melody Maker nos considerava a melhor banda do mundo. Isso foi depois que os Beatles se separaram, mas ainda assim… e fui eu quem criou tudo. Apesar disso, acho que eles não entenderam do que eu estava falando… estavam obcecados com a ideia de mais controle e mais influência. Então, finalmente, a bomba explodiu e nunca mais trabalhamos juntos.”

Mística viva

Apesar de nunca ter regressado – ou talvez até mesmo por isso – o culto em relação ao Creedence só cresceu nas décadas seguintes.

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A mística em torno do grupo ainda é real, com o uso das canções em trilhas de filmes e comerciais, além dos lançamentos de coletâneas (“Chronicle: The Greatest Hits”, de 1976, alcançou a marca de 500 semanas na parada Billboard 200 em dezembro de 2020), álbuns ao vivo e a discografia sendo redisponibilizada de tempos em tempos.

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João Renato Alves
João Renato Alveshttps://twitter.com/vandohalen
João Renato Alves é jornalista, 40 anos, graduado pela Universidade de Cruz Alta (RS) e pós-graduado em Comunicação e Mídias Digitais. Colabora com o Whiplash desde 2002 e administra as páginas da Van do Halen desde 2009. Começou a ouvir Rock na primeira metade dos anos 1990 e nunca mais parou.

6 COMENTÁRIOS

  1. A banda Creedence ficou bastante conhecida, principalmente no Brasil na década 70s. E a voz do John Fogerty é pesada, é legal, mas essa banda lá na America é vista como ‘Pop-Rock’. Não é a mesma pegada de bandas de Metal e Hard Rock, ou Grunge/alternativo. Creedence foi o ‘pop’ da época, até as musicas como ‘Proud Mary’, ‘I heard It through The grapevine’, ‘Suzie Q’ foram gravadas gente pop. No meu caso, sou fã de Ozzy, Maiden, outras do Metal recente e clássico, Hard, Prog, mas gosto de Creedence também.

  2. Concordo em número, gênero e grau: John era o cabeça, a mente criativa do grupo. Basta ouvir seus sucessos: Born on The Bayou, Fortunate Son, Green River, e inúmeras outras músicas! Pra ser sincero, os outros componentes (com todo respeito) poderiam ser facilmente substituídos por outros músicos. Digo isso, porque tenho todos os LPs da melhor fase da Banda.

  3. Oláaaaa pessoal. Eu sou de Luanda, Angola e na minha adolescência, durante os anos 70 do séc. XX eu fui um fervoroso fãn dos “Credence Clearwater Revival” , essa magnífica banda americana do Estado da California e cheguei até a comprar alguns LPs deles, sendo um deles o “COSMOS’ FACTORY” que acabou por se perder nas mãos de um amigo meu que nunca mais me devolveu o referido LP. O CCR quando começou era um quarteto, que depois passou a ser um Trio, com a saída do Tom Fogerty da referida Banda. Até hoje sou fãn deles como na minha adolescência e juventude. Um abraço.

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