Como o Bon Jovi mudou e conquistou o mundo com “Slippery When Wet”

Terceiro álbum da banda trouxe hard rock polido, com abordagem comercial na medida e hits enfileirados

Antes de “Slippery When Wet”, o Bon Jovi era uma boa banda de hard rock. Tinha seus momentos, mas, no geral, o grupo fazia um tipo de som não tão comercial.

Por vezes melódico demais, por vezes até mais pesado, o quinteto apostou, em seus dois primeiros discos, em passagens manjadas e produções oitentistas demais, com teclado na linha de frente e músicas de trabalho indefinidas. Há quem diga que esses dois trabalhos iniciais – “Bon Jovi” (1984) e “7800° Fahrenheit” (1985) – sejam apenas “menos pop”. Particularmente, só os acho fracos mesmo.

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O diferencial do Bon Jovi só veio em “Slippery When Wet“, lançado em 18 de agosto de 1986. E não foi apenas em função dos músicos envolvidos: o produtor Bruce Fairbairn e o compositor Desmond Child fizeram a diferença em todo o processo. Os dois profissionais, cada um a seu modo, deram a orientação pop que o grupo precisava para atingir o objetivo de estourar mundialmente.

O compositor externo

A presença de Desmond Child, em especial, foi uma aposta e tanto. Não é comum ter compositores externos no rock, mas o vocalista Jon Bon Jovi queria tentar algo diferente junto de seu parceiro de composição na época, o guitarrista Richie Sambora.

O criador de canções profissional foi trazido para trabalhar com Jon Bon Jovi e Richie Sambora e fez, junto deles, quatro músicas: “You Give Love a Bad Name”, “Livin’ on a Prayer”, “Without Love” e “I’d Die for You”. Todas elas nasceram no porão da casa da mãe de Sambora, conforme lembrou Jon em uma entrevista à Classic Rock:

“Eu gostei do que Bryan Adams fez com Tina Turner (compondo para ela), então sugeri que fizéssemos algo semelhante: eu faço uma música para alguém como ela e então fazemos a música juntos. Mas isso mudou. Um executivo da gravadora veio com o nome de Desmond. […] Ele não tentou mudar o que somos, mas refinou um pouco, sugerindo maneiras extras de que poderíamos extrair um pouco mais do que tínhamos.”

A molecada escolhe

Conscientes de que a medida poderia transformar a banda em uma potência do rock, os músicos do Bon Jovi não economizaram em empenho. Foram criadas, ao todo, 30 músicas para o que se tornaria “Slippery When Wet”.

Após isso, Jon, Richie, o baterista Tico Torres, o tecladista David Bryan e o baixista Alec John Such, que formavam o Bon Jovi na época, mostraram todas essas composições para adolescentes de Nova Jersey e Nova York. Eram, no geral, amigos do irmão mais novo do vocalista. A ideia era ter a opinião deles, que, até então, representavam a base de fãs do grupo.

Torres, em entrevista à Rolling Stone, explica:

“Deixamos que eles escolhessem o álbum. Nós estávamos tão próximos daquilo que não dava para prever do que as pessoas vão gostar. Como eles eram as pessoas (que queríamos atingir), deixamos que eles previssem isso. Não queríamos cometer o mesmo erro (que havíamos cometido no passado) de tentar prever o que é melhor para colocar no disco. É para eles que você está fazendo as músicas de qualquer maneira, então eles podem muito bem escolher o que querem ouvir. Tirou muita pressão de nós.”

No fim das contas, a visão do Bon Jovi era mais ou menos parecida com a da molecada. A única música que a banda não pretendia inserir, mas foi convencida do contrário pelos fãs, foi “Never Say Goodbye”. De resto, eles pareciam saber quais eram os hits – pelo menos depois das canções já criadas, pois há a célebre história de que Jon Bon Jovi não achava que “Livin’ on a Prayer” poderia ser um sucesso.

Méritos do Bon Jovi

Com um norte mais definido, a banda intensificou os trabalhos e chegou ao resultado final, com 10 hits em potencial. Parece exagero, mas não é: em “Slippery When Wet”, todas as canções poderiam ser lançadas como singles e tocar nas rádios.

A banda havia evoluído não só em seu repertório, mais consistente, como também na performance individual de cada músico.

Jon Bon Jovi passou a usar melhor a própria voz, embora fosse sofrer com os efeitos disso em longo prazo. Richie Sambora, por sua vez, começou a desenvolver ganchos e riffs de guitarra como ninguém – além de aparecer mais como backing vocal principal. David Bryan adquire um papel secundário importante, em vez de tentar aparecer tanto quanto as guitarras. Por fim, tanto Alec John Such (ou seria Hugh McDonald?) quanto Tico Torres deram sustentação com uma cozinha discreta.

Fora tudo isso, havia uma mentalidade inquebrável de que eles conseguiriam o sucesso. Não só isso: amplificariam todo esse êxito comercial em trabalhos seguintes. O Bon Jovi não estava para brincadeira, conforme Jon destacou à Rolling Stone, em 1987:

“Nunca estarei satisfeito. Não estou contente por termos o álbum número um, o single número um, por ter o clipe número um, por ter esgotado todos os shows, por voar em meu próprio avião e por poder comprar uma mansão enorme se quiser. No próximo ano, pretendo ser melhor. Quero um álbum maior. Quero fazer mais shows. Quero poder comprar duas casas em vez de uma.”

Slippery When Wet, faixa a faixa

Após uma introdução climática de quase um minuto, com guitarra e teclados, a pesada “Let It Rock” abre a audição de “Slippery When Wet”. A faixa não resume a proposta do álbum, justamente por ser a mais densa da tracklist em pegada, performance e tonalidade. Boa música.

Na sequência, o hino arena rock “You Give Love a Bad Name” mostra o diferencial da parceria entre a banda e Desmond Child. A canção, feita pelo compositor originalmente para Bonnie Tyler, chegou a ser lançada pela cantora com versos diferentes e o título “If You Were a Woman (And I Was a Man)“. Não fez sucesso.

Nas mãos do Bon Jovi, a música parece ter se encontrado. A própria banda, aqui, localiza a sua fórmula ideal, que é trabalhar o hard rock no limite máximo aceitável do pop.

O mega-hit “Livin’ on a Prayer”, que vem a seguir, quase não entrou para o disco. Jon Bon Jovi não estava convencido de que a música era boa o suficiente, mas Richie Sambora insistiu que a canção deveria entrar. Entrou e fez história, pois é o single de maior sucesso da história do grupo – e com justiça, já que tem tudo o que se precisa em um grande hino do rock.

As duas próximas faixas destacam Richie Sambora. Enquanto a boba/divertida “Social Disease” evidencia a pegada do guitarrista, a climática “Wanted Dead or Alive” mostra como ele é preciso no violão.

Apesar de ter se tornado um dos momentos de Sambora nos palcos, a canção foi feita em boa parte por Jon Bon Jovi, que admitiu, durante um show em 2008, que se inspirou bastante em “Turn the Page“, de Bob Seger, durante o processo de composição.

“Raise Your Hands” reúne todos os clichês possíveis em sua letra – e, ainda assim, é divertida. O riff principal, o refrão pegajoso e o instrumental do solo de guitarra se destacam por aqui.

Há, em seguida, dois momentos de destaque de David Bryan. O primeiro é a semi-balada “Without Love”, guiada claramente pelos teclados do músico. Poderia ter um refrão melhor, mas é uma boa canção.

O segundo é “I’d Die For You”, arena rock de primeira. É o momento que mais remete aos dois primeiros discos do Bon Jovi, especialmente por ser comandada pelos acordes cheios de Bryan.

A arrastadíssima balada “Never Say Goodbye” e a grudenta “Wild in the Streets” dão um fim tipicamente oitentista a “Slippery When Wet”. São duas músicas claramente datadas, mas divertem. Guilty pleasure total.

O sucesso

“Slippery When Wet” foi planejado para fazer sucesso. E conseguiu.

O álbum chegou ao topo das paradas de sete países, incluindo os Estados Unidos, onde mais de 12 milhões de cópias foram vendidas até os dias de hoje. Mundialmente falando, estima-se que o número chegue a 30 milhões.

“Livin’ on a Prayer” e “You Give Love a Bad Name” chegaram ao topo das paradas também dos EUA, onde “Wanted Dead or Alive” também teve bom desempenho em charts, chegando ao top 10 das mais tocadas.

Foi o início da construção de uma potência no rock e na música como um todo, que se consolidou com a turnê de divulgação desse disco, com 1 ano e meio de duração e 130 apresentações rodando o globo, já como atração principal.

Nessa época, Jon Bon Jovi ainda achava que sua banda poderia ser um fenômeno duradouro. Ele devorava livros sobre administração artística e tinha planos de se tornar um professor de indústria musical “quando tudo aquilo acabasse”.

Até hoje, não acabou. O Bon Jovi segue em plena atividade, ainda que sem Richie Sambora e Alec John Such. Mudou diversas vezes sua sonoridade, seu visual, sua linguagem, sua proposta, mas sem deixar de lado aquilo que aprendeu com “Slippery When Wet”: o apelo de uma música bem composta, com um refrão forte e uma ponta bem-vinda de carisma.

Bon Jovi – “Slippery When Wet”

Jon Bon Jovi (vocal, guitarra, violão)
Richie Sambora (guitarra, violão)
Alec John Such (baixo)
Tico Torres (bateria)
David Bryan (teclados)

1. Let It Rock
2. You Give Love A Bad Name
3. Livin’ On A Prayer
4. Social Disease
5. Wanted Dead Or Alive
6. Raise Your Hands
7. Without Love
8. I’d Die For You
9. Never Say Goodbye
10. Wild In The Streets

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Igor Miranda
Igor Miranda
Igor Miranda é jornalista formado pela Universidade Federal de Uberlândia (UFU), com pós-graduação em Jornalismo Digital. Escreve sobre música desde 2007. Além de editar este site, é colaborador da Rolling Stone Brasil. Trabalhou para veículos como Whiplash.Net, portal Cifras, revista Guitarload, jornal Correio de Uberlândia, entre outros. Instagram, Twitter e Facebook: @igormirandasite.

1 COMENTÁRIO

  1. Esse disco é mais um daqueles que são o retrato de uma época. Apesar de ser quase que impecável, a banda ainda não teria alcançado seu auge. Impressionante!!

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