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Como nasceu “Ritual”, o ambicioso álbum de estreia do Shaman

Com aura mística e influências étnicas, trabalho apresentou banda montada por três ex-integrantes do Angra: Andre Matos, Luis Mariutti e Ricardo Confessori

A formação inicial do Angra acabou com as saídas de Andre Matos (vocais), Ricardo Confessori (bateria) e Luis Mariutti (baixo). Logo na sequência, o trio somou forças em um dos projetos mais ambiciosos do heavy metal no Brasil: o Shaman, com seu aclamado álbum de estreia, “Ritual”.

A principal diferença entre o que a nova banda trazia e o que o Angra tinha feito até ali era a aura mística, com influências étnicas. Tal sonoridade já havia sido explorada em álbuns como “Holy Land” (1996), mas foram levadas a outro nível por aqui.

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A banda foi completa por Hugo Mariutti (guitarra), irmão de Luis, que acrescentaria boas ideias a uma formação já bem criativa. Fabio Ribeiro, tecladista de turnês do Angra, também se envolveu com o projeto.

A ausência de uma guitarra em relação ao formato do Angra não chegou a ser sentida. O Shaman já tinha uma boa noção do caminho que iria explorar e de como preencher essa lacuna sonora – se é que um dia ela existiu.

Shaman e o “Ritual” de produção

Gravado inteiro na Alemanha, “Ritual”, álbum que marcou a estreia da banda, teve a produção de Sascha Paeth. O profissional, famoso por seu envolvimento com o Avantasia, é figurinha carimbada entre as bandas power metal da época.

Nove das dez faixas já existiam antes da entrada em estúdio, ao menos como ideias – algumas trazidas pelos irmãos Mariutti, outras por Matos e Confessori. Havia ainda “Be Free”, que chegou a ser executada nos primeiros shows da nova banda, mas acabou não entrando no disco de estreia.

O Shaman claramente buscava soar mais “étnico” do que o último trabalho do Angra, “Fireworks” (1998). A pegada remeteu ao eclético “Holy Land”, mas trouxe outras influências.

Para esse tempero cultural, o grupo trouxe flautas andinas, gaitas de fole, bombos legueros e derbaks, além de outros instrumentos de origem indígena ou de culturas nativas de outros lugares do mundo.

Ao mesmo tempo, a banda não abriu mão de orquestrações e coros típicos do power metal do início do século. Além disso, havia o sempre bem-vindo peso – “Ritual” tem certa aproximação com o heavy metal de tom mais clássico, soando um pouco menos power.

As ideias prontas foram concluídas e o álbum acabou ganhando sua última música em uma jam descompromissada, onde o produtor Sascha Paeth surgiu com um riff que ganhou vida. Assim nascia o encerramento com “Pride”, que acabou contando com a participação de Tobias Sammet (Edguy, Avantasia) nos vocais.

Entre outros detalhes, vale a pena citar a introdução de “Over Your Head”, com as vozes infantis. A gravação foi feita no quintal da casa da mãe dos irmãos Mariutti, aproveitando os sons das brincadeiras da filha de Hugo com uma amiga, como conta Luis em seu livro, “Memórias dos Meus 50 Anos”. A intenção era refazer o trecho, mas o produtor gostou do clima caseiro e o registro acabou ficando.

O “Ritual” de audição

A estreia do Shaman foi pensada para ser grandiosa – e entrega o que promete. O disco abre com a longa e trabalhada introdução de “Ancient Winds”, que dá o tom do álbum, todo permeado por uma aura mística e “xamânica” – sendo propositalmente redundante.

A banda entra de vez com a poderosa “Here I Am” e o que se segue é um desfile de canções fortes, consideradas por muitos fãs como o melhor momento vocal de Andre Matos.

Outros destaques ficam por conta da bela “For Tomorrow” e a balada “Fairy Tale”. Ambas ganharam clipes que rodaram na MTV e nos primórdios da internet. A segunda, inclusive, entrou até para a trilha sonora de uma novela da TV Globo: “O Beijo do Vampiro”, em 2002.

Algumas das favoritas dos fãs incluem ainda “Distant Thunder”, “Blind Spell” e a faixa-título.

“Ritual” soa como uma boa banda de power metal, mas com um bem-vindo tempero de world music e instrumentos não muito comuns em álbuns do estilo. O resultado ficou acima da média, também, pelo bom momento dos integrantes naquela época.

Com tudo isso, é fácil entender porque o trabalho é tão aclamado na extensa e variada discografia de um artista como Andre Matos. Os irmãos Mariutti funcionam muito bem juntos e Confessori tem uma performance competente, dialogando bem com as percussões diferentes adotadas no disco.

“Ritualive”, o Shaman ao vivo

O lançamento de “Ritual” foi o que fez o Shaman engrenar de fato, com uma turnê bem-sucedida. A banda chegou a abrir para o Iron Maiden no Brasil, em 2004.

Antes disso, eles lançaram um CD/DVD ao vivo que é lembrado até hoje como um dos melhores trabalhos do gênero no metal nacional em termos técnicos: o histórico “Ritualive” (2003).

Gravado no Credicard Hall, em São Paulo, o show contou com participações de Tobias Sammet, do violinista Marcus Viana – ambos participantes do disco –, do produtor Sascha Paeth e do derbakista George Mouzayek. Além disso, Andi Deris e Michael Weikath, respectivamente vocalista e guitarrista do Helloween, tocaram juntos da banda em uma versão de “Eagle Fly Free”.

Mesmo com algumas músicas cortadas do álbum por questões contratuais, o show é lembrado como o grande momento da banda. Fruto direto do bom desempenho do disco de estreia.

O “Ritual” da “Razão”

O próximo passo do Shaman foi amplificar a grandiosidade de sua estreia. “Reason” (2005) tem muita qualidade, mas parte para um direcionamento mais melancólico e menos experimental do que “Ritual”.

Foi também o último álbum da banda com essa formação, já que Andre Matos, Hugo e Luis Mariutti se desligariam do grupo em seguida. Na época, Andre deu início a uma carreira solo e trouxe os amigos com ele.

O Shaman (ou Shaaman, por um período, após alguns conflitos judiciais) seguiria vivo com uma nova formação, mas nunca mais chegou a ter o sucesso de antes.

A redenção viria tardiamente, com uma reunião em 2018 que rendeu alguns shows, mas foi interrompida pela morte de Andre Matos em 2019. Hoje, a banda segue em um “Ritual” de celebração, com Alírio Netto nos vocais.

* Texto desenvolvido em parceria por André Luiz Fernandes e Igor Miranda. Pauta e edição geral por Igor Miranda; redação, argumentação e apuração adicional por André Luiz Fernandes.

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André Luiz Fernandes
André Luiz Fernandes
André Luiz Fernandes é jornalista formado pela Universidade Metodista de São Paulo (UMESP). Interessado em música desde a infância, teve um blog sobre discos de hard rock/metal antes da graduação e é considerado o melhor baixista do prédio onde mora. Tem passagens por Ei Nerd e Estadão.

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A formação inicial do Angra acabou com as saídas de Andre Matos (vocais), Ricardo Confessori (bateria) e Luis Mariutti (baixo). Logo na sequência, o trio somou forças em um dos projetos mais ambiciosos do heavy metal no Brasil: o Shaman, com seu aclamado álbum de estreia, “Ritual”.

A principal diferença entre o que a nova banda trazia e o que o Angra tinha feito até ali era a aura mística, com influências étnicas. Tal sonoridade já havia sido explorada em álbuns como “Holy Land” (1996), mas foram levadas a outro nível por aqui.

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A ausência de uma guitarra em relação ao formato do Angra não chegou a ser sentida. O Shaman já tinha uma boa noção do caminho que iria explorar e de como preencher essa lacuna sonora – se é que um dia ela existiu.

Shaman e o “Ritual” de produção

Gravado inteiro na Alemanha, “Ritual”, álbum que marcou a estreia da banda, teve a produção de Sascha Paeth. O profissional, famoso por seu envolvimento com o Avantasia, é figurinha carimbada entre as bandas power metal da época.

Nove das dez faixas já existiam antes da entrada em estúdio, ao menos como ideias – algumas trazidas pelos irmãos Mariutti, outras por Matos e Confessori. Havia ainda “Be Free”, que chegou a ser executada nos primeiros shows da nova banda, mas acabou não entrando no disco de estreia.

O Shaman claramente buscava soar mais “étnico” do que o último trabalho do Angra, “Fireworks” (1998). A pegada remeteu ao eclético “Holy Land”, mas trouxe outras influências.

Para esse tempero cultural, o grupo trouxe flautas andinas, gaitas de fole, bombos legueros e derbaks, além de outros instrumentos de origem indígena ou de culturas nativas de outros lugares do mundo.

Ao mesmo tempo, a banda não abriu mão de orquestrações e coros típicos do power metal do início do século. Além disso, havia o sempre bem-vindo peso – “Ritual” tem certa aproximação com o heavy metal de tom mais clássico, soando um pouco menos power.

As ideias prontas foram concluídas e o álbum acabou ganhando sua última música em uma jam descompromissada, onde o produtor Sascha Paeth surgiu com um riff que ganhou vida. Assim nascia o encerramento com “Pride”, que acabou contando com a participação de Tobias Sammet (Edguy, Avantasia) nos vocais.

Entre outros detalhes, vale a pena citar a introdução de “Over Your Head”, com as vozes infantis. A gravação foi feita no quintal da casa da mãe dos irmãos Mariutti, aproveitando os sons das brincadeiras da filha de Hugo com uma amiga, como conta Luis em seu livro, “Memórias dos Meus 50 Anos”. A intenção era refazer o trecho, mas o produtor gostou do clima caseiro e o registro acabou ficando.

O “Ritual” de audição

A estreia do Shaman foi pensada para ser grandiosa – e entrega o que promete. O disco abre com a longa e trabalhada introdução de “Ancient Winds”, que dá o tom do álbum, todo permeado por uma aura mística e “xamânica” – sendo propositalmente redundante.

A banda entra de vez com a poderosa “Here I Am” e o que se segue é um desfile de canções fortes, consideradas por muitos fãs como o melhor momento vocal de Andre Matos.

Outros destaques ficam por conta da bela “For Tomorrow” e a balada “Fairy Tale”. Ambas ganharam clipes que rodaram na MTV e nos primórdios da internet. A segunda, inclusive, entrou até para a trilha sonora de uma novela da TV Globo: “O Beijo do Vampiro”, em 2002.

Algumas das favoritas dos fãs incluem ainda “Distant Thunder”, “Blind Spell” e a faixa-título.

“Ritual” soa como uma boa banda de power metal, mas com um bem-vindo tempero de world music e instrumentos não muito comuns em álbuns do estilo. O resultado ficou acima da média, também, pelo bom momento dos integrantes naquela época.

Com tudo isso, é fácil entender porque o trabalho é tão aclamado na extensa e variada discografia de um artista como Andre Matos. Os irmãos Mariutti funcionam muito bem juntos e Confessori tem uma performance competente, dialogando bem com as percussões diferentes adotadas no disco.

“Ritualive”, o Shaman ao vivo

O lançamento de “Ritual” foi o que fez o Shaman engrenar de fato, com uma turnê bem-sucedida. A banda chegou a abrir para o Iron Maiden no Brasil, em 2004.

Antes disso, eles lançaram um CD/DVD ao vivo que é lembrado até hoje como um dos melhores trabalhos do gênero no metal nacional em termos técnicos: o histórico “Ritualive” (2003).

Gravado no Credicard Hall, em São Paulo, o show contou com participações de Tobias Sammet, do violinista Marcus Viana – ambos participantes do disco –, do produtor Sascha Paeth e do derbakista George Mouzayek. Além disso, Andi Deris e Michael Weikath, respectivamente vocalista e guitarrista do Helloween, tocaram juntos da banda em uma versão de “Eagle Fly Free”.

Mesmo com algumas músicas cortadas do álbum por questões contratuais, o show é lembrado como o grande momento da banda. Fruto direto do bom desempenho do disco de estreia.

O “Ritual” da “Razão”

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Foi também o último álbum da banda com essa formação, já que Andre Matos, Hugo e Luis Mariutti se desligariam do grupo em seguida. Na época, Andre deu início a uma carreira solo e trouxe os amigos com ele.

O Shaman (ou Shaaman, por um período, após alguns conflitos judiciais) seguiria vivo com uma nova formação, mas nunca mais chegou a ter o sucesso de antes.

A redenção viria tardiamente, com uma reunião em 2018 que rendeu alguns shows, mas foi interrompida pela morte de Andre Matos em 2019. Hoje, a banda segue em um “Ritual” de celebração, com Alírio Netto nos vocais.

* Texto desenvolvido em parceria por André Luiz Fernandes e Igor Miranda. Pauta e edição geral por Igor Miranda; redação, argumentação e apuração adicional por André Luiz Fernandes.

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André Luiz Fernandes
André Luiz Fernandes
André Luiz Fernandes é jornalista formado pela Universidade Metodista de São Paulo (UMESP). Interessado em música desde a infância, teve um blog sobre discos de hard rock/metal antes da graduação e é considerado o melhor baixista do prédio onde mora. Tem passagens por Ei Nerd e Estadão.

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